Instrumentum Laboris. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional
Instrumentum laboris
XV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SINODO DOS BISPOS
ABREVIAÇÕES.
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO..
As finalidades do Sínodo.
O método do discernimento.
A estrutura do texto.
PARTE I
RECONHECER: A IGREJA À ESCUTA DA REALIDADE
Capítulo I. SER JOVEM HOJE.
Uma abrangente variedade de contextos.
Diante da globalização.
O papel das famílias.
As relações intergeracionais.
As escolhas de vida.
Educação, escola e universidade.
Trabalho e profissão.
Juventude, fé e religiões.
Capítulo II EXPERIÊNCIAS E LINGUAGENS.
Compromisso e participação social
Espiritualidade e religiosidade.
Os jovens na vida da Igreja.
A transversalidade do continente digital
A música e as outras formas de expressão artística.
O mundo do desporto.
Capítulo III Na cultura do descarte.
A questão do trabalho.
Os jovens migrantes.
As várias formas de discriminação.
Doença, sofrimento e exclusão.
Capítulo IV DESAFIOS ANTROPOLÓGICOS E CULTURAIS.
O corpo, a afetividade e a sexualidade.
Novos paradigmas cognitivos e busca da verdade.
Os efeitos antropológicos do mundo digital
A deceção institucional e as novas formas de participação.
A paralisia decisória na superabundância das propostas.
Além da secularização.
CAPÍTULO V. À ESCUTA DOS JOVENS.
A fadiga de escutar.
O desejo de uma “Igreja autêntica”.
Uma Igreja “mais relacional”.
Uma comunidade “comprometida com a justiça”.
A palavra dos seminaristas e dos jovens religiosos.
PARTE II. INTERPRETAR: FÉ E DISCERNIMENTO VOCACIONAL
Capítulo I. A BÊNÇÃO DA JUVENTUDE.
Cristo “jovem entre os jovens”.
A chamada universal à alegria do amor.
Vigor físico, fortaleza de alma e coragem de arriscar.
Incerteza, medo e esperança.
Queda, arrependimento e acolhimento.
Disponibilidade para ouvir e necessidade de acompanhamento.
Amadurecimento da fé e dom do discernimento.
Projeto de vida e dinâmica vocacional
Capítulo II A vocação à luz da fé. 33
A vida humana no horizonte vocacional
Chamados em Cristo.
A sair de si mesmos.
Para a plenitude da alegria e do amor.
A vocação a seguir Jesus.
A vocação batismal
A chamada dos apóstolos.
A vocação da Igreja e as vocações na Igreja.
Os diferentes caminhos vocacionais.
A família.
O ministério ordenado.
A vida consagrada.
Profissão e vocação.
A condição inédita dos solteiros.
Capítulo III O DINAMISMO DO DISCERNIMENTO VOCACIONAL.
O pedido de discernimento.
O discernimento na linguagem comum e na tradição cristã.
A proposta do discernimento vocacional
Reconhecer, interpretar, escolher.
O papel da consciência.
O confronto com a realidade.
Capítulo IV A arte de acompanhar.
“Acompanhamento” pode ser dito em vários modos.
Acompanhamento espiritual
Acompanhamento psicológico.
Acompanhamento e sacramento da reconciliação.
Acompanhamento familiar, educacional e social
Acompanhamento na leitura dos sinais dos tempos.
Acompanhamento na vida quotidiana e na comunidade eclesial
As qualidades daqueles que acompanham.
O acompanhamento dos seminaristas e jovens consagrados.
PARTE III. ESCOLHER: PERCURSOS DE CONVERSÃO PASTORAL E MISSIONÁRIA
Capítulo I. UMA PERSPETIVA INTEGRAL.
O discernimento como estilo de uma Igreja em saída.
Povo de Deus num mundo fragmentado.
Uma Igreja generativa.
Capítulo II IMERSOS NO TECIDO DA VIDA QUOTIDIANA.
O acompanhamento escolar e universitário.
A exigência de um olhar e de uma formação integral
As especificidades e a riqueza das escolas e universidades católicas.
Economia, trabalho e cuidado da casa comum.
À procura de novos modelos de desenvolvimento.
O trabalho perante a inovação tecnológica.
Colaborar na criação de empregos para todos.
Na trama das culturas juvenis.
Formar para a cidadania ativa e para a política.
Aprender a habitar o mundo digital
A música entre interioridade e afirmação da identidade.
Desporto e competição.
A amizade e o acompanhamento entre pares.
Proximidade e apoio na dificuldade e na marginalização.
Deficiência e doença.
Dependências e outras fragilidades.
Com jovens prisioneiros.
Em situações de guerra e violência.
Jovens migrantes e a cultura do acolhimento.
Perante a morte.
Acompanhamento e anúncio.
Capítulo III Uma comunidade evangelizada e evangelizadora.
Uma ideia evangélica de comunidade cristã.
Uma experiência familiar de Igreja.
O cuidado pastoral para as jovens gerações.
A família, sujeito privilegiado da educação.
À escuta e em diálogo com o Senhor.
Na escola da Palavra de Deus.
O gosto e a beleza da liturgia.
Nutrir a fé na catequese.
Acompanhar os jovens rumo ao dom gratuito de si
Comunidade aberta e acolhedora para todos.
Capítulo IV Animação e organização da pastoral.
O protagonismo juvenil
A Igreja no território.
A contribuição da vida consagrada.
Associações e movimentos.
Redes e colaborações a nível civil, social e religioso.
O planejamento pastoral
A relação entre eventos extraordinários e vida quotidiana.
Rumo a uma pastoral integrada.
Seminários e casas de formação.
CONCLUSÃO.
A vocação universal à santidade.
A juventude, um tempo para a santidade.
Jovens santos e juventude dos santos.
ORAÇÃO PELO SÍNODO..
AA Apostolicam actuositatem
AG Ad gentes
AL Amoris laetitia
CV Caritas in veritate
DC Deus caritas est
CE Conferência Episcopal / Conferências Episcopais
CL Christifideles laici
DP Documento preparatório
DV Dicastério Vaticano
EG Evangelii gaudium
EN Evangelii nuntiandi
JMJ Jornada Mundial da Juventude
GE Gaudete et exsultate
GS Gaudium et spes
IE Iuvenescit ecclesia
LF Lumen fidei
LG Lumen gentium
LS Laudato si’
MG Mensagem do Concílio Vaticano II aos jovens
NMI Novo millennio ineunte
PD Placuit Deo
PdV Pastores dabo vobis
PI Potissimum institutioni
PO Presbyterorum ordinis
PP Populorum progressio
QoL Questionário online para os jovens da Secretaria do Sínodo
RFIS Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis
RP Reunião pré-sinodal (19-24 de março de 2018)
SI Seminário Internacional sobre a condição da Juventude (11-15 de setembro de 2017)
USG União dos Superiores Gerais
VC Vita consecrata
VG Veritatis gaudium
VD Verbum Domini
UR Unitatis redintegratio
Em 6 de outubro de 2016 o Santo Padre anunciou o tema da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos: “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
O caminho sinodal teve início imediatamente com a redação do Documento preparatório (DP), publicado em 13 de janeiro de 2017 junto a uma “Carta aos Jovens” do Santo Padre. Tal Documento compreendia um Questionário, destinado principalmente às Conferências Episcopais, aos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas e aos outros organismos eclesiais, com quinze perguntas para todos, três específicas para cada continente e o pedido de partilhar três “boas práticas”.
De 11 a 15 de setembro de 2017 realizou-se um Seminário internacional sobre a condição juvenil, com a presença de muitos peritos e de vários jovens e que ajudou a pôr em evidência a situação dos jovens no mundo de hoje do ponto de vista científico.
Junto a estas iniciativas destinadas a envolver a Igreja como um todo, não faltaram ocasiões de escuta da voz dos jovens, pois desde o princípio pensou-se em torná-los protagonistas. Em primeiro lugar, foi predisposto um Questionário online em várias línguas, traduzido por algumas Conferências Episcopais, e que recolheu as respostas de mais de cem mil jovens. O material recolhido é vasto. Além disso, realizou-se a Reunião pré-sinodal (Roma, 19-24 de março de 2018), que se encerrou no Domingo de Ramos com a entrega ao Santo Padre de um Documento Final. Desta iniciativa participaram cerca de trezentos jovens provenientes dos cinco continentes, bem como de outros quinze mil jovens por meio das redes sociais. O evento, expressão do desejo da Igreja de pôr-se à escuta de todos os jovens, sem exclusão alguma, alcançou uma considerável ressonância.
O material recolhido destas quatro fontes principais – ao qual foram adicionadas algumas “Observações” enviadas diretamente à Secretaria do Sínodo – é certamente muito vasto. Mediante alguns peritos, foi amplamente analisado, cuidadosamente resumido e finalmente reunido no atual “Instrumento de trabalho”, aprovado pelo XIV Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, com a presença do Santo Padre.
O texto é estruturado em três partes e retoma os temas de forma funcional em relação ao andamento da Assembleia Sinodal em outubro, segundo o método de discernimento: a I parte, ligada ao verbo “reconhecer”, recolhe em cinco capítulos e em diferentes perspetivas vários momentos de escuta da realidade, fazendo um balanço da situação juvenil; a II Parte, orientada pelo verbo “interpretar”, oferece em quatro capítulos algumas chaves de leitura sobre as questões decisivas apresentadas ao discernimento do Sínodo; a III Parte, com o objetivo de chegar a “escolher”, em quatro capítulos recolhe diferentes elementos para ajudar os Padres Sinodais a tomar uma posição acerca das orientações e decisões a serem tomadas.
O texto conclui-se com uma atenção significativa ao tema da santidade, a fim de que a Assembleia Sinodal reconheça nesta «o rosto mais bonito da Igreja» (GE 9) e saiba propô-la a todos os jovens de hoje.
Vaticano, 8 de maio de 2018
Lorenzo Card Baldisseri
Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos
INTRODUÇÃO
1. Cuidar dos jovens não é uma tarefa facultativa da Igreja, mas é parte fundamental de sua vocação e missão na história. É este, in radice, o âmbito específico do próximo Sínodo: como o Senhor Jesus caminhou com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35), também a Igreja é convidada a acompanhar todos os jovens, sem exceções, em direção à alegria do amor.
Os jovens podem, com sua presença e palavra, ajudar a Igreja a rejuvenescer o próprio rosto. Um elo ideal liga a Mensagem aos jovens do Concílio Vaticano II (8 de dezembro de 1965) e o Sínodo dos Jovens (3-28 de outubro de 2018), como explicado pelo Santo Padre na introdução da Reunião pré-sinodal: «Vem à minha mente a maravilhosa Mensagem aos jovens do Concílio Vaticano II. […] É um convite a procurar novos caminhos e a percorrê-los com audácia e confiança, mantendo o olhar fixo em Jesus e abrindo-se ao Espírito Santo, para rejuvenescer o próprio rosto da Igreja», acompanhando os jovens em seu percurso de discernimento vocacional nesta “mudança de época”.
2. No discernimento reconhecemos um modo de estar no mundo, um estilo, uma atitude fundamental e, ao mesmo tempo, um método de trabalho, um caminho a percorrer juntos, que consiste em olhar para as dinâmicas sociais e culturais nas quais estamos imersos com o olhar de discípulo. O discernimento leva a reconhecer e a sintonizar-se com a ação do Espírito, em uma autêntica obediência espiritual. Por esta via, torna-se abertura para a novidade, coragem para sair, resistência à tentação de reduzir o novo ao já conhecido. O discernimento é uma atitude autenticamente espiritual. Enquanto obediência ao Espírito, o discernimento é, sobretudo, escuta, que pode tornar-se também um estímulo encorajador para a nossa ação, bem como capacidade de fidelidade criativa à única missão desde sempre confiada à Igreja. O discernimento faz-se, desta forma, um instrumento pastoral capaz de identificar estradas viáveis a serem propostas aos jovens de hoje, além de oferecer para a missão orientações e sugestões que não sejam predefinidas, mas fruto de um percurso que permita seguir o Espírito. Esta estrada assim estruturada convida a abrir e não a fechar, a pôr algumas questões e a fazer reflexões sem sugerir respostas predeterminadas, a vislumbrar alternativas e a procurar oportunidades. Nesta perspetiva, é evidente que a própria Assembleia Sinodal do próximo mês de outubro deva ser abordada com as disposições apropriadas de um processo de discernimento.
3. O Instrumentum laboris recolhe e sintetiza os contributos reunidos durante o processo pré-sinodal num documento estruturado em três partes, que remetem explicitamente para a articulação do processo de discernimento descrita na Evangelii gaudium 51: reconhecer, interpretar, escolher. As partes não são, portanto, independentes, mas constituem um percurso.
Reconhecer. A primeira passagem é aquela do olhar à escuta. Requer prestar atenção à realidade dos jovens de hoje, na diversidade de condições e contextos nos quais vivem. Requer humildade, proximidade e empatia, para entrar em sintonia e perceber quais são as suas alegrias e esperanças, as suas tristezas e angústias (cf. GS 1). O mesmo olhar e a mesma escuta, plenos de solicitude e cuidado, devem ser dirigidos aos que vivem nas comunidades eclesiais presentes em meio aos jovens de todo o mundo. Nesta primeira passagem a atenção focaliza-se a colher os traços característicos da realidade: as ciências sociais oferecem um contributo insubstituível e bem representado nas fontes utilizadas, mas a sua contribuição é retomada e relida à luz da fé e da experiência da Igreja.
Interpretar. O segundo passo é um retorno sobre o que foi reconhecido recorrendo a critérios de interpretação e avaliação a partir de um olhar de fé. As categorias de referência só podem ser as bíblicas, antropológicas e teológicas expressas pelas palavras-chave do Sínodo: juventude, vocação, discernimento vocacional e acompanhamento espiritual. É, pois, estratégico construir um quadro de referência adequado do ponto de vista teológico, eclesiológico, pedagógico e pastoral, que possa representar uma âncora capaz de subtrair a avaliação da volubilidade do impulso, reconhecendo «que na Igreja convivem legitimamente diferentes maneiras de interpretar muitos aspectos da doutrina e da vida cristã» (GE 43). Por essa razão é indispensável assumir um dinamismo espiritual aberto.
Escolher. Somente à luz da vocação aceita é possível compreender a qual passos concretos o Espírito nos chama e em qual direção nos mover para responder à Sua chamada. Nesta terceira fase de discernimento, é necessário examinar os instrumentos e as práticas pastorais, além de cultivar a liberdade interior necessária para escolher aqueles que melhor nos permitam alcançar o objetivo e abandonar aqueles que se revelam menos capazes de fazê-lo. Trata-se, portanto, de uma avaliação operativa e uma verificação crítica, não de um julgamento sobre o valor ou significado que esses mesmos meios puderam ou podem ter em épocas ou circunstâncias diferentes. Esta passagem poderá identificar onde é necessária uma intervenção de reforma, uma mudança das práticas eclesiais e pastorais para retirá-las do risco de cristalizar-se.
PARTE I
RECONHECER:
A IGREJA À ESCUTA DA REALIDADE
4. «A realidade é mais importante do que a ideia» (cf. EG 231-233): nesta I Parte somos convidados a escutar e olhar os jovens nas condições reais em que se encontram e a ação da Igreja a seu respeito. Não se trata de acumular dados e evidências sociológicas, mas de assumir os desafios e as oportunidades que emergem nos vários contextos à luz da fé, permitindo que nos toquem em profundidade, de modo a fornecer uma base de concretude para todo o caminho subsequente (cf. LS 15). Razões evidentes de espaço limitam a poucas observações o tratamento de questões amplas e complexas: os Padres Sinodais são chamados a reconhecer, dentro desta realidade, os apelos do Espírito.
5. Inserimo-nos imediatamente no dinamismo que o Papa Francisco deu no seu primeiro encontro oficial com os jovens: «Esta primeira viagem tem em vista encontrar os jovens, mas não isolados da sua vida; eu quereria encontrá-los precisamente no tecido social, em sociedade. Porque, quando isolamos os jovens, praticamos uma injustiça: despojamo-los da sua pertença. Os jovens têm uma pertença: pertença a uma família, a uma pátria, a uma cultura, a uma fé» (Viagem Apostólica ao Rio de Janeiro por ocasião da XXVIII Jornada Mundial da Juventude. Encontro com os jornalistas durante o voo papal, 22 de julho de 2013).
Uma abrangente variedade de contextos
6. Há cerca de 1,8 mil milhões de pessoas no mundo entre as idades de 16 e 29 anos, representando pouco menos de um quarto da humanidade, embora as projeções indiquem um declínio progressivo da parcela de jovens em relação à população como um todo. As situações concretas em que os jovens se encontram variam muito de país para país, como destacam as respostas das Conferências Episcopais. Há países onde os jovens representam uma parte significativa da população (mais de 30%) e outros em que a sua parcela é muito menor (cerca de 15%, ou menos), países onde a esperança de vida não atinge os 60 anos e outros nos quais é possível, em média, ultrapassar os 80 anos. Oportunidades de acesso à educação, serviços de saúde, recursos ambientais, cultura e tecnologia, bem como a participação na vida civil, social e política, variam consideravelmente de uma região para a outra. Até dentro de um mesmo país podemos encontrar diferenças, por vezes muito profundas, por exemplo entre zonas urbanas e rurais.
7. O processo de consulta pré-sinodal destacou o potencial que as jovens gerações representam, as esperanças e os desejos que possuem: os jovens são grandes buscadores de significado e tudo o que entra em sintonia com a sua busca de dar valor à própria vida provoca a sua atenção e motiva o seu compromisso. No caminho vieram a lume também seus medos e algumas dinâmicas sociais e políticas que, com uma intensidade diferente nas várias partes do mundo, dificultam seu caminho para um pleno e harmonioso desenvolvimento, causando vulnerabilidade e baixa autoestima. Exemplos disso são: as fortes desigualdades sociais e económicas que geram um clima de grande violência e conduzem alguns jovens aos braços da criminalidade e do narcotráfico; um sistema político dominado pela corrupção, que mina a confiança nas instituições e legitima o fatalismo e o desinteresse; situações de guerra e pobreza extrema que levam à emigração em busca de um futuro melhor. Em algumas regiões pesa a falta de reconhecimento das liberdades fundamentais, até no campo religioso, e das autonomias pessoais por parte do Estado, enquanto em outras a exclusão social e a ansiedade do rendimento levam uma parcela do mundo juvenil ao circuito das dependências (drogas e álcool, em particular) e do isolamento social. Em muitos lugares a pobreza, o desemprego e a marginalização aumentam o número de jovens que vivem em condições de precaridade, tanto material como social e política.
8. Apesar das diferenças regionais, a influência do processo de globalização nos jovens de todo o planeta é evidente e exige que eles articulem diferentes níveis de pertença social e cultural (local, nacional e internacional; mas também intra e extraeclesial). Em geral, assistimos, como relatam algumas Conferências Episcopais, à demanda por espaços crescentes de liberdade, autonomia e expressão a partir da partilha de experiências provenientes do mundo ocidental, talvez inspiradas nas redes sociais. Outras Conferências Episcopais temem o risco de que, independentemente dos profundos desejos dos jovens, prevaleça uma cultura inspirada no individualismo, no consumismo, no materialismo e no hedonismo, e em que as aparências dominam.
9. Muitas Conferências Episcopais não ocidentais se perguntam como acompanhar os jovens para enfrentar essa mudança cultural que mina as culturas tradicionais, ricas do ponto de vista da solidariedade, dos laços comunitários e da espiritualidade, e sentem que não têm instrumentos adequados para tal. Acresce que a aceleração dos processos sociais e culturais aumenta a distância entre as gerações, até dentro da Igreja. As respostas recebidas pelas Conferências Episcopais também indicam uma certa dificuldade em compreender o contexto e a cultura em que os jovens vivem. Por parte de algumas destas, ainda, a diferença de que os jovens são portadores é, por vezes, recebida não como uma novidade fecunda, mas como a decadência dos costumes de que se queixar.
10. Neste contexto, a perspetiva várias vezes referida pelo Papa Francisco continua a ser um ponto de referência: «Há uma globalização poliédrica, há uma unidade, mas cada pessoa, cada raça, cada país, cada cultura conserva sempre a sua própria identidade: é a unidade na diversidade» (Encontro com os jovens da Universidade “Roma Tre”, 17 de fevereiro de 2017). As declarações dos jovens lhe fazem eco, em cujos olhos a diversidade aparece como uma riqueza e o pluralismo como uma oportunidade dentro de um mundo interconectado: «O multiculturalismo tem o potencial de favorecer um ambiente de diálogo e tolerância. Valorizamos a diversidade de ideias no nosso mundo globalizado, o respeito pela maneira de pensar e a liberdade de expressão do outro. [...] Não devemos temer nossas diversidades, mas valorizar nossas diferenças e tudo aquilo que nos faz únicos» (RP 2). Ao mesmo tempo, desejam «preservar a nossa [própria] identidade cultural e evitar a uniformidade e a cultura do descarte» (RP 2).
11. Neste contexto de mudança, a família continua a representar uma referência privilegiada no processo de desenvolvimento integral da pessoa: todas as vozes expressas concordam com este ponto. Vale ressaltar que há, portanto, uma profunda ligação entre este Sínodo e o caminho dos outros imediatamente anteriores. Não faltam, porém, diferenças significativas no modo de considerar a família. É isso o que afirmam os jovens com palavras semelhantes às das várias Conferências Episcopais: «Em muitas partes do mundo, o papel dos idosos e a reverência aos antepassados são fatores que contribuem para a formação das suas identidades. Porém, isso não é um dado universalmente compartilhado, visto que os modelos da família tradicional estão em declínio em vários lugares» (RP 1). Os jovens também relatam como as dificuldades, divisões e fragilidades das famílias são uma fonte de sofrimento para muitos deles.
12. As respostas ao Questionário online mostram como a figura materna seja a referência privilegiada dos jovens, enquanto é importante fazer uma reflexão sobre aquela paterna, cuja ausência ou desvanecimento em alguns contextos, especialmente os ocidentais, produz ambiguidades e vazios que afetam também o exercício da paternidade espiritual. Algumas Conferências Episcopais indicam como particularmente significativo o papel dos avós em relação à transmissão da fé e dos valores aos jovens, e levantam questões sobre a futura evolução da sociedade. Também é relatado o aumento das famílias monoparentais.
13. A relação entre os jovens e suas famílias não é óbvia: «Alguns jovens se afastam das tradições familiares, esperando serem mais originais do que aquilo que consideram “parado no passado” ou “fora de moda”. Por outro lado, em alguns lugares do mundo, os jovens procuram sua identidade permanecendo apegados às suas tradições familiares, esforçando-se para serem fiéis ao modo no qual cresceram» (RP 1). Essas situações exigem uma análise mais profunda da relação entre a cultura juvenil e a moral familiar. Diversas fontes relatam um descarte crescente entre elas; no entanto, é enfatizado por outros que ainda há jovens interessados em viver relações autênticas e duradouras e que consideram preciosas as indicações da Igreja. O matrimónio e a família continuam a representar, para muitos jovens, alguns dos desejos e projetos a serem realizados.
14. Entre as características do nosso tempo, confirmadas por muitas Conferências Episcopais e pelo Seminário Internacional, assim como por numerosas análises sociais, há uma espécie de inversão na relação entre as gerações: muitas vezes hoje são os adultos a considerar os jovens como uma referência para o próprio estilo de vida, dentro de uma cultura global dominada por uma ênfase individualista no próprio eu. Como afirma um Dicastério Vaticano, «o ponto problemático é então a liquidação da idade adulta, que é a verdadeira cifra do universo cultural ocidental. Não faltam adultos de fé. Faltam adultos “tout court”». Várias Conferências Episcopais afirmam que hoje não há um verdadeiro conflito geracional entre jovens e adultos, mas uma “estranheza mútua”: os adultos não estão interessados em transmitir os valores fundadores da existência para as gerações mais jovens, pois as sentem mais como concorrentes do que como potenciais aliados. Dessa forma, a relação entre jovens e adultos corre o risco de permanecer apenas afetiva, sem chegar na dimensão educativa e cultural. Do ponto de vista eclesial, o envolvimento sinodal dos jovens foi percebido como um importante sinal de diálogo intergeracional: «Ficamos entusiasmados por termos sido levados a sério pela hierarquia da Igreja e sentimos que este diálogo entre a Igreja jovem e aquela madura é um processo vital e frutuoso» (RP 15).
15. Juntamente com as relações intergeracionais, não devem ser esquecidas aquelas entre pares, que representam uma experiência fundamental de interação com os outros e de progressiva emancipação do contexto familiar de origem. Algumas Conferências Episcopais enfatizam o valor fundamental da hospitalidade, da amizade e do apoio mútuo que caracteriza os jovens de hoje. O relacionamento com os pares, muitas vezes também em grupos mais ou menos estruturados, oferece a oportunidade para fortalecer as competências sociais e relacionais num contexto em que eles não são avaliados e julgados.
16. A juventude é caracterizada como um tempo privilegiado em que a pessoa faz escolhas que determinam a sua identidade e o curso de sua existência. Os jovens da Reunião pré-sinodal estão cientes disso: «Os momentos cruciais para o desenvolvimento da nossa identidade incluem: escolher nosso curso de estudos, nossa profissão, decidir em que crer, descobrir nossa sexualidade e fazer escolhas definitivas na nossa vida» (RP 1). Varia muito, devido a fatores sociais, económicos, políticos e culturais, o momento em que a família de origem é deixada ou as decisões fundamentais são tomadas. Em alguns países, em média, casa-se ou escolhe-se o sacerdócio ou a vida religiosa até antes dos 18 anos, enquanto em outros lugares tal acontece depois dos 30 anos, quando a juventude já passou. Em muitos contextos, a transição para a vida adulta tornou-se um caminho longo, complicado, não linear, em que se alternam passos para frente e para trás, e geralmente a busca pelo trabalho prevalece sobre a dimensão afetiva. Isso torna mais difícil para os jovens fazerem escolhas definitivas e, como frisado por exemplo, por uma Conferência Episcopal africana, «evidencia a necessidade de criar um enquadramento formal para seu apoio personalizado».
17. Na fase das decisões importantes com as oportunidades e vínculos decorrentes de um contexto social em constante mudança, que gera precaridade e insegurança (cf. DP I, 3 e III, 1), há uma interação entre as potencialidades e as dificuldades psicológicas típicas da condição juvenil, que devem ser reconhecidas, processadas e dissolvidas durante o processo de crescimento, possivelmente com um apoio adequado. Entre as dificuldades, os peritos lembram a rigidez ou a impulsividade dos comportamentos, a instabilidade nos compromissos, a frieza e a falta de empatia, a pouca intuição emocional, a incapacidade ou o medo excessivo de estabelecer vínculos. Emergem também, mais comummente, atitudes que sinalizam a necessidade de purificação e libertação: dependência afetiva, sensação de inferioridade, falta de coragem e força diante dos riscos, inclinação à gratificação sexual autocentrada, atitudes agressivas, exibicionismo e necessidade de estar no centro das atenções. São, contudo, recursos preciosos a serem cultivados e utilizados na realidade concreta da vida: a empatia com as pessoas que encontram, uma perceção equilibrada do sentimento de culpa, o contacto com a própria intimidade, a disposição para ajudar e colaborar, a capacidade de distinguir as próprias necessidades e responsabilidades das dos outros, de manter, mesmo na solidão, as próprias escolhas, de resistir e lutar perante dificuldades e fracassos, de levar a cabo com responsabilidade as tarefas assumidas.
18. A juventude é assim configurada não apenas como uma fase de transição entre os primeiros passos dados na adolescência rumo à autonomia e a responsabilidade da vida adulta, mas como o momento de um salto qualitativo do ponto de vista do envolvimento pessoal nos relacionamentos e compromissos e da capacidade de interioridade e solidão. Certamente, é um período de experimentação, de altos e baixos, de alternância entre esperança e medo e de tensão necessária entre aspectos positivos e negativos, através dos quais se aprende a articular e integrar dimensões afetivas, sexuais, intelectuais, espirituais, corporais, relacionais e sociais. Este caminho, que se articula em pequenas escolhas quotidianas e decisões de maior importância, permite que cada pessoa descubra a singularidade e a originalidade da própria vocação.
Educação, escola e universidade
19. As instituições educativas e formativas não são apenas o lugar onde os jovens passam a maior parte do tempo, mas são, sobretudo, um espaço existencial que a sociedade coloca à disposição para o seu crescimento intelectual e humano e sua orientação vocacional. Não faltam, porém, problemas relacionados principalmente a sistemas escolares e universitários que se limitam a informar sem formar e que não favorecem o amadurecimento de um espírito crítico nem o aprofundamento do sentido, também vocacional, do estudo. Em muitos países, são evidentes as disparidades no acesso ao sistema escolar, desigualdades nas oportunidades formativas entre as áreas rurais e urbanas e taxas de abandono alarmantes: em conjunto, representam uma ameaça para o futuro dos jovens e da sociedade. Igualmente preocupante em alguns países é o fenómeno daqueles que não trabalham nem estudam (o chamado "NEET"), que requer uma atenção também nos âmbitos pastorais.
20. Em muitos países onde o sistema de ensino é precário, a Igreja e suas instituições educativas desempenham um papel fundamental de substituição, enquanto em outros lugares há uma dificuldade em acompanhar o ritmo dos padrões nacionais de qualidade. Uma área particularmente delicada é a formação profissional, que vê em muitos países as instituições católicas de ensino desempenhar um papel muito importante: não se limitam a transmitir competências técnicas, mas ajudam os alunos a descobrir como fazer frutificar as próprias capacidades, independentemente de quais e quantas sejam. Muito importantes, principalmente em contextos de maior pobreza e privação, são as iniciativas de formação à distância ou informal, que oferecem oportunidades para remediar as lacunas no acesso à formação escolar.
21. Não há apenas a escola: como afirma a Reunião pré-sinodal, «a identidade dos jovens também é formada por interações externas e pela pertença a grupos específicos, associações e movimentos ativos até mesmo fora da Igreja. Muitas vezes, as paróquias não são mais lugares de encontro» (RP 1). Há também um grande desejo de encontrar modelos positivos: «Reconhecemos também o papel dos educadores e amigos como responsáveis de grupos jovens que podem tornar-se bons exemplos. Precisamos encontrar modelos atrativos, coerentes e autênticos» (RP 1).
22. A transição para a vida laboral e profissional continua a ser de grande importância; a distância que em alguns lugares é registrada entre o itinerário escolar e universitário e as exigências do mercado de trabalho a torna ainda mais delicada. Os jovens que responderam ao Questionário afirmam que ter um emprego estável é essencial (82,7%), pois envolve estabilidade económica e relacional e a possibilidade de realização pessoal (89,7%). O trabalho é o meio necessário, mesmo que não seja suficiente, para realizar o próprio projeto de vida, como ter uma família (80,4%) e filhos.
23. As preocupações são maiores quando o desemprego juvenil é particularmente alto. Nos contextos mais pobres, o trabalho também adquire um significado de resgate social, enquanto a sua falta é uma das principais causas de emigração para o exterior. Na Ásia, em particular, os jovens crescem medindo-se com uma cultura de sucesso e do prestígio social e com uma ética de trabalho que permeia as expectativas dos pais e que estrutura o sistema escolar, gerando um clima de grande competição, uma orientação altamente seletiva e volumes de trabalho muito intensos e stressantes. Os jovens – afirma a Reunião pré-sinodal – continuam convencidos da necessidade de «afirmar que existe uma dignidade intrínseca ao trabalho» (RP 3), mas também sinalizam o esforço para cultivar a esperança e os sonhos em condições socioeconómicas extremamente difíceis, que geram medo (cf. RP 3). Também a relação entre vocação e profissão – afirmam algumas Conferências Episcopais -, e a diferente “intensidade vocacional” das várias profissões deveriam ser mais aprofundadas.
24. Variedades e diferenças também dizem respeito ao contexto religioso em que os jovens crescem: há países onde os católicos representam a maioria, enquanto em outros eles são apenas uma ínfima minoria, ora socialmente aceites, ora discriminados e perseguidos até o martírio. Há contextos em que o cristianismo deve confrontar-se com as consequências de escolhas passadas, também políticas, que minam a sua credibilidade; outros em que os católicos se deparam com a riqueza cultural e espiritual de outras tradições religiosas ou de culturas tradicionais; existem contextos secularizados, que consideram a fé como algo puramente privado, e outros em que aumentam cada vez mais as seitas religiosas ou propostas espirituais de outro género (new age, etc.). Há regiões em que o cristianismo e a religião são considerados uma herança do passado e, em outras, ainda representam o eixo fundamental da vida social. Em alguns países, a comunidade católica não é homogénea, mas inclui minorias étnico-culturais (comunidades indígenas) e também religiosas (pluralidade de ritos); em outros, ela é chamada a abrir caminho para os fiéis provenientes das rotas migratórias.
25. Como apontam as pesquisas sociológicas, o contexto é variado também em relação à fé e à pertença confessional. Como evidenciado no Seminário Internacional, «uma parte do desinteresse e da apatia dos jovens em termos de fé (e da menor atração pelas Igrejas) é atribuível à dificuldade das grandes instituições religiosas em sintonizar-se com a consciência moderna; e isso mesmo em contextos sociais que interrogam as pessoas com novas e dolorosas perguntas de sentido, diante das muitas incertezas que pesam sobre a vida individual e coletiva. De resto, em um mundo jovem muito diferenciado internamente, não faltam sinais de vitalidade religiosa e espiritual, encontrados tanto nas grandes Igrejas quanto fora delas». E ainda: «Esta coexistência generalizada de fiéis, não-fiéis e “fiéis diferentes”, mais do que gerar tensões e conflitos parece favorecer – sob certas condições – situações de reconhecimento recíproco. Isto se aplica em particular quando se aborda, de um lado, um ateísmo ou um agnosticismo com uma face mais humana, não arrogante, nem presunçosa; e do outro, uma crença religiosa mais dialógica que fanática».
26. Como a Reunião pré-sinodal colocou em evidência, as jovens gerações são portadoras de uma abordagem da realidade com traços específicos, que representa um recurso e uma fonte de originalidade; no entanto, também pode gerar consternação ou perplexidade nos adultos. É preciso, porém, evitar julgamentos precipitados. Esta abordagem baseia-se na prioridade da concretude e da operacionalidade em relação à análise teórica. Não se trata de ativismo cego ou um desdém pela dimensão intelectual: no modo de proceder que é espontâneo para os jovens, as coisas são compreendidas ao fazê-las e os problemas são resolvidos no momento em que aparecem. Igualmente evidente é o facto de que, para os jovens, o pluralismo, também radical, das diferenças representa um dado de facto. Isso não equivale a uma renúncia relativista à afirmação das identidades, mas envolve uma consciência originária da existência de outros modos de estar no mundo e um esforço deliberado para a sua inclusão, de modo que todos possam sentir-se representados pelo fruto do trabalho comum.
Compromisso e participação social
27. Diante das contradições da sociedade, muitas Conferências Episcopais observam a sensibilidade e o comprometimento dos jovens, até em formas de voluntariado, sinal de uma disposição para assumir as responsabilidades e um desejo de fazer frutificar os talentos, as competências e a criatividade de que dispõem. Entre os temas que mais lhes interessa estão a sustentabilidade social e ambiental, as discriminações e o racismo. O envolvimento dos jovens geralmente segue abordagens inéditas, explorando também as potencialidades da comunicação digital em termos de mobilização e pressão política: a difusão de estilos de vida e padrões de consumo e investimento que sejam críticos, solidários e ambientalmente consciente; novas formas de compromisso e participação na sociedade e na política; novas formas de bem-estar que possam assegurar os indivíduos mais fracos. Como mostram alguns exemplos muito recentes em todos os continentes, os jovens são capazes de mobilizar-se, especialmente por causas nas quais se sentem diretamente envolvidos e quando podem exercer uma autêntica liderança e não simplesmente ir ao encontro de outros grupos.
28. Os jovens afirmam como, em relação à promoção da justiça, a imagem da Igreja seja “dicotómica”: por um lado quer estar presente nas dobras da história ao lado dos últimos, por outro tem ainda muito a fazer para enfrentar situações, até graves e difusas, de corrupção, que lhe faz correr o risco de conformar-se ao mundo em vez de ser portadora de uma alternativa inspirada no Evangelho.
Espiritualidade e religiosidade
29. Como evidenciado pela Reunião pré-sinodal, a variedade é o montante que melhor expressa também a relação dos jovens com a fé e a prática religiosa. Em geral, declaram-se abertos à espiritualidade, mesmo que o sagrado seja frequentemente separado da vida quotidiana. Muitos veem a religião como uma questão privada e consideram-se espirituais, mas não religiosos (no sentido de pertencer a uma confissão religiosa) (cf. RP 7). A religião não é mais vista como o caminho de acesso privilegiado ao sentido da vida, e é acompanhada e, por vezes, substituída por ideologias e outras correntes de pensamento, ou pelo sucesso pessoal ou profissional (cf. RP 5).
30. A mesma variedade encontra-se na relação dos jovens com a figura de Jesus. Muitos O reconhecem como o Salvador e o Filho de Deus e muitas vezes se sentem próximos a Ele através de Maria, sua mãe. Outros não têm um relacionamento pessoal com Ele, mas O consideram um bom homem e uma referência ética. Para outros ainda, é uma figura do passado sem relevância existencial ou muito distante da experiência humana (assim como a Igreja é vista como distante). As falsas imagens de Jesus privam-no de fascínio aos olhos dos jovens, assim como uma conceção que considera a perfeição cristã como algo além das capacidades humanas leva a considerar o cristianismo como um padrão inalcançável (cf. RP 6). Em diferentes contextos, os jovens católicos pedem propostas de oração e momentos sacramentais que possam compreender a sua vida quotidiana, mas é preciso reconhecer que nem sempre os pastores são capazes de sintonizar-se com as especificidades geracionais dessas expectativas.
31. Um certo número de jovens, variável em função dos diferentes contextos, sente-se parte viva da Igreja e demonstra-o com convicção, mediante um engajamento ativo dentro dela. Há jovens que «experimentam uma Igreja próxima, como no caso da África, da América Latina e da Ásia, assim como em diversos movimentos de escala mundial. Mesmo jovens que não vivem o Evangelho sentem uma ligação com a Igreja» (RP 7). Várias Conferências Episcopais notam que os jovens são e devem ser considerados parte integrante da Igreja, sendo o seu compromisso para com eles uma dimensão fundamental da pastoral. Não é incomum ver grupos de jovens, e também membros de movimentos e associações, pouco inseridos na vida das comunidades: superar essa dinâmica de separação é, para algumas Conferências Episcopais, um objetivo sinodal.
32. Embora muitos jovens denunciem o risco de ser relegados para um canto, há numerosas atividades eclesiais que os veem ativamente engajados e até mesmo protagonistas. Surgem as várias formas de voluntariado, marca distintiva das gerações mais jovens. A animação da catequese e da liturgia, bem como o cuidado dos mais pequenos, são outros âmbitos de ação que no oratório e em outras estruturas pastorais semelhantes encontram particular fecundidade. Até mesmo movimentos, associações e congregações religiosas oferecem aos jovens oportunidades de engajamento e corresponsabilidade. Em muitos contextos, a piedade popular continua a ser um importante acesso à fé para as jovens gerações, que encontram no corpo, na afetividade, na música e no canto importantes canais de expressão. Juntamente com outros encontros nacionais, internacionais e continentais, a JMJ desempenha um papel fundamental na vida de muitos jovens porque, como afirma uma Conferência Episcopal, é «uma experiência vívida de fé e comunhão, que os ajuda a enfrentar os grandes desafios da vida e a assumir de forma responsável o seu lugar na sociedade e na comunidade eclesial».
33. Percebe-se entre os jovens um desejo e a capacidade de trabalhar em equipa, o que constitui um ponto de força em várias situações. Por vezes, esta disponibilidade entra em conflito com o autoritarismo excessivo dos adultos e ministros: «Muitas vezes os jovens têm dificuldade de encontrar um espaço na Igreja no qual possam participar ativamente e ter responsabilidades. Os jovens, a partir de suas experiências, percebem uma Igreja que os considera demasiado jovens e pouco experientes para tomar decisões, e que deles se espera somente erros» (RP 7). É igualmente claro que, onde os jovens estão presentes e são valorizados, o estilo da Igreja e o seu dinamismo adquirem uma forte vitalidade capaz de atrair a atenção.
A transversalidade do continente digital
34. É evidente quão difundida seja a presença dos meios de comunicação digitais e sociais no mundo dos jovens. Afirmam-no com clareza os jovens na Reunião pré-sinodal: «O impacto das mídias sociais na vida dos jovens não pode ser desvalorizado. As mídias sociais são parte integrante da identidade dos jovens e do seu modo de viver. Como nunca, os ambientes digitais têm o poder sem precedentes de unir pessoas geograficamente distantes. A troca de informações, ideais, valores e interesses comuns é hoje muito mais possível. O acesso a instrumentos de formação online trouxe novas oportunidades educativas para os jovens que vivem em áreas remotas e fez do conhecimento do mundo algo mais acessível, até mesmo com um só click» (RP 4).
35. A rede também representa um território de solidão, manipulação, exploração e violência, até o extremo caso da “dark web”. Os jovens estão cientes da presença de riscos: «A tecnologia tem mostrado uma outra face, aquela de certos vícios. Este perigo se manifesta de diversas formas como isolamento, preguiça, desolação e tédio. É evidente que os jovens de todo o mundo estejam consumindo excessivamente produtos eletrónicos. Embora vivamos em um mundo hiperconectado, a comunicação entre os jovens permanece limitada a grupos de pessoas que pensam como eles […]. O advento das redes sociais trouxe novos desafios em relação à enorme influência que as empresas do sector exercem sobre os jovens» (RP 4). Tal facto dificulta o amadurecimento da capacidade de um sereno confronto e diálogo com a diversidade e, no que se refere aos jovens, representa um verdadeiro desafio educativo. As Conferências Episcopais também convergem sobre essa duplicidade, mesmo destacando as avaliações críticas. Também por causa da ignorância e da pouca formação, os pastores e em geral os adultos têm dificuldade em perceber essa nova linguagem e tendem a ter medo, sentindo-se diante de um “inimigo invisível e omnipresente” que por vezes demonizam.
A música e as outras formas de expressão artística
36. Como muitas Conferências Episcopais notam, a música é uma linguagem fundamental para os jovens: constitui a trilha sonora da sua vida, na qual estão constantemente imersos, e contribui para o caminho da formação da identidade numa maneira que, mesmo com uma consciência quase generalizada de sua importância, a Igreja raramente aprofunda. A música suscita emoções, envolve também o aspecto físico, abre espaços de interioridade e ajuda a torná-los comunicáveis. Ao mesmo tempo, transmite mensagens, veiculando estilos de vida e valores consoantes ou alternativos àqueles propostos por outras instituições educativas. Em algumas culturas juvenis, o mundo da música pode ser uma espécie de refúgio inacessível aos adultos. Dado seu poder, o mundo da música é facilmente influenciado e manipulado também por interesses comerciais, ou até mesmo especulativos.
37. A música e a sua partilha ativam processos de socialização. Os concertos reúnem milhares de jovens: não sem ambiguidade, nestes há a necessidade de estar juntos, tornando secundárias as diferenças individuais. Os grandes eventos musicais podem ser vividos como uma experiência totalizante: espetáculo visual e acústico, dança, movimento, aproximação e contacto físico que permite sair de si e sentir-se em harmonia com outros desconhecidos; ao mesmo tempo, também podem ser uma ocasião para a escuta passiva, na qual o efeito da música, por vezes amplificado pelo uso de drogas, tem um papel despersonalizante. Também a prática musical tem um valor pessoal e social. Muitos jovens compositores e músicos sentem a responsabilidade de interpretar a experiência de sua própria geração e tentam comunicar a seus coetâneos mensagens sobre temas sociais relevantes, da sexualidade às relações interpessoais e à valorização das culturas tradicionais.
38. Mesmo menos difundida que a música, a fruição de muitas outras formas de expressão artística desempenha um papel fundamental na formação da identidade pessoal e social dos jovens: pintura, escultura, cinema, artes visuais, dança, teatro, fotografia, história em quadrinhos, desenho gráfico, web art, escrita, poesia, literatura, etc. Quando são praticadas de modo ativo, permitem o exercício da criatividade pessoal e a participação do desenvolvimento cultural, em particular por meio de iniciativas experimentais que cada vez mais preveem o uso das novas tecnologias. De grande interesse são as formas de expressão artística relacionadas às tradições populares e locais, com particular destaque para as minorias étnicas, que conectam os jovens com a herança do passado e oferecem ocasiões para a prática cultural, independentemente do nível de escolaridade ou da disposição de ferramentas técnicas ou tecnológicas.
39. O desporto é outro âmbito de crescimento e confronto para os jovens, nos quais a Igreja está a investir em muitas partes do mundo. O Papa Francisco o insere no âmbito da educação informal, na qual nos convida a apostar perante o empobrecimento intelectualista daquela formal (cf. Discurso aos Participantes no Congresso Mundial promovido pela Congregação para a Educação Católica, 21 de novembro de 2015). Os peritos acreditam que as nossas já sejam “sociedades desportivizadas”, e isso é válido especialmente para o mundo da juventude. É preciso interrogar, todavia, os valores e os modelos que, para além da retórica, a nossa sociedade transmite por meio da prática desportiva, muito centrada no sucesso a todo o custo, até mesmo com a fraude, votando ao esquecimento a fadiga e o empenho de quem sai derrotado.
40. Como os grandes concertos, até os eventos desportivos de massa são experiências de construção de uma identidade coletiva, com características marcadamente rituais. Nem mesmo o mundo do desporto está isento de formas de manipulação comercial e especulativa, de práticas contrárias à dignidade da pessoa, bem como aos valores do fair play (como o doping, difundido até a nível juvenil e amador, ou a corrupção) e da proximidade a formas de violência sobre as quais pesam até descontentamento e tensões sociais extradesportivas. É também um instrumento muito poderoso para a integração daqueles que sofrem formas de exclusão e marginalidade, como demonstram várias experiências, como por exemplo a do movimento paralímpico.
41. A cultura do descarte é uma das características da mentalidade contemporânea que o Papa Francisco nunca deixa de denunciar. As Conferências Episcopais relatam como frequentemente os jovens estejam entre as suas vítimas, em vários âmbitos e de vários modos. Ao mesmo tempo, não se deve esquecer que os jovens também podem estar impregnados por essa cultura e adotar comportamentos que produzam o “descarte” de outras pessoas ou a degradação do meio ambiente como resultado de escolhas de consumo irresponsáveis. Finalmente, devemos reconhecer que, por vezes até alguns líderes religiosos são coniventes com esse modo de pensar e agir, contribuindo para gerar indiferença e exclusão.
42. A Igreja, também mediante este Sínodo, é chamada a prestar uma atenção específica às jovens vítimas da injustiça e da exploração, por meio de um trabalho fundamental de reconhecimento: a abertura de espaços em que se podem expressar e, sobretudo, serem ouvidos constitui uma reafirmação da sua dignidade pessoal contra qualquer pretensão de negação, e restitui um nome e um rosto para quem, muitas vezes, os veem negados pela história. Isso favorecerá a expressão do potencial de que até mesmo os jovens “descartados” são portadores: são capazes de ser sujeitos de seu próprio desenvolvimento e seu ponto de vista representa uma contribuição insubstituível para a construção do bem comum, numa dinâmica de crescimento constante da esperança, a partir da experiência concreta que as pedras rejeitadas pelos edificadores podem tornar-se pedras angulares (cf. Sl 118,22; Lc 20,17; At 4,11; 1Pe 2,4).
43. Como evidenciam as Conferências Episcopais, são muitos os países onde o desemprego juvenil atinge níveis que podem ser definidos, sem exageros, como dramáticos. A consequência mais grave não é de natureza económica, pois muitas vezes as famílias, os sistemas de welfare ou as instituições de caridade conseguem, de alguma forma, satisfazer as necessidades materiais dos desempregados. O problema real é que «o jovem desempregado tem uma utopia anestesiada, ou então está prestes a perdê-la» (Francisco, Discurso à Plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina, 28 de fevereiro de 2014). Os jovens da Reunião pré-sinodal manifestaram-se com uma extraordinária consonância: «Às vezes, acabamos renunciando aos nossos sonhos. Temos muito medo e alguns de nós pararam de sonhar. Isso se percebe nas muitas pressões socioeconómicas que ameaçam a esperança dos jovens. Acontece então que não temos nem mesmo mais a capacidade de continuar sonhando» (RP 3).
44. Um efeito semelhante ocorre em todas aquelas situações em que pessoas, incluindo os jovens, são obrigados, pela necessidade, a aceitar um emprego que não respeita a sua dignidade: é o caso do trabalho não declarado e informal – frequentemente sinónimo de exploração –, do tráfico de pessoas e das várias formas de trabalho forçado e escravidão que afetam milhões de pessoas no mundo inteiro. Como muitos no mundo, os jovens da Reunião pré-sinodal expressaram uma preocupação com o progresso tecnológico que ameaça mostrar-se inimigo do trabalho e dos trabalhadores: «O advento da inteligência artificial e das novas tecnologias como a robótica e a automação coloca em risco muitos trabalhadores, reduzindo as oportunidades de empregos. A tecnologia pode ser nociva à dignidade humana se não é usada com conhecimento e prudência: a dignidade humana deve sempre guiar o uso da mesma» (RP 4).
45. Entre os migrantes, uma alta percentagem é composta de jovens. As razões que provocam a emigração são várias, como indicado pela Reunião pré-sinodal: «Os jovens sonham com uma vida melhor, mas muitos são obrigados a migrar para encontrar uma melhor situação econômica e ambiental. Desejam a paz e são, em particular modo, atraídos pelo “mito do Ocidente”, assim como é representado pela mídia» (RP 3); mas também têm «medo porque em muitos dos nossos países encontramos instabilidade social, política e económica» (RP 1), e «identificar um lugar de pertença é um sonho comum que ultrapassa Continentes e oceanos» (RP 3).
46. As situações de particular delicadeza são representadas pelos menores não acompanhados por um familiar adulto e por aqueles que chegam a um país estrangeiro em idade escolar avançada (cf. Francisco, Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2017. Migrantes de menor idade, vulneráveis e sem voz, 8 de setembro de 2016). Muitos correm o risco de acabar como vítimas do tráfico humano e alguns literalmente desaparecem. A estes devem ser acrescentados os jovens das segundas gerações, que experimentam dificuldades em termos de identidade e mediação entre as culturas a que pertencem, particularmente quando há um grande fosso social e cultural entre o país de partida e o de chegada.
47. Como muitas Conferências Episcopais apontam, a migração de jovens representa um empobrecimento do capital humano, proativo e corajoso, nos países de origem e uma ameaça ao seu desenvolvimento sustentável. Para as sociedades – e as Igrejas – que os recebem, trata-se, todavia, de um imenso potencial de transformação, cuja expressão exige ser acompanhada por programas adequados e clarividentes. A este respeito, no entanto, os jovens da Reunião pré-sinodal expressam uma cautela que nos permite interrogarmo-nos: «Ainda não existe um consenso unânime em relação à questão dos imigrantes e dos refugiados e muito menos sobre as problemáticas que causam este fenómeno - tudo isso somado ao reconhecimento do dever universal de tutelar a dignidade de cada pessoa humana» (RP 2). Juntamente com aqueles que emigram, não se pode esquecer dos muitos jovens que continuam a viver em condições de guerra ou de instabilidade política. Os jovens da Reunião pré-sinodal, no entanto, fizeram questão de afirmar que «mesmo com tantos conflitos e ondas de violência, os jovens permanecem cheios de esperança» (RP 3).
As várias formas de discriminação
48. As pesquisas internacionais mostram que muitos jovens enfrentam desigualdade e discriminação por causa de seu género, classe social, pertença religiosa, orientação sexual, posição geográfica, deficiência ou etnia. Este é um tema ao qual os jovens são muito sensíveis e sobre o qual a Reunião pré-sinodal expressou-se com grande clareza: «O racismo, em diferentes modos, é presente nos jovens de diversas partes do mundo» (RP 2). O mesmo fenómeno é relatado por numerosas Conferências Episcopais. Uma atenção especial é dada pela Reunião pré-sinodal às formas de discriminação que afetam as mulheres jovens, também no contexto eclesial: «Hoje a falta de igualdade entre homens e mulheres é um problema difuso na sociedade. Isso acontece também na Igreja» (RP 5). Os jovens, portanto, perguntam-se «quais os lugares em que as mulheres podem prosperar dentro da Igreja e da sociedade?» (RP 5), com a consciência de que «a Igreja pode lidar com esses problemas com um olhar aberto às diversas ideias e experiências» (RP 5). Por fim, os jovens relatam a persistência da discriminação religiosa, especialmente contra os cristãos. Isso é verdade tanto nos contextos em que eles representam uma minoria, expostos à violência e à pressão da maioria que exige a sua conversão, como em situações de alta secularização (cf. RP 2).
49. Muitas Conferências Episcopais e a Reunião pré-sinodal não negam que muitos jovens tenham de lidar com as consequências de eventos traumáticos de diferentes tipos, ou com várias formas de doença, sofrimento e deficiência. Tais jovens também contam com a hospitalidade e o apoio da Igreja, dos quais suas famílias têm igual necessidade. Particularmente em países com alto padrão de vida, são cada vez mais comuns, sobretudo entre os jovens, formas de mal-estar psicológico, depressão, doenças mentais e distúrbios alimentares, ligados a experiências de profunda infelicidade ou incapacidade de encontrar um lugar dentro da sociedade. Há países em que o suicídio é a principal causa de morte na faixa etária entre 15 e 44 anos.
50. Várias Conferências Episcopais, de diferentes regiões, sinalizam com grande alarme a disseminação entre jovens, e até entre os muito jovens, de abusos e dependências de vários tipos (drogas tradicionais e sintéticas, álcool, ludopatia, dependência de Internet, pornografia, etc.), bem como de comportamentos desviantes de vários tipos (bullying, violência, abusos sexuais). Para o Papa Francisco, é claro que em muitos casos essas formas de dependência não são consequência da entrega ao vício, mas o resultado das dinâmicas de exclusão: «Há todo um armamento mundial de drogas que está a destruir esta geração de jovens, destinada a ser descartável!» (Discurso à Plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina, 28 de fevereiro de 2014). Neste contexto, emerge não apenas a fragilidade daqueles que cometem tais atos, mas também a das vítimas, das famílias e da sociedade como um todo. Abusos e dependências, bem como reações de violência ou delinquência diante das contradições da sociedade, estão entre os motivos que levam jovens, até mesmo menores de idade, à prisão. Dadas as dificuldades do sistema penal de proporcionar oportunidades de recuperação social, há um alto risco de que a detenção de jovens com baixo risco social coloque-os num circuito criminoso do qual é difícil sair, como demonstram os altos índices de reincidência. É igualmente sabido que a detenção afeta de modo desproporcional os membros de alguns grupos étnicos e sociais, como resultado de preconceito e discriminação.
DESAFIOS ANTROPOLÓGICOS E CULTURAIS
51. As sociedades e culturas do nosso tempo, mesmo que de formas diferentes, são marcadas por alguns pontos de viragem. A sua contínua recorrência faz-nos reconhecê-los como sinais da mudança de época que estamos a viver em termos antropológicos e culturais. Os jovens, sentinelas e sismógrafos de todas as épocas, percebem-nos mais do que outros como fonte de novas oportunidades e ameaças sem precedentes. Alguns analistas falam de uma “metamorfose” da condição humana, que lança para todos, especialmente para os jovens, enormes desafios no caminho da construção de uma identidade sólida.
O corpo, a afetividade e a sexualidade
52. O primeiro ponto diz respeito à corporeidade em suas muitas facetas. Desde sempre o corpo, fronteira e intersecção entre a natureza e a cultura, sinaliza e preserva o sentido do limite da criatura e é um presente a ser recebido com alegria e gratidão. Os avanços da pesquisa e das tecnologias biomédicas geram uma conceção diferente do corpo. As perspetivas de integração cada vez mais ousadas entre corpo e máquina, entre circuitos neuronais e eletrónicos, que encontram no ciborgue o seu ícone, favorecem uma abordagem tecnocrática da corporeidade, também do ponto de vista do controlo dos dinamismos biológicos. Nota-se, a esse respeito, que as doadoras de óvulos e as mães de substituição são, de preferência, jovens. Além das avaliações primorosamente éticas, tais inovações não deixam de ter um impacto na conceção do corpo e da sua indisponibilidade. Alguns indicam uma fadiga das jovens gerações em reconciliar-se com a dimensão da própria criaturalidade. Em certos contextos, deve-se notar também a disseminação do fascínio por experiências extremas, até o risco da vida, como uma oportunidade de reconhecimento social ou experimentação de fortes emoções. Além disso, a sexualidade precoce, a promiscuidade sexual, a pornografia digital, a exibição do próprio corpo online e o turismo sexual podem desfigurar a beleza e a profundidade da vida afetiva e sexual.
53. No âmbito eclesial, verifica-se a importância do corpo, da afetividade e da sexualidade, mas muitas vezes não é possível fazer dela o núcleo do caminho educativo e de fé, redescobrindo e valorizando o significado da diferença sexual e as dinâmicas vocacionais típicas do masculino e do feminino. Os estudos sociológicos mostram que muitos jovens católicos não seguem as indicações da moralidade sexual da Igreja. Nenhuma Conferência Episcopal oferece soluções ou receitas, mas muitos acreditam que «a questão da sexualidade deve ser discutida de forma mais aberta e sem preconceitos». A Reunião pré-sinodal enfatiza que os ensinamentos da Igreja sobre questões controversas, como «contraceção, aborto, homossexualidade, convivência, matrimónio» (RP 5) são fonte de debate entre os jovens, tanto dentro da Igreja quanto na sociedade. Há jovens católicos que encontram nos ensinamentos da Igreja uma fonte de alegria e que desejam que esta «não somente mantenha firme seus ensinamentos, mesmo se impopulares, mas os proclame com ainda mais profundidade» (RP 5). Aqueles que não os partilham, no entanto, expressam o desejo de continuar a fazer parte da Igreja e exigem maior clareza a esse respeito. Consequentemente, a Reunião pré-sinodal pede aos líderes eclesiais que «falem em termos práticos sobre assuntos polémicos como a homossexualidade e as questões de género, sobre os quais os jovens já debatem livremente sem tabus» (RP 11).
Novos paradigmas cognitivos e busca da verdade
54. Com vários graus de intensidade, muitos países do mundo estão a enfrentar o fenómeno das fake news, ou seja, da difusão incontrolável de notícias falsas através dos meios de comunicação (digital ou não) e da dificuldade crescente em distingui-las das reais. No debate público, a verdade e a força do argumento parecem ter perdido a capacidade de persuasão. Por isso foi cunhado o termo “pós-verdade”. Como indica também uma Conferência Episcopal, «nas redes sociais e nos meios de comunicação digitais não existe uma hierarquia da verdade».
55. Os jovens estão particularmente expostos a esse clima, devido a seus hábitos comunicativos, e precisam ser acompanhados para não ficarem desorientados. No mundo da pós-verdade, a frase «Cristo é a Verdade que faz a Igreja ser diferente de qualquer outro grupo secular com o qual poderíamos nos identificar» (RP 11), que a Reunião pré-sinodal usa, inevitavelmente acaba por ter um significado diferente das outras épocas. Não se trata de renunciar à especificidade mais preciosa do cristianismo para se conformar ao espírito do mundo, nem é isso o que os jovens pedem, mas é preciso encontrar o modo de transmitir o anúncio cristão em circunstâncias culturais mudadas. De acordo com a tradição bíblica, é bom reconhecer que a verdade tem uma base relacional: o ser humano descobre a verdade no momento em que a experimenta por parte de Deus, o único verdadeiramente confiável e digno de confiança. Esta verdade precisa ser testemunhada e praticada e não apenas argumentada e demonstrada, algo de que os jovens da Reunião pré-sinodal estão cientes: «As histórias pessoais de quem faz parte da Igreja são meios eficazes de evangelizar, já que experiências pessoais não podem ser contraditas» (RP 15).
56. É necessário hoje estar ciente de que alguns mecanismos de funcionamento dos meios de comunicação digitais e a necessidade de escolher qual das infinitas ofertas de informação aceder faz com que cada vez mais as pessoas entrem em contacto apenas com aqueles que pensam da mesma maneira. Até mesmo grupos, instituições e associações eclesiais correm o risco de tornar-se circuitos fechados (cf. GE 115).
Os efeitos antropológicos do mundo digital
57. Do ponto de vista antropológico, a irrupção das tecnologias digitais está a começar a ter impactos muito profundos na noção de tempo e espaço, na perceção de si, dos outros e do mundo, no modo de comunicar, aprender, informar-se. Uma abordagem da realidade que privilegia a imagem em vez da escuta e da leitura está a mudar o modo de aprender e o desenvolvimento do sentido crítico. Numa análise prospetiva, não poderá deixar de questionar também as formas de transmissão de uma fé baseada na escuta da Palavra de Deus e na leitura da Sagrada Escritura. A partir das respostas das Conferências Episcopais, torna-se evidente que muitos parecem não estar plenamente conscientes da metamorfose em curso.
58. Um uso superficial dos meios de comunicação digitais expõe ao risco de isolamento, até extremo – é o fenómeno conhecido pelo termo japonês hikikomori e que afeta um número crescente de jovens em vários países, em particular asiáticos – e de refúgio numa felicidade ilusória e inconsistente que gera formas de dependência. Os jovens da Reunião pré-sinodal estão conscientes disso: «Frequentemente os jovens tendem a se comportar nos ambientes online diferente de como se comportam nos ambientes offline. É necessário oferecer uma formação aos jovens de como viver as suas vidas digitais. As relações online podem se tornar desumanas. Os espaços digitais cegam-nos em relação à vulnerabilidade do outro ser humano e privam-nos da nossa autorreflexão. Problemas como a pornografia distorcem a perceção que o jovem tem da sexualidade humana. A tecnologia usada deste modo cria uma realidade paralela ilusória, que ignora a dignidade humana. Outros riscos incluem: a perda de identidade relacionada a uma representação errada da pessoa, uma construção virtual da personalidade e a perda de uma presença social embasada na realidade. Além disso, os riscos a longo prazo incluem: perda de memória, de cultura e de criatividade diante do acesso imediato à informação e a perda de concentração ligada à fragmentação. Além do mais, existe uma cultura ditatorial da aparência» (RP 4).
A deceção institucional e as novas formas de participação
59. Outra característica de muitas sociedades contemporâneas é a fraqueza das instituições e a diminuição da confiança nelas, incluindo a Igreja. As respostas ao Questionário mostram como apenas uma minoria de jovens (16,7%) acredita que tem a possibilidade de participar da vida pública do próprio país: não que eles não o queiram, mas se encontram com possibilidades e espaços limitados. A falta de uma liderança confiável, em diferentes níveis e em contextos civis e eclesiais, é fortemente denunciada pelos jovens. Uma fragilidade particularmente evidente é gerada pela propagação da corrupção. As instituições deveriam ter em mente o bem comum e, quando alguns conseguem dobrá-las para seus interesses particulares, sofrem uma dramática erosão da credibilidade. É por isso que a corrupção é uma chaga que afeta as bases de muitas sociedades. O desafio da justiça social passa necessariamente pela construção de instituições justas, que se colocam a serviço da dignidade humana em sentido integral.
60. O desencantamento com as instituições pode, no entanto, ser saudável se se abrir à participação e à responsabilidade sem permanecer prisioneiros do ceticismo. Várias Conferências Episcopais apontam que, num contexto de insegurança e de medo do futuro, os jovens não estão mais ligados às instituições enquanto tais, mas às pessoas que, dentro delas, comunicam valores com o testemunho de suas vidas. A nível pessoal e institucional, a coerência e a autenticidade são fatores fundamentais de credibilidade.
A paralisia decisória na superabundância das propostas
61. Muitos elementos supracitados contribuem para explicar a razão de, em algumas partes do mundo, vivermos imersos numa “cultura da indecisão”, que considera impossível ou até mesmo insensata a escolha pela vida. Num mundo em que as oportunidades e propostas aumentam exponencialmente, torna-se espontâneo reagir com escolhas sempre reversíveis, mesmo que isso resulte numa constante mortificação do desejo. O processo de discernimento vocacional, ao longo do eixo marcado pelas etapas “reconhecer, interpretar, escolher”, falha muitas vezes exatamente no momento da escolha e da sua implementação. Por vezes, desejar-se-iam seguranças externas, que não requerem o esforço de caminhar na fé, entregando-se à Palavra; outras vezes, prevalece o medo de abandonar as próprias convicções para se abrir às surpresas de Deus.
62. Mesmo a insegurança das condições laborais e a precaridade social bloqueiam qualquer planificação de médio a longo prazo. Algumas Conferências Episcopais, especialmente no mundo ocidental, afirmam que é muito difícil para os jovens realizar um projeto matrimonial sem arriscar a autossuficiência económica. Além disso, como atestam as respostas ao Questionário online, muitos jovens se perguntam como é possível fazer uma escolha definitiva num mundo onde nada parece ser estável, nem mesmo a distinção entre verdadeiro e falso. Um dos desafios urgentes que caracterizam nosso tempo é, portanto, o da decisão da vida como uma assunção responsável da própria existência.
63. Contrariando as previsões feitas nos últimos dois séculos, a secularização parece não se afirmar como o destino inelutável da humanidade. Com diferentes nuances, a literatura científica usa atualmente expressões como “retorno do sagrado” ou outras semelhantes. Tal fenómeno coexiste com o declínio das vocações sacerdotais e religiosas e com o esvaziamento das igrejas que está a ocorrer em algumas partes do mundo: não estamos, portanto, diante de um retorno ao passado, mas do surgimento de um novo paradigma de religiosidade, descrita como pouco institucionalizada e cada vez mais “líquida”, marcada por uma variedade radical de percursos individuais, mesmo entre aqueles que se declaram pertencentes à mesma confissão. Assim, no Seminário Internacional afirmava-se que «em um mundo jovem muito diferenciado internamente, não faltam sinais de vitalidade religiosa e espiritual» A insatisfação com uma visão de mundo puramente imanente, transmitida pelo consumismo e pelo reducionismo científico, abre o campo para a busca do sentido da própria existência por meio de itinerários espirituais de vários tipos. Como afirma uma Conferência Episcopal: «Muitos jovens afirmam estar em busca do sentido da vida, seguir ideais, buscar uma espiritualidade e a própria fé pessoal, mas raramente se dirigem à Igreja». Dessa mudança de atitude em relação à religião é necessário concentrar-se no perfil, para poder interpretar suas causas e seus possíveis resultados, identificando quais oportunidades pode oferecer ao anúncio do Evangelho e quais riscos ou ambiguidades pode apresentar. Em muitos lugares, tal facto é acompanhado pelo fascínio que propostas integralistas ou fundamentalistas suscitam em algumas vertentes do mundo da juventude: os fenómenos dos combatentes estrangeiros e a radicalização em vários níveis são apenas exemplos disso. Num sentido totalmente diferente, é significativo o que frisam algumas Conferências Episcopais da Europa Central e Oriental com relação à mudança progressiva das práticas religiosas e espirituais do âmbito do preceito ao das opções de lazer: em tal mudança surge o aspecto da escolha pessoal, mas é evidente que tais práticas são colocadas em clara concorrência com muitas outras opções.
64. A atenção e o cuidado com os jovens expressos no Documento preparatório foram reiterados pelas Conferências Episcopais. As suas respostas às perguntas: «O que pedem concretamente os jovens do vosso país à Igreja hoje?» foram amplas e elaboradas. No Questionário online, muitos jovens se expressaram com grande liberdade, tentando comunicar seus pensamentos sem filtros. A experiência da Reunião pré-sinodal foi interpretada pelos jovens nessa mesma direção. Foram muitas as formas em que as Conferências Episcopais colocaram-se à escuta dos jovens. Nota-se, no entanto, que em geral é privilegiada a atenção aos jovens que pertencem às realidades eclesiais e nelas atuam, com o risco de considerá-los representantes de todo o mundo juvenil. O Questionário, como era previsível, teve a participação majoritária de jovens já inseridos em circuitos eclesiais. Foi reiterado por muitos que a melhor forma de escutar os jovens é estar ali onde eles estão, partilhando a sua existência quotidiana. Os participantes da Reunião pré-sinodal afirmaram com entusiamo: «A nossa esperança é que a Igreja e outras instituições possam aprender com o resultado desta reunião e escutar a voz dos jovens» (RP, Introdução). Também muitos dos que responderam o Questionário expressaram gratidão e apreço por esta oportunidade.
65. Como bem resume um jovem, «no mundo contemporâneo o tempo dedicado à escuta nunca é tempo perdido» (QoL) e nos trabalhos da Reunião pré-sinodal verificou-se que a escuta é a primeira forma de linguagem verdadeira e audaz que os jovens pedem em voz alta à Igreja. Vale recordar, no entanto, a fadiga da Igreja de escutar todos os jovens, sem exclusão alguma. Muitos sentem que sua voz não é considerada interessante e útil para o mundo dos adultos, tanto em âmbito social quanto eclesial. Uma Conferência Episcopal afirma que os jovens percebem que «a Igreja não escuta ativamente as situações vividas pelos jovens» e que «suas opiniões não são consideradas seriamente». É claro, no entanto, que os jovens, de acordo com outra Conferência Episcopal, «demandam à Igreja que se aproxime deles com o desejo de escutá-los e acolhê-los, oferecendo diálogo e hospitalidade». Os próprios jovens dizem que «em algumas partes do mundo, os jovens estão a deixar a Igreja em grande número. Entender os motivos deste fenómeno é crucial para poder seguir em frente» (RP 7). Certamente entre eles encontramos a indiferença e a falta de escuta, além do facto de que «muitas vezes, a Igreja parece severa demais e, geralmente, associada a um moralismo excessivo» (RP 1).
O desejo de uma “Igreja autêntica”
66. Um número considerável de jovens, oriundos principalmente de áreas muito secularizadas, não pedem nada à Igreja porque não a consideram um interlocutor significativo para a sua existência. Alguns até pedem expressamente para serem deixados em paz, pois sentem a sua presença como incómoda e até irritante. Esse pedido não deriva de um desprezo acrítico e impulsivo, mas também tem suas raízes em motivos sérios e respeitáveis: os escândalos sexuais e económicos, sobre os quais os jovens pedem à Igreja para «reforçar sua posição em não tolerar o abuso sexual dentro das suas instituições» (RP 11); o despreparo dos ministros ordenados que não conseguem reconhecer devidamente a vida e a sensibilidade dos jovens; o papel passivo atribuído aos jovens dentro da comunidade cristã; a fadiga da Igreja para justificar suas posições doutrinárias e éticas diante da sociedade contemporânea.
67. Mesmo quando são muito críticos, no fundo, os jovens pedem que a Igreja seja uma instituição que brilhe pela exemplaridade, competência, corresponsabilidade e solidez cultural. Uma Conferência Episcopal afirma que «os jovens querem ver uma Igreja que partilhe sua situação de vida à luz do Evangelho, em vez de fazer sermões»! Sinteticamente, os jovens expressaram-se assim: «Hoje os jovens procuram uma Igreja autêntica. Queremos dizer, especialmente para a hierarquia da Igreja que ela deve ser transparente, acolhedora, honesta, convidativa, comunicativa, acessível, alegre e interativa com a comunidade» (RP 11).
68. Muitos jovens consideram decisiva uma renovada configuração eclesial, sobretudo do ponto de vista relacional: inúmeras Conferências Episcopais afirmam que os jovens desejam uma Igreja «menos institucional e mais relacional», capaz de «acolher sem antes julgar», uma Igreja «amiga e próxima», uma comunidade eclesial que seja «uma família onde todos se sentem bem-vindos, ouvidos, cuidados e integrados». Ainda segundo a Reunião pré-sinodal «Precisamos de uma Igreja acolhedora e misericordiosa, que tenha apreço pelas suas raízes e seus valores, amando a todos, até mesmo aqueles que não seguem o que é considerado padrão» (RP 1).
69. Os jovens mais envolvidos na vida da Igreja expressaram vários pedidos específicos. Retorna com frequência o tema da liturgia, a qual eles gostariam que fosse viva e próxima, enquanto muitas vezes não permite experimentar «nenhum sentido de comunidade ou de família enquanto Corpo de Cristo» (RP 7), e das homilias, que muitos consideram inadequadas para acompanhá-los no discernimento de sua situação à luz do Evangelho. «Os jovens são atraídos pela alegria, que deveria ser um sinal distintivo da nossa fé» (RP 7), mas muitas vezes as comunidades cristãs parecem não ser capazes de transmitir.
70. Outro pedido diz respeito à adoção de um estilo de diálogo dentro e fora da Igreja: os jovens consideram necessário enfrentar certos nós do nosso tempo, como o reconhecimento e a valorização do papel da mulher na Igreja e na sociedade. Alguns jovens encorajam a Igreja a aprofundar uma elaboração cultural da fé que permita um diálogo frutífero com outros saberes e outras tradições religiosas: «Em um mundo globalizado e inter-religioso, a Igreja precisa não somente de um modelo, mas também de uma elaboração sobre as linhas teológicas já existentes para um pacífico e construtivo diálogo com pessoas de outras crenças e tradições» (RP 2).
Uma comunidade “comprometida com a justiça”
71. Em várias partes do mundo afligidas por muita pobreza, os jovens pedem ajuda material ou acompanhamento na cura das formas de sofrimento que os afligem. Por outro lado, onde a Igreja é considerada uma instituição ativamente comprometida com a promoção civil e social, os jovens pedem que esta sua presença profética possa continuar com coragem e firmeza, apesar do clima de violência, opressão e perseguição que envolve a vida de muitas comunidades cristãs. Muitos jovens pedem à Igreja uma concretude operacional, que diz respeito a vários pontos: ser realmente a favor dos pobres, ter em mente a questão ecológica, fazer escolhas visíveis de sobriedade e transparência, ser autêntica, clara e até ousada ao denunciar o mal com radicalidade não só na sociedade civil e no mundo, mas dentro da própria Igreja. «A Igreja deve reforçar as iniciativas que combatem o tráfico humano e migrações forçadas, assim como o narcotráfico, que é um tema especialmente urgente na América Latina» (RP 14).
A palavra dos seminaristas e dos jovens religiosos
72. Muitos seminaristas, jovens religiosos e religiosas em formação expressaram-se de várias maneiras sobre o tema do Sínodo, que é para eles uma fonte de grande alegria. Suas indicações e provocações guiam-nos em três direções precisas.
A primeira diz respeito ao tema da fraternidade: oriundos de contextos fortemente marcados pela competição e pelo individualismo, eles pedem uma vida autenticamente fraterna, que faça dos laços e afetos partilhados o seu fulcro. Eles querem uma Igreja que seja «profecia da fraternidade», uma casa capaz de tornar-se a sua família.
Há, depois, uma exigência de espiritualidade, de uma Igreja em cujo centro há a oração e a intimidade com Deus. Em algumas partes do mundo há uma espontânea abertura à transcendência; em outras, dominadas por um “humanismo exclusivo”, o pedido à Igreja é que seja mística, capaz de abrir vislumbres de transcendência na vida de homens e mulheres. Por isso alguns veem a liturgia como uma ocasião de profecia.
Por fim, há uma forte demanda por radicalidade, mesmo que nem sempre apoiada pela coerência pessoal: além de alguns contextos em que a escolha pela vida consagrada e o ministério ordenado são relacionados à busca por seguranças econômicas e sociais, geralmente por jovens diante dessas formas de vida, há uma escolha consciente de radicalidade evangélica, que requer um acompanhamento específico e gradual em direção ao dom generoso de si para Deus e o próximo.
PARTE II
INTERPRETAR:
FÉ E DISCERNIMENTO VOCACIONAL
73. Nesta II Parte somos chamados a aprofundar alguns elementos e dinâmicas que nos permitem interpretar devidamente as situações expostas na I Parte. O apelo de Cristo a viver segundo as suas intenções é o nosso horizonte de referência e, ao mesmo tempo, permanece uma fonte de sã inquietude de crise benéfica: «Uma fé que não nos põe em crise é uma fé em crise; uma fé que não nos faz crescer é uma fé que deve crescer; uma fé que não nos questiona é uma fé sobre a qual nos devemos questionar; uma fé que não nos anima é uma fé que deve ser animada; uma fé que não nos sacode é uma fé que deve ser sacudida» (Francisco, Encontro com os Membros da Cúria Romana para a Apresentação dos Votos Natalícios, 21 de dezembro de 2017).
74. Para compreender a verdade da juventude, que não é apenas uma condição de hoje, mas uma idade específica da vida que faz parte da condição humana como tal, é oportuno oferecer uma visão antropológica e bíblica, pois a palavra de Deus nos oferece elementos para compreender e interpretar este momento decisivo da existência. Se então a Igreja é realmente «a verdadeira juventude do mundo», iluminar os traços característicos e universais da juventude significa ter elementos preciosos para ajudá-la a «rejuvenescer o seu próprio rosto» (Concílio Vaticano II, Mensagem aos jovens), pois o Sínodo «será também um apelo dirigido à Igreja, para que redescubra um renovado dinamismo juvenil» (Francisco, Discurso por ocasião da Reunião pré-sinodal, 3).
Cristo “jovem entre os jovens”
75. A juventude é uma idade da vida original e entusiasmante, pela qual o próprio Cristo passou, santificando-a com a sua presença. Ireneu de Lião nos ajuda a esclarecer esta realidade, quando afirma que Jesus «sem renegar nem ultrapassar a humanidade, não aboliu em si a lei do gênero humano e santificou todas as idades, por aquela semelhança que estava nele. Veio para salvar a todos mediante a sua pessoa, todos, digo, os que por sua obra renascem em Deus, crianças, meninos, adolescentes, jovens e adultos. Eis por que passou por todas as idades, tornando-se criança com as crianças, santificando as crianças; com os adolescentes se fez adolescente, santificando os que tinham esta mesma idade e tornando-se ao mesmo tempo para eles o modelo de piedade, de justiça e de submissão. Jovem com os jovens, tornou-se seu modelo e os santificou para o Senhor» (Contra as heresias, II, 22.4). Jesus, portanto, “jovem entre os jovens”, quer encontrá-los caminhando com eles, como fez com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). Quer ainda hoje oferecer a Si mesmo para que cada um deles tenha vida em abundância (cf. Jo 10,10).
A chamada universal à alegria do amor
76. Ao responder ao Questionário, um jovem assegura que «acreditar em Deus é uma fonte de amor e alegria, não de tristeza!». Um elemento recorrente na juventude é a alegria: «Jovem, alegra-te na tua mocidade! Sê feliz o teu coração nos dias da tua juventude» (Ec 11, 9, cf. Sap 2: 6). O imperativo da alegria habita a juventude com certa naturalidade, girando em torno da beleza física que se torna atenção e atração pelo outro. O corpo em seu pleno brilho e plenitude torna-se o espaço do amor, percebido como o mesmo mistério do ser humano, destinado à eternidade precisamente porque está entrelaçado com o amor. Por este amor que «tudo espera» (1Cor 13,7), todo jovem é chamado a tornar-se anunciador da ressurreição (cf. Mc 16,6). Todo o Cântico dos Cânticos celebra o amor entre dois jovens que buscam e desejam a si mesmos como o símbolo real do amor concreto entre Deus e seu povo, mostrando como a vocação à alegria através do amor é universal e irreprimível. Muitos descrevem a necessidade de que Igreja revigore a sua chamada e ser uma colaboradora da alegria dos jovens de forma gratuita e desinteressada (cf. 2Cor 1,24).
Vigor físico, fortaleza de alma e coragem de arriscar
77. «A glória do jovem é a sua força» (Pv 20,29). Uma atitude naturalmente proativa em relação à existência caracteriza a juventude: momento de máxima expansão da própria energia física, traz consigo uma força única para enfrentar os desafios da vida e ousar trilhar novos caminhos. Na figura bíblica de Josué, servo de Moisés desde a adolescência, tais características emergem, precisamente quando ele é chamado a conduzir o povo para a conquista da Terra Prometida. Várias vezes lhe é repetido o convite «Sê forte e corajoso», tanto por Moisés (Dt 31,7.23) quanto por Deus (Js 1,6.7.9). É esta mesma palavra que a Igreja deseja dirigir a todos os jovens que enfrentam os desafios e riscos da vida, seguindo a indicação do apóstolo João: «Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes, e a palavra de Deus está em vós, e já vencestes o maligno» (1 Jo 2,14). Na I Parte, a análise da situação nos mostrou como é fácil para os jovens de hoje perder as características da força e da coragem, típicas dessa idade da vida, deixando-se vencer pelo medo e pelo desânimo. A própria Igreja corre o risco de perder o entusiasmo que vem da sua própria chamada ao risco da fé, prendendo-se em falsas seguranças mundanas. É preciso recuperar esses dinamismos.
78. Diante da vida, especialmente no nosso tempo, os jovens experimentam a contingência e a fragmentação existencial. A falta de seguranças gera incerteza, a multiplicidade de opções disponíveis cria confusão e a presença do ódio e da violência enche as novas gerações de medo, diminuindo assim seu apreço pelos próprios recursos. Como pode um jovem ser profeta de esperança num mundo onde reinam a corrupção e a injustiça? É a situação em que se encontra o profeta Jeremias, que antes da chamada a ser profeta das nações, mostra ao seu Senhor a sua jovem idade: «Ah, Senhor Deus! Eis que não sei falar; porque sou um menino» (Jr 1,6). Ele sente a necessidade de um Deus próximo que através da Sua graça traga uma esperança confiável na sua frágil existência.
A juventude, por outro lado, é portadora da inexperiência e, portanto, de um certo medo e de uma incerteza estrutural diante das grandes tarefas que a vida reserva. Todo jovem pede companhia, apoio, vizinhança, proximidade. Jeremias tranquiliza-se somente quando o próprio Deus lhe dirige esta palavra: «Não temas diante deles; porque estou contigo para te livrar, diz o Senhor» (Jr 1, 8). Muitos jovens pedem, portanto, uma Igreja que seja mãe e que nunca se esqueça deles (cf. Is 49, 15-16).
Queda, arrependimento e acolhimento
79. A elaboração da capacidade de amar continua a ser a beleza e o risco da juventude, porque o amor, no momento em que é procurado e vivido de maneira desordenada, pode tornar-se uma paixão desregulada e um impulso destrutivo, o que leva à tristeza. O mal e o pecado residem também na vida dos jovens e seu pedido de aceitação e de perdão é um grito que devemos perceber. Uma das parábolas mais famosas do Evangelho, que narra a história de dois filhos e irmãos, é a do “pai misericordioso”, que também poderia ser chamada de “parábola do pai que sai duas vezes” (Lc 15, 11-32): a primeira vez para receber o filho mais novo depois do tempo da despreocupação e da desordem, e uma segunda para rezar para o filho mais velho, cujo coração endureceu e desligou-se, para que este tornasse para celebrar e partilhar a alegria do retorno de seu irmão. O Pai desta parábola é a verdadeira figura do “adulto” que tantos jovens buscam em sua existência e que infelizmente não encontram. Esta parábola diz respeito a um pai corajoso, que permite que seus filhos experimentem o risco da liberdade, sem impor jugos que mortifiquem suas escolhas. Ao mesmo tempo, trata-se de um pai cujo coração é tão grande a ponto de não excluir ninguém e de desejar reintegrar todos em sua casa. A Igreja é chamada a fazer com que todos os jovens que encontra em seu caminho experimentem tais atitudes paternas e maternas.
Disponibilidade para ouvir e necessidade de acompanhamento
80. No Documento preparatório, a figura de João e a de Maria ofereceram uma imagem eficaz em relação à disposição para a escuta e ao desejo de empreender um caminho de discernimento vocacional que não se realiza num ato preciso, mas se torna um percurso existencial acompanhado continuamente pela presença de Jesus, que se torna mestre, modelo e amigo de todo jovem.
81. Uma das chamadas bíblicas que diz respeito diretamente a um jovem é a de Samuel (cf. 1 Sm 3,1-21). Aqui se vê muito bem que o tempo da juventude é o tempo da escuta, bem como o tempo da incapacidade de compreender sozinhos a palavra da vida e a Palavra de Deus. Em comparação com um adulto, o jovem não tem experiência: os adultos, de facto, deveriam ser aqueles que «têm, pela prática, as faculdades exercitadas para discernir tanto o bem como o mal» (Heb 5:14). Deveriam, portanto, brilhar sobretudo pela sua consciência certa, que vem do exercício contínuo de escolher o bem e evitar o mal. O acompanhamento das gerações mais jovens não é uma opção em relação à tarefa de educar e evangelizar a juventude, mas um dever eclesial e um direito de cada jovem. Somente a presença prudente e sábia de Eli permite que Samuel dê a correta interpretação à palavra que Deus está a dizer-lhe. Neste sentido, os sonhos dos idosos e as profecias dos jovens só acontecem juntos (cf. Jl 3,1), confirmando a bondade das alianças intergeracionais.
Amadurecimento da fé e dom do discernimento
82. A fé é antes de tudo um dom a ser acolhido e seu amadurecimento é um caminho a ser percorrido. Certamente, porém, acima de tudo isso, vale reafirmar que «ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (DC 1; EG 7). A partir deste encontro toma forma uma experiência que transforma a existência, orientando-a de forma dialógica e responsável. Ao crescer, todo jovem percebe que a vida é maior do que si mesmo, que ele não controla tudo de sua existência; toma consciência de que é o que é graças ao cuidado que outros, em primeira instância os seus pais, reservaram-lhe; ele convence-se de que, para viver bem, a sua história deve tornar-se responsável pelos outros, repropondo esses comportamentos de cuidado e serviço que o fizeram crescer. Acima de tudo, ele é chamado a pedir o dom do discernimento, que não é uma competência que pode ser construída por conta própria, mas antes de tudo trata-se de um dom a ser recebido, que depois requer um exercício prudente e sábio para desenvolvê-lo. E um jovem que recebeu e sabe como fazer frutificar o dom do discernimento é uma fonte de bênção para outros jovens e para o povo inteiro.
83. O jovem rei Salomão, quando é convidado para pedir a Deus o que deseja em vista de seu papel decisivo, pede «um coração entendido» (1 Rs 3,9). E a apreciação de Deus não nos faz esperar: «Porquanto pediste para ti entendimento para discernires o que é justo; eis que fiz segundo as tuas palavras» (1 Rs 3,11-12).
De facto, todo jovem é, de algum modo, “rei” de sua própria existência, mas precisa ser ajudado para que possa pedir o discernimento e ser acompanhado para que alcance a plenitude no dom de si. Instrutiva, a propósito, é também a história da jovem rainha Ester que, acompanhada e sustentada pela oração do povo (cf. Est 4,16), renuncia a seus privilégios e coloca em risco com coragem a própria existência para a salvação da sua gente, demonstrando até que ponto a audácia juvenil e a dedicação feminina podem chegar.
Projeto de vida e dinâmica vocacional
84. Na fase da juventude, toma forma a construção da própria identidade. Neste momento, marcado pela complexidade, fragmentação e incerteza em relação ao futuro, planejar a vida torna-se cansativo, se não impossível. Nesta situação de crise, o compromisso eclesial é, muitas vezes, orientado para apoiar um bom planejamento. Nos casos mais afortunados e nos quais os jovens estão mais disponíveis, este tipo de pastoral os ajuda a descobrir a própria vocação, que permanece, afinal, uma palavra para poucos eleitos e representa o culminar de um projeto. Mas esse modo de proceder não arrisca reduzir e comprometer toda a verdade do termo “vocação”?
A esse respeito, é muito útil chamar a atenção para o encontro entre Jesus e o jovem rico (Mt 19, 16-22; Mc 10, 17-22; Lc 10, 25-28). Aqui vemos que o Mestre de Nazaré não apoia o projeto de vida do jovem e nem propõe a sua coroação; não aconselha um esforço a mais e nem, realmente, quer preencher uma lacuna do jovem, que também lhe perguntou: «Que me falta ainda?»; pelo menos, ele não quer preenchê-la, confirmando a lógica projetual do jovem. Jesus não preenche um vazio, mas pede ao jovem para esvaziar-se, para dar lugar a uma nova perspetiva orientada no dom de si mesmo por meio de uma nova abordagem da própria vida gerada pelo encontro com aquele que é «o caminho, a verdade e a vida» (cf. Jo 14,6). Dessa forma, por meio de uma verdadeira desorientação, Jesus pede ao jovem uma reconfiguração de sua própria existência. É uma chamada a arriscar, a perder o que já foi adquirido, a confiar. É uma provocação para romper com a mentalidade dos projetos que, se exasperada, leva ao narcisismo e ao fechamento de si mesmo. Jesus convida o jovem a entrar numa lógica de fé, que arrisca a própria vida ao segui-lo, precedida e acompanhada por um olhar intenso de amor: «Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: “Falta-te uma coisa: vai, e vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem! Segue-me”» (Mc 10,21).
85. Os jovens, no Documento final da Reunião pré-sinodal, afirmam: «Procuramos uma Igreja que nos ajude a encontrar nossa vocação, em todos os seus significados» (RP 3). Para isso, é necessário esclarecer o significado do termo “vocação”. Importando-se com todos os jovens, sem exceções, pede-se ao Sínodo que ilumine de modo convincente o horizonte vocacional da existência humana enquanto tal. Os próprios jovens pedem à Igreja que os ajude a «encontrar uma simples e clara compreensão do significado de “vocação”» (RP 8). A partir das respostas das várias Conferências Episcopais, e também das muitas palavras dos próprios jovens, conclui-se que o termo vocação é geralmente usado para indicar as vocações ao ministério ordenado e aquelas de especial consagração. Uma Conferência afirma que uma «fraqueza da pastoral no discernimento da vocação dos jovens está no facto de limitar a compreensão da vocação apenas à escolha do sacerdócio ministerial ou da vida consagrada».
86. Ao compararmos essa visão “limitada”, mesmo apenas com o caminho dos dois Sínodos anteriores, no qual se afirma que «o matrimónio é uma vocação» e que, portanto, «a decisão de se casar e formar uma família deve ser fruto dum discernimento vocacional» (AL 72), não é difícil compreender que uma visão limitada do termo “vocação” crie um forte preconceito nos jovens, que veem na pastoral vocacional uma atividade voltada exclusivamente ao “recrutamento” de sacerdotes e religiosos. Partindo desse imaginário coletivo eclesial, há, portanto, a necessidade de estabelecer as bases para uma «pastoral vocacional juvenil» de grande alcance, capaz de ser significativa para todos os jovens.
A vida humana no horizonte vocacional
87. O Concílio Vaticano II claramente recuperou o horizonte vocacional da humanidade quando usou tal terminologia para expressar tanto o destino de todos os homens para a comunhão com Cristo (cf. LG 3,13, GS 19,32) quanto o chamado universal à santidade (cf. LG 39-42), inserindo em tal horizonte interpretativo a compreensão das vocações individuais: aquelas para o ministério ordenado e para a vida consagrada, bem como a vocação do leigo (cf. LG 31), especialmente na vida matrimonial (cf. LG 35; Js 48.49.52). Nesta direção, prosseguiu também o magistério seguinte, que reconhece também o caráter analógico do termo “vocação” e as várias dimensões que caracterizam a realidade que esta designa em relação à missão pessoal de cada um e em vista da comunhão entre todas as pessoas.
88. Ao afirmar que todas as coisas foram criadas por meio de Cristo e em vista dEle (cf. Cl 1,16), a Escritura orienta a ler o mistério da vocação como uma realidade que marca a própria criação de Deus, iluminando assim misteriosamente a existência de todo homem e toda mulher. Se o Beato Paulo VI já tinha afirmado que «toda vida é vocação» (PP 15), Bento XVI insistiu no facto de que o ser humano foi criado por Deus como um ser dialógico: a Palavra criadora «chama cada um em termos pessoais, revelando assim que a própria vida é vocação em relação a Deus» (VD 77). Neste sentido, somente uma antropologia vocacional parece ser adequada para compreender o humano em toda a sua verdade e plenitude. Foi significativo que durante a Reunião pré-sinodal alguns jovens não-crentes e de outras religiões testemunharam o seu desejo de discernir a própria vocação no mundo e na história (cf. RP 8).
89. Falar da vida como vocação torna possível evidenciar alguns elementos que são muito importantes para o crescimento de um jovem: significa excluir que ela seja determinada pelo destino ou pelo fruto do acaso, ou ainda, que seja um bem privado administrável por conta própria. Se no primeiro caso não há vocação por não haver reconhecimento de um destino digno da existência, no segundo, pensar num ser humano “sem vínculos” é imaginá-lo “sem vocação”. O discernimento vocacional nessa direção toma as características de um caminho de reconciliação com o próprio corpo e com o próprio eu, com os outros e com o mundo.
Para a plenitude da alegria e do amor
90. Positivamente, a conceção da vida como vocação convida o ser humano a renunciar à mentira da autofundamentação e à ilusão da autorrealização narcisista, para se deixar interpelar, por meio da história, pelo desígnio com que Deus nos destina para o bem dos outros. Trata-se, portanto, de criar uma nova cultura vocacional, que esteja sempre relacionada à alegria da comunhão de amor que gera vida e esperança. A plenitude da alegria, de facto, só pode ser experimentada após a descoberta de ser amado e, como resultado, pessoalmente chamado a amar, por sua vez, nas circunstâncias concretas em que cada um vive (família, trabalho, empenho social e civil).
91. O evento cristológico leva a criação à sua plena realização, pois é o Mistério que a move desde o princípio: «O mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente […] Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» (GS 22). Com Jesus, descobre-se a chamada a ir além de si mesmo; ouvir a Sua palavra, de facto, é um convite a «fazer-se ao largo» (cf. Lc 5, 4) e a abrir-se a horizontes que, com a própria força, não se poderiam nem imaginar.
92. No Novo Testamento, porém, a chamada também diz respeito ao convite a algumas pessoas a segui-lo mais de perto. O relato evangélico do encontro de Jesus com os primeiros discípulos (cf. Jo 1, 36-39), apresentado no Documento preparatório, é um exemplo dessa chamada. O objetivo da chamada de Jesus, de facto, releva-se somente dentro do seguimento, que é diálogo e relação com o Mestre. Tal seguimento não pode se mostrar claro logo no princípio, como se fosse o resultado de um projeto do qual somos mestres, possuidores de sua chave e, portanto, capazes de prever todos os seus detalhes. Ele surge através do olhar da fé que, como escreveu o Papa Francisco, «“vê” na medida em que caminha, em que entra no espaço aberto pela Palavra de Deus» (LF 9).
93. Não se pode ignorar, então, que cada caminho vocacional, afundando suas raízes na experiência da filiação divina dada no batismo (cf. Rm 6, 4-5; 8, 14-16), seja um caminho pascoal, que requer um compromisso de negar a si mesmo e perder a própria vida, para então recebê-la renovada. O Cristo que nos chama a segui-lo é aquele que «pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a ignomínia, e está agora sentado à direita do trono de Deus» (Hb 12, 2). O fiel, portanto, mesmo quando experimenta que o discipulado envolve renúncias e fidelidade sofrida, não se desanima e continua a seguir o Senhor, que nos antecedeu à direita do Pai e nos acompanha com o seu Espírito.
94. Entre aqueles que O seguem, Jesus escolhe alguns para um especial ministério. É o que se encontra de modo evidente na vocação dos apóstolos: «Elegeu doze para andarem com Ele e para os enviar a pregar, com o poder de expulsar demónios» (Mc 3, 14-15), convidando-os a tomar conta de seu rebanho (cf. Jo 21, 15-19); assim como Paulo, «servo do Senhor Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o Evangelho de Deus» (Rm 1, 1; cf. 1Cor 1, 1). Nos textos que se referem a uma chamada especial pela missão, enfatiza-se fortemente a livre e gratuita eleição de Deus, a escolha desde o ventre materno, a revelação à pessoa chamada do mistério de Cristo e a missão histórica de salvação. Por vezes esta vocação é acompanhada pela designação da pessoa chamada com um novo nome.
95. É importante ressaltar que as “chamadas” particulares são compreensíveis apenas dentro do horizonte “vocacional” da Igreja inteira. No mesmo nome ecclesia, de facto, há a indicação da fisionomia vocacional da comunidade dos discípulos, sua identidade como uma assembleia de chamados (cf. 1Cor 1, 26, PdV 34). Em seu interior, as vocações para uma tarefa especial não têm o sentido de introduzir um privilégio, mas sim de tornar evidente, com a atribuição de uma missão particular, a graça com a qual Deus chama a todos para a salvação: assim, enquanto Jesus diz «segue-me» ao publicano Levi, tornando-o apóstolo da Igreja (Mc 2, 14), anuncia a todos que Ele não veio «para chamar os justos, mas os pecadores» (Mc 2, 17).
A vocação da Igreja e as vocações na Igreja
96. A vocação da Igreja encontra sua real antecipação e sua plena realização na figura de Maria, uma jovem que com seu “sim” tornou possível a encarnação do Filho e, consequentemente, criou as condições para que qualquer outra vocação eclesial pudesse existir. O “princípio mariano” antecede e excede todos os demais princípios ministeriais, carismáticos e jurídicos da Igreja e de todos estes é apoio e acompanhamento.
97. Não é possível, portanto, compreender plenamente o sentido da vocação batismal, se não se considera que esta esteja intrinsecamente ligada à natureza missionária da Igreja, que tem como objetivo fundamental a comunhão com Deus e entre todas as pessoas. As diferentes vocações eclesiais são, de facto, múltiplas e articuladas expressões por meio das quais a batismal realiza a sua chamada a ser um verdadeiro sinal do Evangelho acolhido numa comunidade fraterna. A pluralidade das formas de seguir Cristo articula, cada um à sua maneira, a missão de testemunhar o evento de Jesus, no qual todo homem e toda mulher encontram a salvação.
98. São Paulo retoma esse tema várias vezes nas suas cartas, ao recordar a imagem da Igreja como um corpo constituído por vários membros e ao afirmar que cada membro seja necessário e, ao mesmo tempo, ligado ao conjunto, pois somente a unidade harmoniosa de todos torna o corpo vivo e harmonioso. A origem desta comunhão é encontrada pelo Apóstolo no mesmo mistério da Santíssima Trindade. De facto, Paulo escreve aos Coríntios: «Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de ministérios, mas o Senhor é um só; há diversos modos de agir, mas é o mesmo Senhor que realiza tudo em todos» (1Cor 12, 4-6).
99. As várias formas de vida cristã, portanto, não podem ser pensadas nem compreendidas de modo independente, mas somente na reciprocidade que elas designam e no intercâmbio de dons que realizam (cf. CL 55, VC 31). Somente assim é possível para a Igreja tornar-se uma imagem integral do rosto de Jesus na história dos homens. A recente carta Iuvenescit Ecclesia, sobre a relação entre dons hierárquicos e carismáticos para a vida e a missão da Igreja, ofereceu indicações preciosas para elaborar uma correta teologia dos carismas, de modo a receber com gratidão e valorizar com sabedoria os dons da graça que o Espírito continuamente traz para a Igreja a fim de rejuvenescê-la.
Os diferentes caminhos vocacionais
100. A elaboração de uma ampla perspetiva vocacional convida-nos, enfim, a ter uma atenção ao discernimento vocacional que, eventualmente, não exclua ninguém, porque, como diz o Papa Francisco, «falar de pastoral vocacional significa afirmar que toda a ação pastoral da Igreja está orientada, por sua natureza, para o discernimento vocacional. [...] O serviço vocacional deve ser visto como a alma de qualquer evangelização e pastoral da Igreja» (Mensagem aos participantes no Congresso sobre o tema: «Pastoral Vocacional e Vida Consagrada. Horizontes e Esperanças», 25 de novembro de 2017).
101. Os dois recentes Sínodos da família e a Exortação Apostólica Amoris Laetitia deram uma rica contribuição à vocação familiar na Igreja e ao contributo insubstituível que as famílias são chamadas a dar ao testemunho do Evangelho mediante o amor recíproco, a geração e a educação dos filhos. É importante relembrar tal mensagem segundo uma perspetiva vocacional e torná-la compreensível para os jovens, dentro da cultura afetiva em que estão inseridos. Refletir sobre os caminhos de preparação para o matrimónio e acompanhar os casais jovens parecem ser os dois pontos estratégicos nos quais investir as energias pastorais.
102. A Igreja reconheceu desde sempre as vocações ao ministério ordenado como decisivas em relação à vida cristã e à salvação de todos os homens. Por isso, teve uma atenção especial para o cuidado, a formação e o acompanhamento dos candidatos a este estado de vida. É também inegável a preocupação de muitas Igrejas com o declínio numérico dos candidatos; isso requer uma reflexão renovada sobre a vocação ao ministério ordenado e sobre uma pastoral vocacional que faça as pessoas sentirem o fascínio da chamada de Jesus para se tornarem pastores de seu rebanho.
103. Também o testemunho profético da vida consagrada precisa ser redescoberto e melhor apresentado aos jovens no seu encantamento original, como um antídoto para a “paralisia da normalidade” e como uma abertura à graça que interrompe o mundo e suas lógicas. Despertar o fascínio da radicalidade evangélica nas gerações mais jovens, de modo a poder redescobrir a profecia da castidade, pobreza e obediência como antecipação do Reino e plena realização da própria vida é um aspecto que não pode ser colocado em segundo plano numa época dominada pelas lógicas consumistas e comerciantes.
104. Chamado à santidade e ungido pelo Espírito, o cristão aprende a colher numa perspetiva vocacional todas as escolhas da existência, sobretudo aquela central do estado de vida, bem como aquelas de caráter profissional. Por isso, algumas Conferências Episcopais esperam que o Sínodo encontre os caminhos para ajudar todos os cristãos a redescobrir a relação entre profissão e vocação em toda a sua fecundidade para a vida de cada um e em vista da orientação profissional dos jovens com uma visão vocacional.
A condição inédita dos solteiros
105. Enfim, algumas Conferências Episcopais nos perguntam qual é a colocação vocacional de pessoas que escolhem permanecer solteiras sem qualquer referência a uma consagração em particular ou ao matrimónio. Dado o seu aumento numérico na Igreja e no mundo, é importante que o Sínodo reflita sobre essa questão.
O DINAMISMO DO DISCERNIMENTO VOCACIONAL
106. Durante a Reunião pré-sinodal, um jovem expressou bem a importância do discernimento para a vida: «Hoje, assim como milhares de outros jovens, fiéis ou não, tenho de fazer escolhas, especialmente em relação à minha orientação profissional. No entanto, estou indeciso, perdido e preocupado. [...] Vejo-me agora como diante de uma parede: dar um sentido profundo à minha vida. Acho que preciso de um discernimento perante esse vazio». O trabalho daqueles dias confirmou, articulou, aprofundou várias vezes a sua pergunta, além de destacar as dificuldades que os jovens encontram: «Muitos jovens não sabem responder à pergunta: “qual o sentido da sua vida?”. Nem sempre conseguem coligar a vida a um sentido transcendental» (RP 5). Muitas vezes, de facto, os jovens movem-se entre abordagens extremas e ingénuas: de considerar-se à mercê de um destino já escrito e inexorável, a sentir-se esmagados por um ideal abstrato de excelência, num contexto de competição indisciplinada e violenta. Nessa situação, é possível reconhecer uma oportunidade para a Igreja, ainda que os jovens tenham dificuldades de percebê-la como capaz de fornecer ajuda: «Dito isto, muitos jovens não sabem envolver-se neste processo de discernimento, e isto constitui uma oportunidade para que a Igreja os acompanhe» (RP 9). Isto também foi reconhecido pelo Papa Francisco: «Sobre este assunto, devemos dizer que muitas comunidades eclesiais ou não o sabem fazer, ou não têm a capacidade de discernimento. É um dos problemas que nós temos, mas não se deve ter medo» (Francisco, Reunião pré-sinodal, resposta à pergunta n. 2)
O discernimento na linguagem comum e na tradição cristã
107. Os jovens da Reunião pré-sinodal também apresentam a dificuldade de compreender o termo discernimento, que não se enquadra em sua linguagem, mesmo que a necessidade a que se refere seja sentida: «Discernir a própria vocação representa um desafio, especialmente à luz dos equívocos inerentes a este termo, porém os jovens o aceitam mesmo assim. Este processo de discernimento pode ser uma aventura que acompanha o caminho da vida» (RP 9).
108. De facto, há uma pluralidade de aceções do termo discernimento, que não se contrapõe, mas nem sequer coincidem. Num sentido mais amplo, o discernimento indica o processo no qual decisões importantes são tomadas; num segundo, mais inerente à tradição cristã, corresponde à dinâmica espiritual pela qual uma pessoa, um grupo ou uma comunidade tenta reconhecer e acolher a vontade de Deus na realidade da sua situação. Além disso, como já lembrava o Documento preparatório, o termo aplica-se a uma pluralidade de situações e práticas diversas: «Com efeito, existe um discernimento dos sinais dos tempos, que aposta no reconhecimento da presença e da ação do Espírito na história; um discernimento moral, que distingue o que é bom daquilo que é mau; um discernimento espiritual, que se propõe reconhecer a tentação para a rejeitar e, ao contrário, proceder pelo caminho da plenitude da vida. As tramas entre estas diferentes interpretações são evidentes e nunca se conseguem desatar completamente» (DP II, 2).
A proposta do discernimento vocacional
109. Uma pluralidade de níveis também entra em jogo nos aspectos específicos do discernimento vocacional. Como também evidencia o discurso do Papa Francisco na Reunião pré-sinodal, há um nível que une todos os homens e mulheres: «Todos nós temos necessidade do discernimento. É por isto que no tema do Sínodo há esta palavra, não é assim? E quando há este vazio, esta inquietação, é necessário discernir» (Francisco, Reunião pré-sinodal, resposta à pergunta n. 2). Neste sentido, desde o início, o Sínodo pretende cuidar de «todos os jovens, sem exclusão alguma» (DP 2), oferecendo a possibilidade de acompanhá-los no processo que conduz à clareza e à verdade sobre si, a acolher o dom da vida e a encontrar o contributo que são chamados a oferecer à sociedade e ao mundo. O Santo Padre também enfatizou como a Igreja fundamente na convicção de fé a proposta de discernimento que dirige a todos: «Deus ama todos e a cada um dirige pessoalmente uma chamada. É um dom que, quando o descobrimos, enche de alegria (cf. Mt 13, 44-46). Tende a certeza disto: Deus tem confiança em vós, ama-vos e chama-vos. E por seu lado ele nunca faltará, porque é fiel e crê deveras em vós» (Francisco, Discurso por ocasião da Reunião pré-sinodal, 2).
110. Para os jovens fiéis, a perspetiva do discernimento assume outro aspecto, pois se insere dentro duma dinâmica de relacionamento pessoal com o Senhor: visa, portanto, explicitamente descobrir os caminhos possíveis para responder ao amor de Deus, participando como membros da Igreja na missão de anunciar e testemunhar a Boa Nova. A perspetiva é, portanto, muito mais ampla e fundamental do que aquela redutiva que, como mostram as respostas de várias Conferências Episcopais, leva líderes da Igreja e muitos fiéis a identificar o discernimento vocacional com o caminho de escolha do estado de vida (matrimónio, sacerdócio, vida consagrada). O discernimento vocacional também pode envolver a escolha do compromisso social ou político, ou a da profissão.
111. Acima de tudo, o discernimento vocacional não termina com a tomada da decisão entre as alternativas, mas prolonga-se no tempo acompanhando os passos concretos com os quais é colocado em prática. Nesse sentido, o discernimento é também um estilo de vida: «Não é necessário apenas em momentos extraordinários, quando temos de resolver problemas graves ou quando se deve tomar uma decisão crucial; mas é um instrumento de luta, para seguir melhor o Senhor. É-nos sempre útil, para sermos capazes de reconhecer os tempos de Deus e a sua graça, para não desperdiçarmos as inspirações do Senhor, para não ignorarmos o seu convite a crescer. Frequentemente isto decide-se nas coisas pequenas, no que parece irrelevante, porque a magnanimidade mostra-se nas coisas simples e diárias» (GE 169). O discernimento é um dom e um risco, e isso pode assustar.
Reconhecer, interpretar, escolher
112. Como vimos, para a Igreja a possibilidade do discernimento é baseada numa convicção de fé: o Espírito de Deus age no íntimo – no “coração”, diz a Bíblia; na “consciência”, segundo a tradição teológica – de cada pessoa, independentemente do facto de professar explicitamente a fé cristã, por meio de sentimentos e desejos despertados pelo que ocorre na vida e que estão relacionados a ideias, imagens e projetos. Precisamente da atenção às dinâmicas internas surgem os três “verbos” do discernimento que o Papa Francisco indica na Evangelii gaudium e o Documento preparatório retoma: reconhecer, interpretar, escolher.
113. Reconhecer significa “dar nome” à grande quantidade de emoções, desejos e sentimentos que cada um tem. Desempenham um papel fundamental e não devem estar ocultos ou adormecidos. O Papa lembrou isso: «É importante abrir tudo, não disfarçar os sentimentos, não camuflar os sentimentos. Os pensamentos que vêm à tona sejam [levados] ao discernimento» (Reunião pré-sinodal, resposta à pergunta n. 2). Um caminho de discernimento vocacional requer, portanto, atenção ao que surge nas diferentes experiências (família, estudo, trabalho, amizades e relacionamentos de casais, voluntariado e outros compromissos, etc.) que a pessoa faz, hoje cada vez mais ao longo de itinerários não lineares e progressivos, com os sucessos e fracassos que inevitavelmente ocorrem: onde um jovem sente-se em casa? Onde sente um “sabor” mais forte? Isso, porém, não é suficiente, pois as experiências de vida são ambíguas e podem ser interpretadas de modo diferente: qual é a origem desse desejo? Está realmente a conduzir à “alegria do amor”? Com base nesse trabalho de interpretação, torna-se possível fazer uma escolha que não seja apenas o resultado das inclinações ou pressões sociais, mas um exercício de liberdade e de responsabilidade.
114. Sendo um ato de liberdade humana, o discernimento é exposto ao risco de erro. Como lembra o Documento preparatório «o coração humano, por causa da sua fragilidade e do seu pecado, se apresenta normalmente dividido porque atraído por apelos diversos ou até opostos entre si» (DP II, 4). De facto, é essencial que a pessoa que discerne continue a formar sua própria afetividade, sua própria inteligência, seu próprio estilo.
115. Para quem a acolhe e por ela é inspirado, a sabedoria cristã oferece instrumentos preciosos, entre os quais a escola da Palavra, o ensinamento da Igreja, o acompanhamento espiritual; todos são formas de ajuda para confrontar-se com a norma viva que é Jesus, para conhecê-lo intimamente e chegar a “ter seu coração”. Um caminho autêntico de discernimento, portanto, requer uma atitude de escuta e oração, uma docilidade para com o mestre e a disponibilidade para tomar uma decisão que possa custar. É sobre isso que falam os jovens da Reunião pré-sinodal: «Passar tempos em silêncio, em introspeção e rezando, assim como lendo a Escritura e aprofundando o conhecimento de si, são oportunidades que poucos jovens de fato desfrutam. É necessária uma melhor introdução a estas práticas. Envolver-se com grupos de oração, movimentos e comunidades construídas sob o interesse comum pode também ajudar os jovens em seu discernimento» (RP 9). Fundamental nesta direção é aquele exercício que a tradição chama de “exame de consciência” e que precisamente visa tornar a pessoa atenta aos sinais da presença de Deus e capaz de reconhecer sua voz na concretude da vida quotidiana. É por isso que o Papa Francisco o reitera hoje a todos os cristãos e, mais ainda, aos jovens que procuram o seu próprio caminho: «Por isso, peço a todos os cristãos que não deixem de fazer cada dia, em diálogo com o Senhor que nos ama, um sincero exame de consciência» (GE 169). Dentro desse diálogo com Cristo, Caminho, Verdade e Vida, pode ocorrer o que foi desejado para jovens por um Dicastério Vaticano: «Uma formação de sua afetividade, que os ajude a coligar-se mais ao bem e à verdade do que a seus confortos e interesses».
116. O papel da consciência, portanto, é fundamental para o discernimento. Como recorda um Dicastério Vaticano, «se a formação deve ser (e deve ser!), só pode ser configurada como educação para a liberdade e a consciência». Enquanto o Papa Francisco enfatiza como a consciência «deve ser melhor incorporada na práxis da Igreja» (AL 303), as respostas das Conferências Episcopais mostram como muitas vezes nos factos seja difícil dar-lhe espaço. O papel da consciência não se reduz ao reconhecimento do próprio erro ou pecado: na perceção dos limites pessoais ou da situação, e de todas as dificuldades de orientar-se, esta pode ajudar a reconhecer qual dom podemos oferecer e qual contribuição dar, mesmo que talvez não sejam completamente à altura dos ideais.
117. A consciência, como ensina o Concílio Vaticano II, «é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual ele se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser» (GS, 16). A partir desta perspetiva de fé, torna-se evidente que o exercício da consciência represente um valor antropológico universal: interpela cada homem e mulher, não apenas os fiéis, e todos são obrigados a responder-lhe. Cada pessoa, graças à experiência de ser amada em sua própria unicidade dentro da rede de relações sociais que sustentam a sua vida, descobre e recebe a chamada a amar, que desafia a sua consciência como uma exigência imperativa, tornando-se uma norma. Esta valorização da consciência está enraizada na contemplação do modo de agir do Senhor: é em Sua própria consciência que Jesus, num diálogo íntimo com o Pai, toma decisões, até as mais difíceis e dilacerantes, como a do Jardim das Oliveiras. É Ele a verdadeira norma de toda ação cristã e de toda vocação particular.
118. Os jovens experimentam os limites de sua liberdade e, portanto, do discernimento: «São muitos os fatores que influenciam a capacidade de um jovem no momento de discernir a própria vocação: a Igreja, as diferenças culturais, as exigências do trabalho, o mundo digital, as expectativas da família, a saúde mental e o estado de ânimo, ruídos, a pressão dos outros jovens, os cenários políticos, a sociedade, a tecnologia, etc.» (RP 9). Mas precisamente esta realidade concreta, que antes de tudo é um dom e uma alteridade que nos atravessa, com os vínculos que impõe, é o instrumento para encontrar a confirmação do que foi percebido no fundo do coração: também para o discernimento vale o princípio de que a realidade é mais importante do que a ideia. Em termos teológicos, todo desejo, mesmo o mais sublime, é chamado a encarnar-se numa escolha concreta e coerente, necessariamente limitada, abrindo o espaço àquele ascetismo sem o qual não há caminho para a santidade e a plenitude da vida.
119. O confronto com a quotidianidade pode desempenhar um papel de estímulo, em particular quando as circunstâncias impõem uma espécie de “suspensão” ou “desaceleração” na marcha rumo à realização das próprias metas. É o que experimentam hoje os jovens de muitos países, seja pela falta de oportunidades reais de usar bem suas habilidades e talentos, seja pela necessidade de períodos até longos para começar a construir a própria carreira. Tais circunstâncias podem ser muito frutíferas, forçando a pessoa a passar por um estágio de “desencanto” saudável e a estar ciente de que nenhum sucesso profissional ou objetivo existencial satisfaz a sede de vida, de plenitude, de eternidade que traz ao coração. Assim nasce o estímulo para uma busca mais profunda da própria autenticidade e da própria vocação. Um dos problemas do nosso tempo é que as circunstâncias muitas vezes levam ao adiamento desta fase, colocando-a num momento em que a pessoa já tomou decisões vinculativas, por exemplo, do ponto de vista afetivo, ou já definiu seu próprio estilo de vida e assumiu compromissos – também financeiros – dos quais não é possível ou fácil retirar-se.
120. A inteira tradição da espiritualidade insiste em como o acompanhamento é fundamental, especialmente durante o processo de discernimento vocacional. Os jovens da Reunião pré-sinodal expressaram repetidamente a mesma necessidade, enfatizando de maneira particular a importância do testemunho e da humanidade de quem os acompanha. Muitas Conferências Episcopais também apontam que os jovens pedem que os responsáveis eclesiais estejam disponíveis para tal serviço e destacam que estes frequentemente têm dificuldades em assegurá-lo.
“Acompanhamento” pode ser dito em vários modos
121. «Todos os jovens, sem exclusão alguma, têm o direito de ser acompanhados no seu caminho» (DP III, 2). O acompanhamento vocacional é um processo capaz de desencadear a liberdade, a capacidade de doação e de integração das diferentes dimensões da vida num horizonte de significado. Por isso um acompanhamento autêntico esforçar-se-á para apresentar a vocação não como um destino pré-estabelecido, uma tarefa a ser executada, um guião já escrito, para ser aceito e descobrir-se como bons intérpretes. Deus leva a sério a liberdade que Ele forneceu aos seres humanos e responder à Sua chamada é um compromisso que requer trabalho, imaginação, audácia, disponibilidade para prosseguir até mesmo por tentativas.
122. As respostas recebidas mostram que algumas Conferências Episcopais concebem o acompanhamento de modo mais “abrangente” (incluindo assim os encontros ocasionais, bons conselhos, momentos de confronto sobre vários temas), enquanto para outros se trata de algo muito específico na perspetiva de um “coaching cristão”. Aqueles que acompanham podem ser homens e mulheres, religiosos e leigos, casais; além disso, a comunidade desempenha um papel decisivo. O acompanhamento dos jovens pela Igreja assume formas variadas, diretas e indiretas, passa por uma pluralidade de dimensões e recorre a múltiplos instrumentos, dependendo do contexto em que se coloca e do grau de envolvimento eclesial e de fé de quem é acompanhado.
123. Várias Conferências Episcopais veem o acompanhamento espiritual pessoal como um lugar privilegiado, se não o único, para o discernimento vocacional. É de facto uma ocasião para aprender a reconhecer, interpretar e escolher a partir duma perspetiva de fé, à escuta do que o Espírito sugere na vida diária (cf. EG 169-174). Na relação pessoal de acompanhamento, é importante estar ciente das diferenças entre uma abordagem masculina e uma feminina, tanto no que diz respeito aos acompanhadores, quanto àqueles que são acompanhados. Nesse sentido, deve-se salvaguardar e aprofundar a riqueza da tradição que fala de paternidade e maternidade espirituais.
124. O acompanhamento espiritual tem traços característicos que o distinguem de outras formas de acompanhamento personalizado, como counseling, coaching, mentoring, tutoria, etc. Há, contudo, também outras relações e ligações. Para evitar perder a unidade da pessoa e a integralidade da relação de acompanhamento, é necessário explorar a complementaridade entre o acompanhamento espiritual em sentido estrito e as outras formas de proximidade em que, na vida diária, podem surgir figuras capazes de ajudar a discernir e contribuir para a formação da consciência e da liberdade.
125. Como ensina o Papa Francisco, «o discernimento espiritual não exclui as contribuições de sabedorias humanas, existenciais, psicológicas, sociológicas ou morais; mas transcende-as» (GE 170). Em particular, vale ressaltar o que distingue o acompanhamento espiritual daquele psicológico ou psicoterapêutico, que também, se aberto à transcendência, pode ser fundamental para um caminho de integração e crescimento. O segundo concentra-se nos recursos, nos limites e na evolução da pessoa em realizar seus próprios desejos. O acompanhamento espiritual, por outro lado, visa mais especificamente desencadear na oração um diálogo íntimo entre a pessoa e Deus, a partir do Evangelho e de toda a Escritura, para encontrar o modo mais pessoal de responder à chamada do Senhor. Uma pedagogia atenta permitirá integrar a dimensão psicológica no acompanhamento espiritual: não apenas a escuta e a empatia, mas também o discernimento em comparação com a Palavra; não somente confiança, mas também luta reconhecendo que a alegria do Evangelho desperta a grandeza do desejo; não apenas o cultivo de sonhos, mas passos concretos nas dificuldades da vida.
Acompanhamento e sacramento da reconciliação
126. O carisma do acompanhamento espiritual não está necessariamente ligado ao ministério ordenado. Na antiga tradição, pais e mães espirituais são leigos, muitos dos quais monges, mas não clérigos. A praxis que o coloca entre os papéis do presbítero pode restringi-lo a um diálogo que muitas vezes se sobrepõe à celebração do sacramento da penitência. Apesar de sua proximidade, o ministro da reconciliação e o acompanhador espiritual têm diferentes propósitos, modalidades e linguagens. O acompanhamento vocacional em sentido estrito não é uma “matéria” específica e própria do sacramento da reconciliação, que é o perdão dos pecados; o encontro no sacramento com a misericórdia de Deus é, porém, indispensável para prosseguir no caminho. Deve-se reconhecer, por fim, que na relação entre acompanhamento e sacramento as múltiplas tradições espirituais amadureceram diferentes sensibilidades.
Acompanhamento familiar, formativo e social
127. Os contextos da vida ordinária oferecem numerosas oportunidades para uma proximidade que acompanha o caminho de crescimento, num sentido especificamente espiritual ou mais amplamente humano. Há situações em que esse acompanhamento se enquadra nas tarefas institucionais de quem o realiza, e outras em que se baseia na disponibilidade, capacidade e compromisso das pessoas envolvidas.
Muitas Conferências Episcopais sinalizam o papel indispensável que a família desempenha no discernimento vocacional, especialmente quando os pais representam um modelo de fé e dedicação que é fonte de inspiração: os pais são sempre as primeiras testemunhas, e continuam a sê-lo ainda mais nos contextos marcados pela falta de ministros ordenados. Contudo, há também casos opostos, quando a ênfase que a família põe no sucesso em termos económicos ou profissionais acaba por dificultar a possibilidade dum caminho sério de discernimento vocacional. Por vezes, o fracasso da família leva os jovens a se desiludir com a possibilidade de planejar o futuro em termos de esperanças a longo prazo.
O acompanhamento, mesmo sob nomes diferentes, está no centro das atenções de muitos modelos formativos, tanto a nível escolar quanto universitário. Antes de ser uma tarefa de algumas figuras específicas, é uma atitude pedagógica básica e uma mentalidade que permeia toda a comunidade educativa. Mesmo a tutoria na formação profissional, com vista à iniciação do trabalho, é muito valiosa. Como especificam muitas Conferências Episcopais, esses tipos de acompanhamento são «o canal mais importante por meio do qual escolas, universidades e outras instituições educativas contribuem para o discernimento vocacional dos jovens», além de ser uma oportunidade para estimular uma abordagem crítica da realidade a partir de uma perspetiva cristã e da escuta da voz de Deus.
Há, enfim, muitos outros contextos, papéis e profissões em que os adultos que entram em contacto com os jovens, talvez a partir de problemas específicos, podem desempenhar um papel de acompanhamento que favoreça o seu amadurecimento humano ou a solução de assuntos problemáticos: podemos pensar no papel dos treinadores no âmbito do desporto, naqueles que têm deveres educacionais ou que trabalham em alguns tipos de instituições (prisões, comunidades de acolhimento de vários tipos, consultórios e clínicas) ou realizam certas profissões (médicos, psicólogos, professores, etc.). Mesmo nas especificidades de suas funções, também profissionais, deve-se reconhecer que essas formas de acompanhamento também podem ter um valor espiritual e desempenhar um papel num processo de discernimento vocacional.
Acompanhamento na leitura dos sinais dos tempos
128. Os jovens são desafiados pela realidade social em que vivem e que muitas vezes desperta neles emoções muito fortes: a sua leitura interpretativa requer um acompanhamento e pode tornar-se um instrumento para identificar os sinais dos tempos que o Espírito indica para a atenção dos jovens e da Igreja. A revolta dos jovens diante da corrupção generalizada, da crescente desigualdade estrutural, do desprezo pela dignidade humana, da violação dos direitos humanos, da discriminação contra as mulheres e as minorias, da violência organizada e da injustiça parece não ser levada em devida consideração pelas respostas das Conferências Episcopais. Nas comunidades cristãs parece não haver espaço para discutir tais problemas. Em muitas partes do mundo, portanto, os jovens encontram-se em meio à violência, como autores ou como vítimas, e são uma presa fácil para a manipulação dos adultos. Líderes religiosos e políticos sem escrúpulos sabem explorar as aspirações idealistas dos jovens em benefício próprio. Em outros contextos, a perseguição religiosa, o fanatismo religioso e a violência política estão a erradicar do coração dos jovens a esperança de um futuro pacífico e próspero. Essas também são fronteiras que a capacidade profética de acompanhamento da Igreja deve enfrentar.
Acompanhamento na vida quotidiana e da comunidade eclesial
129. Há, enfim, um acompanhamento diário, muitas vezes silencioso, mas não por isso secundário, feito por todos aqueles que com seu testemunho interpretam a vida de uma maneira totalmente humana. Igualmente fundamental, também numa perspetiva vocacional, é o acompanhamento da comunidade cristã como um todo que, por meio da rede de relacionamentos que gera, propõe um estilo de vida e acompanha aqueles que se põe a caminho rumo à própria forma de santidade. Como afirma um Dicastério Vaticano, «o aspecto individual do acompanhamento no discernimento só pode ser frutífero se for inserido numa experiência cristã teologal, fraterna e fecunda. Da comunidade nasce, de facto, o desejo do dom de si, pressuposto pelo correto discernimento das formas específicas para vivê-lo».
As qualidades daqueles que acompanham
130. Quem acompanha é chamado a respeitar o mistério que cada pessoa possui e a confiar que o Senhor já está a trabalhar nela. O acompanhador é convidado a estar ciente de que ele representa um modelo que influencia pelo que é, antes de pelo que faz e propõe. A profunda interação afetiva que é criada no espaço do acompanhamento espiritual – não por acaso a tradição se exprime falando de paternidade e maternidade espirituais, portanto duma relação generativa muito profunda – requer do acompanhante uma sólida formação e disposição para trabalhar antes de tudo em si mesmo, do ponto de vista espiritual e, até certo ponto, também psicológico. Somente desse modo ele poderá estar autenticamente ao serviço, à escuta e no discernimento, e evitar os riscos mais frequentes do seu papel: tomar o lugar de quem é acompanhado na busca e na responsabilidade das escolhas, negar ou remover o surgimento de problemas sexuais e enfim, ultrapassar os limites envolvendo-se de maneira imprópria e destrutiva com quem está a receber a sua ajuda no caminho espiritual, até mesmo chegando a verdadeiros abusos e dependências. Quando isso ocorre, além dos traumas gerados pelas pessoas envolvidas, difunde-se um clima de desconfiança e medo, o que desestimula a prática do acompanhamento.
131. Uma quantidade considerável de Conferências Episcopais é consciente de que o acompanhamento é um serviço exigente do ponto de vista das qualidades pessoais de quem o realiza: «Os jovens pedem [...] acompanhadores eficientes, confiáveis e plenos de fé; imitadores de Cristo que vivem uma vida autenticamente feliz ao promover uma relação com Deus e a Igreja». O Papa Francisco lembra como o acompanhador deve saber despertar confiança e ser uma pessoa sábia, «que não tem medo de nada, que sabe ouvir e tem o dom do Senhor para dizer a palavra certa no momento certo» (Reunião pré-sinodal, resposta à pergunta n. 2).
132. Os jovens da Reunião pré-sinodal relatam detalhadamente o perfil do acompanhador: «Esses guias devem possuir algumas qualidades: ser um cristão fiel e engajado na Igreja e no mundo; buscar constantemente a santidade, não julgar, mas cuidar; escutar ativamente as necessidades dos jovens e responder com gentileza; ser profundamente amoroso e ter consciência de si, saber reconhecer os próprios limites, conhecer a alegria e as dores da vida espiritual» (RP 10). Aos olhos deles, é particularmente importante o reconhecimento de sua própria humanidade e falibilidade: «Acontece muitas vezes que as lideranças são colocadas em um pedestal, e sua eventual queda pode causar um impacto devastador na capacidade dos jovens de se engajarem na Igreja» (RP 10). Acrescentam também que «As lideranças não devem conduzir os jovens a ser seguidores passivos, mas caminhar junto deles, deixando-os serem participantes ativos desta viagem. Devem respeitar a liberdade do processo de discernimento de um jovem, fornecendo os instrumentos necessários para o cumprimento adequado deste processo. Um acompanhador deve acreditar de todo o coração na capacidade que um jovem tem de participar da vida da Igreja. Um guia deve cultivar a semente da fé nos jovens, sem nenhuma expectativa de ver os frutos do trabalho, pois este é feito pelo Espírito Santo. Este papel não pode ser restrito aos sacerdotes e religiosos, mas também os leigos deveriam ser legitimados a desenvolvê-lo. Todos estes guias e acompanhadores deveriam poder ser beneficiados por uma boa formação permanente» (RP 10).
O acompanhamento dos seminaristas e jovens consagrados
133. «O acompanhamento pessoal representa um instrumento indispensável de formação» (RFIS 45) dos seminaristas, mas a mesma consideração pode ser facilmente estendida aos religiosos e religiosas em formação. Trata-se, em primeiro lugar, de um serviço ao discernimento vocacional e à autenticação dos carismas: tanto os indivíduos quanto a Igreja precisam, de facto, submeter suas escolhas à verificação. Para tal, é imprescindível que quem acompanha reserve dentro de si um verdadeiro espaço de liberdade: a confiança exige uma renúncia a formas de controlo pouco transparentes, enquanto a descoberta da oportunidade de interromper o caminho de formação e a ajuda para descobrir uma localização diferente não podem ser excluídas a priori, nem consideradas uma derrota, mesmo em situações de falta de ministros ordenados, de consagrados e consagradas. Ao mesmo tempo, esse acompanhamento tornar-se-á um serviço ao amadurecimento humano e cristão daqueles em formação e um verdadeiro investimento formativo, que terá como objetivo disponibilizar homens e mulheres que tenham as qualidades para, por sua vez, acompanhar outras pessoas a descobrir e seguir a própria vocação. O acompanhamento é aprendido, primeiramente, ao aceitar ser acompanhado.
134. A experiência dos formadores mostra que os candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada são jovens do nosso tempo e partilham com seus pares os traços característicos de uma cultura e uma perspetiva do mundo, a partir da difusão dos meios de comunicação social e da comunicação digital. O acompanhamento deve visar o aprofundamento da vida espiritual pessoal, bem como do ímpeto apostólico, promovendo a integração das dificuldades, ilusões e momentos de aridez; onde quer que haja dificuldades em termos psicológicos, um acompanhamento específico, juntamente com aquele espiritual, será de grande ajuda. Ao mesmo tempo, o acompanhamento espiritual tentará evitar a dispersão, ao ajudar a pessoa a criar raízes na etapa pela qual está a passar, mesmo que temporária, e a não viver na expectativa de quando a formação terminará. O encontro com o Senhor realiza-se no momento presente também para quem mora numa casa de formação.
135. Um desafio que o nosso tempo coloca de maneira cada vez mais intensa é o da integração das diferenças. Especialmente naqueles contextos que reúnem pessoas de países e culturas diferentes, os jovens deverão ser acompanhados para enfrentar o confronto intercultural, treinando assim para o que o ambiente social exigirá deles, uma vez terminada a formação. Se, por um lado, os jovens estão predispostos ao encontro com outras culturas, por outro, têm dificuldades reais em enfrentar a diferença, pois esta provém de uma sociedade que faz uso de poderosos instrumentos de imunização às diversidades e que, por vezes, pretende negá-las, padronizá-las ou desvalorizá-las.
136. O acompanhamento também é crucial para considerar os itinerários de proveniência, hoje cada vez mais diferenciados por idade de ingresso, grau de instrução, percursos formativos, experiências profissionais e afetivas anteriores, proveniência eclesial (paróquias, associações, movimentos, etc.). O acompanhamento é um instrumento essencial para permitir uma real personalização do caminho de formação que os jovens demonstram apreciar, ao mesmo tempo em que consideram que sejam mortificantes as propostas padronizadas. Isso também pode dizer respeito ao específico acompanhamento didático no decorrer dos estudos.
III PARTE
ESCOLHER:
PERCURSOS DE CONVERSÃO PASTORAL E MISSIONÁRIA
137. Com base nos elementos interpretativos do contexto surgidos na II Parte, trata-se agora de concentrar-se na determinação da perspetiva, do estilo e dos instrumentos mais apropriados para permitir que a Igreja cumpra a sua missão para com os jovens: ajudá-los a encontrar o Senhor, a sentir-se amado por Ele e a responder à Sua chamada à alegria do amor. Nessa dinâmica de discernimento, a própria Igreja, comprometendo-se a acompanhar todos os jovens, poderá reapropriar-se de um renovado e alegre entusiasmo apostólico, por meio de um caminho de conversão pastoral e missionária.
O discernimento como estilo de uma Igreja em saída
138. O Papa Francisco, ao encontrar a juventude no início da Reunião pré-sinodal, declarou que o Sínodo é «também um apelo dirigido à Igreja, para que redescubra um renovado dinamismo juvenil. [...] Também na Igreja devemos aprender novas modalidades de presença e de proximidade» (Discurso à Reunião pré-sinodal, 3). Com grande clareza, uma Conferência Episcopal afirma que «os jovens pedem à Igreja uma mudança monumental de atitude, orientação e prática». Uma outra, percebendo os caminhos de renovação em curso no próprio território, escreve: «A verdadeira questão por trás dessas tentativas diz respeito, em termos mais gerais, à forma de Igreja que estamos a procurar e que pretendemos propor; a fórmula “Igreja em saída” identifica de maneira pertinente o problema geral, mas ainda estamos em busca de indicações operacionais úteis para a sua implementação». Isso requer «um decidido processo de discernimento, purificação e reforma» (EG 30) e também uma sincera e profunda escuta dos jovens que participam plenamente do sensus fidei fidelium.
139. Nesta perspetiva, “escolher” não significa dar respostas definitivas aos problemas encontrados, mas antes de tudo identificar passos concretos para crescer na capacidade de cumprir, como comunidade eclesial, os processos de discernimento em vista da missão. Além disso, não podemos pensar que a nossa oferta de acompanhamento ao discernimento vocacional seja crível para os jovens a quem se dirige, se não demonstrarmos que podemos praticar o discernimento na vida ordinária da Igreja, ao fazer dela um estilo comunitário mais do que um instrumento operativo. Assim como os jovens, muitas Conferências Episcopais expressaram a dificuldade de orientar-se num mundo complexo do qual não possuem um mapa. Nessa situação, este mesmo Sínodo é um exercício de crescimento naquela capacidade de discernimento evocado no seu tema.
Povo de Deus num mundo fragmentado
140. O caminho sinodal, como “caminho feito juntos”, contém um convite urgente para redescobrir a riqueza da identidade do “povo de Deus”, que define a Igreja como um sinal profético de comunhão num mundo muitas vezes dilacerado por divisões e discórdias. Esse povo tem como condição «a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num templo. A sua lei é o novo mandamento, o de amar assim como o próprio Cristo nos amou (cf. Jo 13,34). Por último, tem por fim o Reino de Deus» (LG 9). Na sua concretude histórica, o povo de Deus é um povo com muitas faces, porque «encarna-se nos povos da Terra, cada um dos quais tem a sua cultura própria» (EG 115). No seu interior, o Espírito Santo «suscita uma abundante e diversificada riqueza de dons e, ao mesmo tempo, constrói uma unidade que nunca é uniformidade, mas multiforme harmonia que atrai» (EG 117). Essa identidade dinâmica conduz a Igreja para o mundo, torna-a uma Igreja missionária e em saída, não tomada pela preocupação de “ser o centro” (EG 49), mas por aquela de conseguir, com humildade, ser fermento até além de suas próprias “fronteiras”, consciente de ter algo para dar e algo para receber na lógica da troca de dons.
Neste movimento a Igreja não poderá senão assumir o diálogo como um estilo e como um método, favorecendo a consciência da existência de vínculos e conexões numa realidade complexa, mas que seria simplista considerá-la feita de fragmentos, e a tensão para uma unidade que, sem transformar-se em uniformidade, permite a confluência de todas as partes, salvaguardando a originalidade de cada uma e a riqueza que representa para o todo (cf. EG 236). Nenhuma vocação, especialmente dentro da Igreja, pode ser colocada fora desse dinamismo de saída e diálogo, e qualquer esforço autêntico de acompanhamento ao discernimento vocacional não pode deixar de enquadrar-se nesse horizonte, ao reservar uma atenção especial aos mais pobres e vulneráveis.
141. Esse dinamismo de saída de si para dar a vida e empenhar-se ao serviço da possibilidade de que todos, individual e coletivamente, encontrem a alegria do amor, atravessa também o modo como a Igreja exerce a autoridade que lhe foi confiada, para que seja autenticamente generativa e, portanto, criadora da comunhão. Segundo algumas análises, no sentido etimológico, a autoridade é precisamente a capacidade de “fazer crescer” (augeo, em latim, do qual deriva auctor e auctoritas) cada criatura naquela originalidade que o Criador pensou e desejou para ela. Exercitar a autoridade passa a significar assumir a responsabilidade de um serviço para o desenvolvimento e para o desencadeamento da liberdade, não um controlo que corta as asas e mantém as pessoas acorrentadas.
142. Por conseguinte, a Igreja “faz-se” com os jovens, permitindo-lhes um verdadeiro protagonismo e não os colocando diante de um “sempre se fez assim”. Essa perspetiva, que determina um estilo pastoral, bem como uma maneira de organizar-se e de ser institucional, está em grande sintonia com o pedido de autenticidade que os jovens dirigem à Igreja. Eles esperam ser acompanhados não por um juiz inflexível, nem por um pai temeroso e superprotetor que gera dependência, mas por alguém que não tem medo da sua própria fraqueza e sabe como fazer brilhar o tesouro que, como um vaso de barro, conserva em seu interior (cf. 2Cor 4,7). Caso contrário, eles acabarão por dirigir-se para outros lugares, especialmente numa época em que não faltam alternativas (cf. RP 1.7.10).
143. Para ser generativo, o acompanhamento em vista do discernimento vocacional não pode deixar de assumir uma perspetiva integral. A vocação, de facto, nunca é um princípio de alienação, mas um fulcro de integração de todas as dimensões da pessoa, que as tornará fecundas: dos talentos naturais à personalidade com seus recursos e limitações, das paixões mais profundas às habilidades adquiridas por meio do estudo, das experiências de sucesso aos fracassos que cada história pessoal contém, da capacidade de entrar em relação e de amar àquela de assumir o próprio papel com responsabilidade dentro de um povo e de uma sociedade. Por isso, o serviço de acompanhamento é medido com uma série de elementos que, somente na aparência, são variados ou pouco espirituais e não pode ser dissociado da aliança entre as instâncias formativas.
IMERSOS NO TECIDO DA VIDA QUOTIDIANA
144. A chamada à alegria e à vida em plenitude sempre se insere dentro de um contexto cultural e de relações sociais. É diante das circunstâncias da vida quotidiana que os jovens desejam ser acompanhados, formados e feitos protagonistas. Por isso a Igreja é chamada a «sair, ver, chamar» (DP III, 1.3), isto é, investir tempo para conhecer e confrontar-se com as restrições e as oportunidades dos diferentes contextos sociais e culturais e fazer ressoar nestes a chamada à alegria do amor. Ao mesmo tempo, as relações sociais e interpessoais, bem como as dinâmicas da vida quotidiana (amizade, afetividade, relação com tempo e o dinheiro, etc.) favorecem o surgimento de desejos, ideias, emoções e sentimentos que um percurso de acompanhamento ajudará a reconhecer e interpretar. Uma perspetiva integral exige a assumir os nexos que ligam âmbitos e contextos em que se desenvolve a vida dos jovens, as exigências de conversão das práticas pastorais e as necessidades de formação dos acompanhadores.
145. Nomeadamente, a experiência ou o encontro com as fragilidades pessoais, próprias ou alheias, de um grupo ou de uma comunidade, de uma sociedade ou de uma cultura, são tão difíceis quanto preciosos. Para os jovens, pode ser uma oportunidade para descobrir recursos escondidos e levantar algumas questões, até numa perspetiva vocacional, conduzindo-os a sair de uma busca contínua por pequenas seguranças. Ao acompanhar esses percursos, a Igreja descobrirá novas fronteiras e novos recursos para cumprir sua missão.
O acompanhamento escolar e universitário
146. Praticamente todas as Conferências Episcopais enfatizam a importância que escolas, universidades e instituições de ensino de vários tipos têm no acompanhamento dos jovens em seu percurso de busca por um projeto pessoal de vida e pelo desenvolvimento da sociedade. Em muitas regiões são o principal lugar não explicitamente eclesial, senão o único, onde muitos jovens entram em contacto com a Igreja. Em alguns casos tornam-se até uma alternativa às paróquias, as quais muitos jovens não conhecem nem frequentam. Também os jovens da Reunião pré-sinodal frisam a importância do compromisso da Igreja em tais contextos: «Os recursos não são desperdiçados quando investidos nessas áreas pois são estes os lugares onde muitos jovens passam grande parte do seu tempo e frequentemente se envolvem com pessoas de várias classes sociais» (RP 13). Em particular, é necessária atenção para os inúmeros jovens que abandonam a escola ou não têm acesso a esta.
A exigência de um olhar e de uma formação integral
147. Em muitas escolas e universidades, inclusive católicas, a educação e a formação têm finalidades excessivamente utilitaristas, ao enfatizar mais o proveito no mundo do trabalho dos conceitos adquiridos do que o crescimento pessoal. É preciso, realmente, colocar as competências técnicas e científicas numa perspetiva integral, cujo horizonte de referência é a “cultura ecológica” (cf. LS 111). É necessário, a propósito, conjugar intelecto e desejo, razão e afetividade; formar cidadãos responsáveis, capazes de enfrentar a complexidade do mundo contemporâneo e de dialogar com a diversidade; ajudá-los a integrar a dimensão espiritual no estudo e no compromisso cultural; torná-los capazes de discernir não apenas os percursos pessoais de sentido, mas trajetórias de bem comum para as sociedades às quais pertencem.
148. Esta conceção integral da educação requer uma conversão sistémica, que envolve todos os membros das comunidades educativas, bem como as estruturas materiais, económicas e institucionais de que se servem. Professores, formadores, tutores e todas as figuras envolvidas nos percursos educativos, especialmente aqueles que trabalham em zonas abandonadas e desfavorecidas, realizam um serviço precioso, do qual a Igreja é grata. É necessário um renovado investimento em sua formação integral, para facilitar caminhos de redescoberta e reapropriação daquela que é uma autêntica vocação: são chamados não apenas a transmitir conteúdos, mas a serem testemunhas de uma maturidade humana, promovendo dinâmicas geradoras de paternidade ou maternidade espiritual capazes de tornar os jovens sujeitos e protagonistas de sua própria aventura.
A especificidade e a riqueza das escolas e universidades católicas
149. Não são poucas as Conferências Episcopais de todo o mundo que apreciam as escolas e universidades católicas. O seu objetivo, como afirmou o Papa Francisco, não é fazer proselitismo, mas «levar por diante os jovens, as crianças nos valores humanos em todas as realidades, e uma destas realidades é a transcendência» (Discurso aos participantes no Congresso Mundial promovido pela Congregação para a Educação Católica, 21 de novembro de 2015). Essa perspetiva faz que elas colaborem com outras instituições educativas do território e, ao mesmo tempo, mostra como, dentro de sociedades livres e abertas que têm a necessidade de promover o diálogo entre diferentes identidades, não façam mais sentido fechamentos ideológicos a seu respeito.
150. A fidelidade à sua missão exige que essas instituições se comprometam a verificar a efetiva receção dos valores propostos por parte dos alunos e promovam uma cultura de avaliação e autoavaliação contínuas. Independentemente das afirmações abstratas, devemos nos perguntar o quanto nossas escolas ajudam os jovens a considerar sua preparação escolar como uma responsabilidade perante os problemas do mundo, as necessidades dos mais pobres e o cuidado do meio ambiente. Para as universidades católicas – disse o Papa Francisco àquela portuguesa – não basta realizar análises e descrever a realidade, mas é preciso gerar «espaços de verdadeira pesquisa, debates que gerem alternativas para os problemas de hoje» e «incluir a dimensão moral, espiritual e religiosa na sua investigação. Escolas e universidades católicas são convidadas a mostrar na prática em que consiste uma pedagogia inclusiva e integral» (Audiência à Comunidade da Universidade Católica Portuguesa, 26 de outubro de 2017).
151. Particularmente para universidades, faculdades e institutos eclesiásticos – mas de maneira semelhante para todas as escolas e universidades católicas – é importante levar em consideração alguns critérios inspiradores: a contemplação espiritual, intelectual e existencial do querigma; o diálogo sem reservas; a interdisciplinaridade exercida com sabedoria e criatividade; a necessidade urgente de “criar rede” (cf. VG 4).
Economia, trabalho e cuidado da casa comum
À procura de novos modelos de desenvolvimento
152. O acompanhamento rumo à plena maturidade humana inclui a dimensão do cuidado da casa comum. Isso requer também que a Igreja e suas instituições assumam a perspetiva de sustentabilidade e promovam os estilos de vida coerentes, além de combater os reducionismos hoje dominantes (paradigma tecnocrático, idolatria do lucro, etc.). A Laudato Si’ convida-nos a confiar que a conversão ecológica é possível. Para gerar um dinamismo de mudança duradoura, tal vocação deve envolver não apenas escolhas individuais, mas também as comunitárias e sociais, inclusive formas de pressão nos líderes políticos. Por isso a contribuição dos jovens é indispensável, como afirma uma Conferência Episcopal africana: «Muitos líderes eclesiais reconhecem o dinamismo dos jovens do nosso país, bem como o seu envolvimento responsável na Igreja e nas políticas de desenvolvimento social». Promover a sustentabilidade exige incentivar os jovens a aplicar a esta os seus recursos intelectuais, nas várias disciplinas de seus estudos, assim como orientar nesse sentido as escolhas profissionais subsequentes.
153. É crucial a contribuição específica que a Igreja pode dar para a elaboração de uma espiritualidade que saiba reconhecer o valor dos pequenos gestos e possa inspirar escolhas de acordo com uma lógica diferente da cultura do descarte. Como recorda o Papa Francisco, «todas as comunidades cristãs têm um papel importante a desempenhar nesta educação. Espero também que, nos nossos Seminários e Casas Religiosas de Formação, se eduque para uma austeridade responsável, a grata contemplação do mundo, o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente» (LS 214).
O trabalho perante a inovação tecnológica
154. Os processos de inovação e penetração das tecnologias digitais e informáticas no mundo da produção geram o fenómeno mundialmente conhecido como “Indústria 4.0”, com repercussões também no mundo do trabalho. As comunidades cristãs são convidadas a questionar-se mais sobre esses aspectos em seu compromisso educacional e acompanhamento dos jovens. Num cenário marcado por constantes mudanças, pela impossibilidade de traçar hoje o perfil das competências que serão necessárias amanhã e pelo risco daqueles que não conseguem se adaptar serem excluídos, a formação e o acompanhamento profissional surgem como âmbitos de responsabilidade para que os talentos de todos os jovens possam expressar-se e ninguém seja deixado para trás ou considerado inútil. O objetivo é que o desenvolvimento das competências profissionais e da capacidade de dar sentido ao próprio trabalho e defender o direito de todos a um trabalho digno acompanhe o ritmo da inovação tecnológica. As gerações mais jovens são portadoras de uma abordagem da realidade que pode trazer importantes contribuições para a humanização do mundo do trabalho: estilo de colaboração, cultura do respeito às diferenças e de sua inclusão, capacidade de trabalho em equipa, harmonização entre compromisso de trabalho e outras dimensões da vida.
Colaborar na criação de empregos para todos
155. A promoção de um novo modelo económico requer a promoção do desenvolvimento das alternativas que surgem de modo espontâneo nas periferias e nos grupos que sofrem as consequências da cultura do descarte, mas que mantêm valores e práticas de solidariedade que se perderam em outros lugares. Apoiar tais experiências, permitindo a criação de oportunidades de emprego, especialmente para os jovens, principalmente nos contextos em que o desemprego juvenil é mais elevado, requer, antes de tudo, a busca de recursos. Como se depreende de algumas observações recebidas, em alguns países solicita-se a identificação das maneiras pelas quais a Igreja possa participar dessa busca com os seus patrimónios fundiários, imobiliários e artísticos, a fim de melhorá-los com iniciativas e projetos empreendedores dos jovens, e torná-los “generativos” em termos sociais, para além do simples retorno económico.
Formar para a cidadania ativa e para a política
156. Algumas Conferências Episcopais assinalam que a sensibilidade dos jovens para temas de ética social (liberdade, justiça, paz, ecologia, economia, política) precisa ser acompanhada, apoiada e encorajada. O mandamento do amor tem um valor intrinsecamente social, que inclui a opção preferencial pelos pobres e o compromisso para a edificação de uma sociedade menos corrupta e mais justa. O compromisso social e político constitui, pelo menos para alguns, uma verdadeira vocação, cuja maturação requer um acompanhamento também do ponto de vista espiritual. Em todo caso, nenhum discernimento vocacional pode focalizar-se apenas na busca de um lugar no mundo, sem colocar como tema de modo criativo também a contribuição específica que cada um é chamado a dar para bem comum.
157. Por meio do compromisso social, muitos jovens questionam e (re)descobrem um interesse na fé cristã. Além disso, o compromisso com a justiça e com os pobres é uma ocasião de encontro e diálogo com os não-crentes e com as pessoas que professam outras crenças. Muitas Conferências Episcopais praticam ou buscam novas formas de formação para o compromisso civil, social e político, em particular estimulando a participação e assunção de responsabilidade dos jovens e o confronto entre pares. Destaca-se a importância de alguns elementos: valorizar as competências profissionais e o percurso de estudos dos jovens, proporcionando oportunidades de protagonismo; oferecer experiências concretas de serviço e contacto com os últimos e com ambientes sociais diferentes dos de proveniência, incluindo experiências internacionais e cuidado do meio ambiente e da natureza; fornecer elementos para a leitura e a avaliação do contexto, a partir de uma melhor compreensão da doutrina social da Igreja – cujo valor é também relatado na Reunião pré-sinodal (cf. RP 3) – e da ecologia integral; favorecer o amadurecimento de uma espiritualidade da justiça, valorizando a ajuda que a Bíblia oferece para a interpretação da dinâmicas sociais; apoiar percursos de mudança dos estilos de vida que focalizem a importância dos gestos diários sem perder de vista a abertura para a dimensão estrutural e institucional.
158. Além disso, os jovens geralmente são muito sensíveis à luta contra a corrupção e à questão das discriminações. De maneira particular, a Reunião pré-sinodal afirma com convicção que «A Igreja pode ter um papel vital na certificação de que esses jovens não sejam excluídos, mas que se sintam aceitos» (RP 5), indicando como primeiro âmbito de compromisso a promoção da dignidade das mulheres. Sociedades cada vez mais multiculturais, marcadas por fenómenos migratórios ou pela presença de minorias étnicas, culturais ou religiosas, requerem a predisposição de percursos que ajudem a combater os preconceitos e a superar as diferentes formas de discriminação racial ou de casta.
159. Ainda no que diz respeito ao compromisso social e civil, o percurso pré-sinodal também destacou alguns âmbitos aos quais dar atenção. O primeiro é o dos jovens inseridos nas forças armadas e policiais, que devem ser ajudados a apropriar-se de alguns valores e a integrar a dimensão, implícita em sua função, do serviço à população e que é evidenciada por algumas circunstâncias em particular (missões de paz, desastres naturais, etc.). Um segundo âmbito é o dos jovens que realizam experiências de serviço em tempo integral, que no mundo assumem nomes diferentes (serviço civil, ano sabático, ano de voluntariado social, etc.); como enfatizado pela Reunião pré-sinodal, estes são, muitas vezes, o período propício para o discernimento sobre o próprio futuro (cf. RP 15). Deve-se evitar o risco de considerar os jovens envolvidos nessas experiências como mão-de-obra barata a quem confiar as tarefas que ninguém quer ou pode fazer.
Aprender a habitar o mundo digital
160. Tanto várias Conferências Episcopais como a Reunião pré-sinodal reconhecem a necessidade de abordar a questão do acompanhamento a um uso consciente das tecnologias digitais. A Reunião pré-sinodal sugeriu um caminho: «Primeiramente, a Igreja, comprometendo-se com um diálogo com os jovens, deveria aprofundar sua compreensão da tecnologia de modo a poder ajudar-nos a ponderar o seu uso. Além disso, a Igreja deveria considerar a tecnologia – em particular a Internet – como um terreno fértil para a Nova Evangelização. […] Em segundo lugar, a Igreja deveria voltar sua atenção para a crise generalizada da pornografia, incluindo os abusos de menores na rede, o cyberbullying e os prejuízos que isso traz para a humanidade» (RP 4).
161. Muitas Conferências Episcopais reconhecem as potencialidades da Internet como instrumento de contacto pastoral, bem como de orientação vocacional, em particular onde, por várias razões, a Igreja tem dificuldades em alcançar os jovens com outros meios. Nesse sentido, as competências dos nativos digitais devem ser aproveitadas também dentro da Igreja. Não se pode, por outro lado, ainda considerar que as redes sociais e o universo digital não sejam apenas ferramentas a serem utilizadas para a pastoral, nem uma realidade virtual a ser contraposta àquela real, mas constituem um lugar de vida com uma cultura própria que precisa ser evangelizada. Pensemos apenas no campo dos “videojogos”, que em alguns países representa um grande desafio para a sociedade e para a Igreja, pois molda nos jovens uma visão discutível do ser humano e do mundo, que nutre um estilo relacional baseado na violência.
A música entre interioridade e afirmação da identidade
162. Entre todas as linguagens artísticas, a música está particularmente relacionada à dimensão da escuta e da interioridade. O seu impacto na esfera emotiva pode representar uma oportunidade de formação para o discernimento. Além do mais, a escolha de géneros e músicos que são ouvidos é um dos elementos que definem a identidade, sobretudo social, dos jovens. Abre-se um espaço para uma produção musical que ajuda no desenvolvimento da espiritualidade. Há também a necessidade de cuidar do canto e da música dentro da vida e do caminho de fé da comunidade, como já ocorre em alguns contextos. Alguns jovens são atraídos pela qualidade da música de diferentes tradições cristãs (como o canto gregoriano, o monaquismo ortodoxo ou o gospel). Por vezes, porém, as propostas que imitam as linguagens musicais contemporâneas mais comerciais não favorecem a reflexão e a escuta interior. Algumas Conferências Episcopais notam que as propostas de outras confissões e religiões são atraentes para os jovens, incluindo os católicos, em virtude de uma linguagem mais simples e imediata, graças à «música viva e de alta qualidade».
163. Uma atenção especial também deve ser dada aos grandes eventos musicais: deveriam ser promovidas as ocasiões para redescobrir o valor autenticamente festivo e socializante da música, a partir de produções que os próprios jovens reconheçam como sendo de qualidade. As JMJ e os grandes eventos nacionais ou regionais podem representar a proposta de um modo alternativo de entender grandes eventos, ao integrar a música numa programação de encontro eclesial entre os jovens.
164. Ao considerar a influência do desporto, muitas Conferências Episcopais sugerem a necessidade de aprimorá-lo do ponto de vista educativo e pastoral. O cuidado e a disciplina do corpo, o trabalho de equipa que aumenta a colaboração, o valor da integridade e do respeito pelas regras, a importância do espírito de sacrifício, generosidade, sentimento de pertença, paixão, criatividade, tornam o desporto uma oportunidade promissora para percorrer um verdadeiro caminho de unificação pessoal. Sucesso e fracasso desencadeiam dinâmicas emocionais que podem se tornar ‘academias’ do discernimento. Para que isso ocorra, é necessário que sejam propostas aos jovens experiências de uma competição saudável, que fujam da ideia do sucesso a todo custo, e que permitam transformar a fadiga do treino numa oportunidade de maturidade interior. É necessário, portanto, que os clubes desportivos – e isto se aplica especialmente àqueles relacionados à Igreja – escolham ser autênticas e abrangentes comunidades educativas, e não apenas centros que prestam serviços. Por isso, é fundamental apoiar a sensibilização do papel educativo de treinadores, técnicos e dirigentes, e cuidar da sua formação contínua. Para além da esfera estritamente competitiva, seria conveniente pensar em novas configurações de lugares educativos que contribuam para fortalecer o reconhecimento recíproco, o tecido social e as relações comunitárias, especialmente em âmbito intercultural.
A amizade e o acompanhamento entre coetâneos
165. É importante reconhecer o grupo de coetâneos como um instrumento de emancipação do contexto familiar, de consolidação da identidade e de desenvolvimento de competências relacionais. As oportunidades de crescimento na amizade são muito importantes, como os momentos partilhados de tempo livre ou férias, além das ocasiões que permitem aos jovens tornar-se, por sua vez, acompanhadores de seus pares ou de quem é ainda mais jovem, descobrindo a beleza da responsabilidade e o gosto do serviço. A relação de comunidade, a partilha das referências, a facilidade de se identificar no outro e de comunicar são a base para o sucesso das iniciativas de educação de peer education, e das “comunidades de aprendizagem” que nascem delas. Em particular, elas são úteis quando dizem respeito a questões em que a palavra dos adultos seria mais distante, menos convincente (sexualidade, prevenção das dependências, etc.) e, portanto, menos capaz de produzir uma mudança nos comportamentos.
Proximidade e apoio na dificuldade e na marginalização
166. Na vida de muitos jovens, a dor marca o corpo e também a alma de modo imprevisível e incompreensível. Doenças e insuficiências mentais, sensoriais e físicas podem, por vezes, acabar com a esperança e transformar a afetividade e a sexualidade em uma fonte de sofrimento. Como relatou um jovem portador de deficiência em sua contribuição para o caminho pré-sinodal «nunca estamos preparados para viver com uma deficiência: ela faz com que nos perguntemos sobre nossa vida, convida-nos a questionarmo-nos sobre a nossa finitude». Até os jovens que vivem nessas situações são chamados a descobrir como recusar a chamada à alegria e à missão – «como é possível levar a alegria do Evangelho quando o sofrimento está na ordem do dia?» – e a descobrir suas forças interiores: «Chorar pode ser um direito, mas lutar e amar são os meus deveres». Estes jovens contam com a ajuda de seus pares, mas ensinam seus amigos a enfrentar o limite, ajudando-os a crescer na humanidade. Particularmente benéficos são os movimentos e comunidades que sabem como integrar os jovens portadores de alguma deficiência e doença, apoiando suas famílias e aumentando a contribuição que estes podem dar aos outros jovens e a todos. É inesgotável a criatividade com a qual a comunidade animada pela alegria do Evangelho pode tornar-se uma alternativa à dificuldade social. Por exemplo, em alguns contextos, principalmente africanos, na pastoral juvenil são desenvolvidas atividades inovadoras de integração dos jovens portadores de HIV ou que sofrem de SIDA.
Dependências e outras fragilidades
167. O uso de drogas, álcool e outras substâncias que alteram os estados de consciência, bem como outras antigas e novas dependências, escravizam muitos jovens e ameaçam suas vidas. Alguns deles, imersos em tais situações de dificuldade, podem, no entanto, aproveitar a boa oportunidade de um recomeço, também graças à chegada em instituições como casas de acolhimento, comunidades educativas ou recuperação. Esses jovens precisam ser acompanhados para reconhecer seus erros e discernir como orientar os próprios passos para outra direção, bem como ser apoiados para enfrentar a reintegração num contexto social que muitas vezes tende a estigmatizá-los e a segregá-los. O compromisso de algumas instituições eclesiais nesse sentido é notável e merece ser sustentado pelas comunidades cristãs como um todo, superando a tentação do encerramento das atividades. A formação dos operadores e voluntários envolvidos nessas estruturas é de grande importância, também do ponto de vista espiritual. Esse compromisso, no entanto, não pode dispensar a promoção de uma cultura da prevenção nem deixar de posicionar-se enquanto Igreja no combate aos narcotraficantes e àqueles que especulam com os mecanismos de dependência.
168. A recuperação dos jovens presos exige envolvê-los em projetos personalizados, estimulando, por meio de uma ação educativa, a releitura das experiências passadas, o reconhecimento de erros cometidos, a reconciliação com os traumas sofridos e a aquisição de competências sociais e laborais, na perspetiva da reintegração. As dimensões espiritual e religiosa podem desempenhar um papel de grande importância e a Igreja é grata àqueles que trabalham para torná-la presente nesses contextos (capelães prisionais, voluntários, etc.), desempenhando um papel de acompanhamento para com os presos. Aliás, eles pedem para descobrir como o Sínodo pode envolver e dar esperança também aos jovens prisioneiros. Não deve ser diminuída, por fim, a importância da formação, humana e profissional, e do acompanhamento daqueles que trabalham dentro do sistema penitenciário (guardas prisionais, psicólogos, educadores, etc.), que enfrentam situações de extrema complexidade e dificuldade.
Em situações de guerra e violência
169. No mundo são inúmeros os jovens que vivem em situações de guerra ou conflito armado de diversas intensidades. Alguns são recrutados à força ou manipulados em grupos paramilitares ou ainda em bandos armados, enquanto algumas jovens mulheres são raptadas e abusadas. Aqueles que sobrevivem sofrem várias consequências psicológicas e sociais. Em geral, tornar-se adulto em contextos de grande violência representa um obstáculo ao amadurecimento pessoal, e requer um esforço educativo e um acompanhamento específico, especialmente para poder reconstruir as próprias capacidades relacionais e superar os traumas sofridos. São elementos a serem levados em consideração também nos caminhos de discernimento vocacional, pois a chamada à alegria também é dirigida a esses jovens. Igualmente importantes são os caminhos da reconciliação a nível local ou nacional, pois oferecem um contexto no qual as vidas dos jovens que sofreram violências, até brutais, podem redescobrir e oferecer energias preciosas para superar divisões, rancores e vinganças.
Jovens migrantes e a cultura do acolhimento
170. O aumento contínuo do número de migrantes e refugiados e, em particular, a condição das vítimas do tráfico e da exploração, requerem a abertura de caminhos para proteger juridicamente a sua dignidade e capacidade de ação e, ao mesmo tempo, a promoção de percursos de integração na sociedade em que chegam. Por isso, as iniciativas de vários organismos eclesiais e o envolvimento de toda a comunidade cristã são de fundamental importância. O acompanhamento dos jovens migrantes, de primeira e segunda gerações, para encontrar o próprio caminho para a alegria e a possibilidade de contribuir para o desenvolvimento da sociedade representa um desafio peculiar em termos de acompanhamento para o discernimento vocacional, pois precisa também abordar a dimensão da interculturalidade. Com grande delicadeza e atenção também deverão ser acompanhados os percursos dos casais mistos do ponto de vista cultural e também religioso, e aqueles que, vindo das rotas migratórias, se sentem chamados ao sacerdócio ministerial ou à vida religiosa. Nos contextos que veem a presença de diferentes culturas dentro da comunidade cristã, toda a pastoral, portanto também a juvenil, é chamada a evitar formas de segregação e a promover reais ocasiões de encontro.
171. Infelizmente, ocorre com frequência a experiência da morte dos jovens, bem como a de jovens que cometeram assassinatos. Nesse campo, a maternidade da Igreja e sua capacidade de ouvir e acompanhar são decisivas. A morte é, por vezes, o ponto de chegada do fracasso de um mundo, de uma sociedade e de uma cultura que ilude, explora e, por fim, descarta os jovens; outras vezes, há o encontro traumático com o limite da vida humana pela experiência da doença e do mistério da dor; há também a experiência perturbadora do suicídio juvenil, que cria em muitos feridas difíceis de curar; em outras situações, a morte dos jovens por causa de sua fé, um verdadeiro martírio, torna-se um testemunho profético e fecundo de santidade. Seja como for, a morte, especialmente a dos jovens, torna-se uma fonte de questões mais profundas para todos. Se para a Igreja esta experiência é sempre motivo de um renovado confronto com a morte e a ressurreição de Jesus, do ponto de vista pastoral algumas Conferências Episcopais perguntam-se como a morte dos jovens pode tornar-se motivo de anúncio e convite a todos para a conversão.
172. Quem está envolvido nos muitos âmbitos sociais, educativos e pastorais em que há o acompanhamento pode testemunhar como cada um dos jovens traga consigo de forma indelével a imagem do Criador e como o Espírito fale no coração de cada um deles, mesmo quando não são capazes ou não estão dispostos a reconhecê-lo. A Igreja é chamada a colaborar na obra de Deus, iniciando caminhos que ajudem os jovens a assumir a vida como um dom e a lutar contra a cultura do descarte e da morte. Este compromisso é parte integrante da missão do anúncio da Igreja: «A proposta é o Reino de Deus (cf. Lc 4,43) [...]. Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos» (EG 180). Precisamente por isso, a Igreja não pode aceitar ser apenas uma ONG ou uma instituição filantrópica: os seus membros não podem evitar confessar o nome de Jesus (cf. EN 22), tornando o seu trabalho um sinal eloquente de Seu amor que partilha, acompanha, perdoa.
173. Cada acompanhamento é uma forma de propor a chamada à alegria e pode assim tornar-se o terreno adequado para anunciar a Boa Nova da Páscoa e promover o encontro com Jesus morto e ressuscitado: um querigma «que exprima o amor salvífico de Deus como prévio à obrigação moral e religiosa, que não imponha a verdade, mas faça apelo à liberdade, que seja pautado pela alegria, o estímulo, a vitalidade e uma integralidade harmoniosa» (EG 165). Ao mesmo tempo, todo serviço de acompanhamento é uma oportunidade de crescimento na fé para aqueles que o fazem e para a comunidade a que pertence. Por essa razão, o principal requisito de um bom acompanhador é ter experimentado pessoalmente “a alegria do amor”, que desmascara a falsidade das gratificações mundanas e preenche o coração com o desejo de comunicá-lo aos outros.
174. Esta inquietude evangélica preserva da tentação de culpar os jovens pelo seu afastamento da Igreja ou de reclamar disso, para falar, como fazem algumas Conferências Episcopais, de uma “Igreja longe dos jovens” chamada a empreender caminhos de conversão, sem fazer recair sobre os outros suas próprias faltas de ímpeto educativo e de timidez apostólica. Superar a “síndrome de Jonas” permanece ainda, em muitos aspectos, uma meta (cf. GE 134). Enviado para anunciar aos habitantes de Nínive a misericórdia de Deus, o profeta foge porque seu coração não partilha a intenção que anima o coração de Deus. A verdadeira questão que a história de Jonas põe em evidência é a da evangelização dos evangelizadores e da qualidade cristã da comunidade dos fiéis, porque somente uma comunidade evangelizada pode evangelizar.
Uma comunidade evangelizada e evangelizadora
Uma ideia evangélica de comunidade cristã
175. Durante o Seminário Internacional foi esclarecido que a experiência da comunidade continua a ser essencial para os jovens: se por um lado eles têm «alergia às instituições», por outro, estão à procura de relacionamentos significativos em «comunidades autênticas» e de contactos pessoais com «testemunhas radiantes e coerentes» (cf. RP 1.5.10). Várias Conferências Episcopais expressaram o desejo de que o Sínodo reafirme a natureza aberta e inclusiva da Igreja, chamada a acompanhar os jovens na perspetiva da preservação tanto da integridade do anúncio como da gradatividade da proposta, respeitando assim os ritmos do amadurecimento da sua liberdade, que se constitui num acontecimento histórico concreto e quotidiano. Seguindo o exemplo de Jesus, «o primeiro e o maior evangelizador» (EN 9; EG 12), a comunidade de fiéis também é chamada a sair e encontrar os jovens onde quer que estejam, reacendendo seus corações e caminhando com eles (cf. Lc 24,13-35).
176. O risco de fechar-se numa pertença elitista e julgadora já foi uma grande tentação presente no círculo dos discípulos de Jesus. Por isso o Senhor louva a fé da mulher sirofenícia, que mesmo não pertencendo ao povo eleito, manifesta uma grande fé (Mt 15, 22-28); repreende duramente os discípulos que gostariam de fazer cair fogo para consumir os samaritanos que não acolhem a sua passagem (Lc 9, 51-55); declara que a pertença ao povo eleito e a observância legal não oferecem acesso automático à salvação (Lc 18, 10-14); mostra que a experiência da distância pode ser uma premissa de uma comunhão renovada e a vida na casa do Pai, uma experiência que nos torna incapazes de amar (Lc 15,11,32). Assim, enquanto Pedro nega por três vezes o amado Mestre e Judas o trai, o centurião romano reconhece-o por primeiro como o Filho de Deus (Mc 15, 39). A comunidade cristã é chamada a sair da presunção de “ver” com seus próprios olhos (cf. Jo 9:41) e de julgar com critérios diferentes daqueles que vêm de Deus.
177. Como já mencionado pelo Documento preparatório «em relação ao passado, devemos habituar-nos a percursos de aproximação da fé sempre menos padronizados e mais atentos às características pessoais de cada um» (DP III, 4). A comunidade cristã vive assim de variados níveis de pertença, reconhece com gratidão os pequenos passos de cada um e tenta valorizar a semente da graça presente em todos, oferecendo respeito, amizade e acompanhamento, pois «um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades» (EG 44; AL 305). Os próprios jovens, portanto, com suas experiências de vida fragmentadas e seus caminhos incertos de fé, ajudam a Igreja a assumir a própria forma natural de poliedro (cf. EG 236).
Uma experiência familiar de Igreja
178. Um dos resultados mais frutíferos da renovada atenção pastoral à família vivida nos últimos anos foi a redescoberta do caráter familiar da Igreja. A afirmação de que Igreja e paróquia são «família de famílias» (cf. AL 87.202) é forte e indicativa em relação à sua forma. Referimo-nos aos estilos relacionais, nos quais a família é a matriz da própria experiência da Igreja; a modelos formativos de natureza espiritual que tocam os afetos, criam vínculos e convertem o coração; a percursos educativos que envolvem a difícil e entusiasmante arte do acompanhamento das jovens gerações e das próprias famílias; à qualificação das celebrações, porque na liturgia se manifesta o estilo de uma Igreja convocada por Deus para ser sua família. Muitas Conferências Episcopais desejam superar a dificuldade em viver relacionamentos significativos na comunidade cristã e pedem que o Sínodo ofereça elementos concretos nesse sentido. Uma Conferência Episcopal afirma que «em meio a uma vida barulhenta e caótica, muitos jovens pedem à Igreja que seja uma casa espiritual». Ajudar os jovens a unificar suas vidas continuamente ameaçadas pela incerteza, pela fragmentação e pela fragilidade é hoje decisivo. Para muitos jovens que vivem em famílias frágeis e desfavorecidas, é importante que eles percebam a Igreja como uma verdadeira família capaz de “adotá-los” como seus próprios filhos.
O cuidado pastoral para as jovens gerações
179. Muitas Conferências Episcopais têm percebido de modo claro a íntima ligação entre evangelização e educação, bem desenvolvida por muitos institutos de vida consagrada masculinos e femininos que, por séculos, focam neste binômio e oferecem a toda a Igreja uma experiência fecunda de pastoral juvenil caracterizada por uma forte atenção aos percursos educativos. Tantas respostas das Conferências Episcopais indicam que diferentes comunidades cristãs e muitos pastores têm pouca sensibilidade educativa. Uma das quais afirma que em muitas situações «os jovens não estão no coração de muitos Bispos, sacerdotes e religiosos». Quando uma comunidade de fiéis está ciente da sua tarefa educativa e se apaixona por ela, pode libertar forças espirituais e materiais que concretizam uma verdadeira “caridade educativa”, capaz de colocar no campo insuspeitas energias e paixão para com as jovens gerações.
180. É importante fazer uma menção especial à realidade do oratório ou de atividades pastorais similares, que veem a Igreja como sujeito que propõe uma experiência que em vários contextos representa, como diz uma Conferência Episcopal, «o cuidado específico de uma comunidade cristã com as gerações mais jovens. Os seus instrumentos são os mais diversos e passam pela criatividade de uma comunidade educativa que sabe se colocar a serviço, tem uma visão prospetiva da realidade e sabe confiar no Espírito Santo para agir de maneira profética». Onde há o oratório, as jovens gerações não são esquecidas e assumem um papel central e ativo na comunidade cristã. Algumas Conferências Episcopais esperam do Sínodo um renascimento dessa experiência.
A família, sujeito privilegiado da educação
181. No que diz respeito ao vínculo entre a pastoral juvenil e a família, será importante analisar, numa perspetiva sinodal, o capítulo VII da Amoris Laetitia dedicado ao tema da educação dos filhos, que merece uma valorização pastoral mais adequada. É evidente que «a família é a primeira escola dos valores humanos, onde se aprende o bom uso da liberdade» (AL 274). Os próprios jovens, durante a Reunião pré-sinodal, afirmaram claramente que, entre os lugares que ajudam no desenvolvimento da própria personalidade, a família ocupa uma posição privilegiada (cf. RP 1). Várias Conferências Episcopais perceberam que investir as energias para formar boas famílias não significa diminuir os esforços dedicados aos jovens. Portanto, a predileção e o compromisso em relação aos jovens são chamados a abrir-se decisivamente à pastoral da família.
182. Muitas Conferências Episcopais pedem ao Sínodo que aprofunde o papel indispensável da família como agente pastoral ativo no acompanhamento e no discernimento vocacional das crianças. Muitas outras pedem uma ajuda para qualificar o acompanhamento dos jovens durante o período do noivado, na preparação imediata para o matrimónio, bem como na fase posterior à celebração do sacramento. Os dados das Conferências Episcopais mostram um panorama de situações muito contrastantes sobre o papel da família em relação ao tema sinodal. Entre os países mais secularizados, em geral, como diz uma Conferência Episcopal, «a maioria das famílias católicas não está “ativamente” ou “intencionalmente” envolvida no discernimento vocacional de seus filhos, e algumas se opõem de modo contundente». Em outros contextos, por outro lado, onde a dimensão comunitária da fé é mais viva, a família desempenha um papel dinâmico e proativo.
À escuta e em diálogo com o Senhor
183. Muitas Conferências Episcopais, ao apresentar as suas “boas práticas”, têm favorecido a escuta e o diálogo com Deus: dias de retiro, exercícios espirituais, momentos de folga das rotinas diárias, peregrinações nacionais e diocesanas, experiências partilhadas de oração. Santuários, centros de espiritualidade e casas de exercícios espirituais, onde haja uma sensibilidade para o acolhimento e o acompanhamento dos jovens, têm uma ótima capacidade de atração em várias partes do mundo. Uma Conferência Episcopal afirma: «Sabemos que o sucesso não vem de nós mesmos, mas de Deus e, por isto, procuramos mostrar aos jovens que a oração é uma alavanca que muda o mundo». Nos momentos de confusão, muitos jovens percebem que somente a oração, o silêncio e a contemplação oferecem o «horizonte de transcendência» adequado, dentro do qual é possível amadurecer escolhas autênticas. Eles percebem que somente junto de Deus é possível assumir uma posição com a verdade e afirmam que «o silêncio é onde podemos ouvir a voz de Deus e discernir a Sua Vontade para nós» (RP 15).
184. Na oração, que por vezes pode ser uma experiência de “luta espiritual” (cf. GE 159-165), aprimora-se a própria sensibilidade ao Espírito, educa-se à capacidade de compreender os sinais dos tempos e obtém-se a força de agir a fim de que o Evangelho possa ser encarnado novamente hoje. No cuidado da vida espiritual, experimenta-se a fé como uma relação pessoal de felicidade com Jesus e como um dom pelo qual lhe devemos estar gratos. Não é à toa que a vida contemplativa desperta admiração e estima nos jovens. É evidente, portanto, que na qualidade espiritual da vida comunitária encontram-se grandes oportunidades para aproximar os jovens da fé e da Igreja e acompanhá-los em seu discernimento vocacional.
185. As experiências pastorais de maior eficácia evangelizadora e educativa apresentadas por muitas Conferências Episcopais põem no centro o confronto com a força da Palavra de Deus em relação ao discernimento vocacional: Lectio divina, escolas da Palavra, catequeses bíblicas, estudo da vida dos jovens presentes na Bíblia, uso de ferramentas digitais que facilitam o acesso à Palavra de Deus são práticas de sucesso entre os jovens. Para muitas Conferências Episcopais, a renovação da pastoral passa pela sua qualificação bíblica e, por isso, pedem ao Sínodo reflexão e propostas. Em territórios onde há outras Igrejas ou comunidades cristãs, várias Conferências Episcopais apontam o valor ecuménico da Bíblia, que pode gerar convergências significativas e projetos pastorais partilhados.
186. Já Bento XVI, como resultado do Sínodo sobre a Palavra de Deus, pediu a toda a Igreja que «se incremente a “pastoral bíblica”, não em justaposição com outras formas da pastoral, mas como animação bíblica da pastoral inteira» (VD 73). Após ter afirmado que «a tua palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho» (Sal 119,105), o salmista pergunta-se: «Com que purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a tua palavra» (Sal 119,9).
O gosto e a beleza da liturgia
187. Uma Conferência Episcopal afirma que os jovens «não vêm à igreja para encontrar algo que poderiam obter em outros lugares, mas buscam uma experiência religiosa autêntica e até radical». Muitas respostas ao questionário indicam que os jovens são sensíveis à qualidade da liturgia. De forma provocativa, a Reunião pré-sinodal afirma que «os cristãos professam um Deus vivo, mas não obstante a isso, encontramos celebrações e comunidades que parecem mortas» (RP 7). No que se refere à linguagem e à qualidade das homilias, uma Conferência Episcopal aponta que «os jovens sentem falta de uma sintonia com a Igreja», e acrescenta: «Parece que não compreendemos o vocabulário e, portanto, também as necessidades dos jovens». Informações valiosas a esse respeito encontram-se na Evangelii gaudium 135-144.
188. Considerando que «a fé tem uma estrutura sacramental» (LF 40), algumas Conferências Episcopais pedem que se desenvolva o vínculo genético entre fé, sacramentos e liturgia na conceção de percursos das pastorais juvenis, a partir da centralidade da Eucaristia «fonte e centro de toda a vida cristã» (LG 11) e «fonte e coroa de toda a evangelização» (PO 5). Tantas Conferências Episcopais garantem que onde a liturgia e a ars celebrandi são bem-feitas há sempre uma presença significativa de jovens ativos e partícipes. Considerando que na sensibilidade juvenil não são os conceitos que falam, mas as experiências, não as noções, mas as relações, algumas Conferências Episcopais observam que as celebrações eucarísticas e outros momentos litúrgicos – frequentemente considerados pontos de chegada – podem tornar-se um lugar e uma ocasião para um renovado primeiro anúncio aos jovens. As Conferências Episcopais de alguns países testemunham a eficácia da “pastoral dos ministrantes” para fazer com que os jovens experimentem o espírito da liturgia; contudo, será oportuno refletir sobre como oferecer uma adequada formação litúrgica a todos os jovens.
189. Também merece atenção o tema da piedade popular que em vários contextos oferece aos jovens um acesso privilegiado à fé, tanto por estar relacionada à cultura e às tradições locais, como por valorizar a linguagem do corpo e dos afetos, elementos que dificilmente encontram espaço na liturgia.
190. Várias Conferências Episcopais interrogaram-se, a começar pelo tema do Sínodo, sobre os percursos catequéticos em andamento na comunidade cristã. A catequese nem sempre goza de boa reputação entre os jovens, pois lembra a muitos deles «um percurso obrigatório e não escolhido na infância» (QoL). Ao dar atenção à necessária e natural continuidade com a pastoral dos adolescentes e jovens, algumas Conferências Episcopais pedem para rever as formas gerais da oferta catequética, verificando assim a sua validade para as novas gerações.
191. Um Dicastério Vaticano convida-nos a evitar a oposição entre a catequese experiencial e a conteudista, pois a experiência da fé já é uma abertura de conhecimento para a verdade e, por sua vez, o caminho da interiorização dos conteúdos da fé conduz a um encontro vital com Cristo. Neste ciclo originário, a comunidade eclesial desempenha um papel insubstituível de mediação.
192. Algumas Conferências Episcopais e os próprios jovens aconselham a seguir na catequese o “caminho da beleza”, valorizando o imenso património artístico e arquitetónico da Igreja, o contacto autêntico com a criação de Deus e o encanto da liturgia da Igreja em todos os seus aspectos e ritos. Há experiências bem-sucedidas de catequese com jovens. Apresentam-se, geralmente, como um itinerário experiencial de encontro vivo com Cristo, que se torna uma fonte de unidade dinâmica entre a verdade do Evangelho e a própria experiência de vida. Deste modo, criam-se condições para o desenvolvimento de uma fé forte, que se concretiza num empenho missionário.
193. Em alguns contextos, a catequese é realizada dentro dos percursos escolares e, portanto, o ensino da religião é de grande importância para o amadurecimento vocacional dos jovens. Tudo isso convida o Sínodo a refletir sobre a relação entre a escola e a comunidade cristã em termos de aliança educativa.
Acompanhar os jovens rumo ao dom gratuito de si
194. Inúmeras experiências apresentadas no final das respostas ao questionário do Documento preparatório referem-se a práticas nas quais os jovens são acompanhados na lógica de uma “fé em ação” que se realiza no serviço da caridade. Uma Igreja que serve é uma Igreja madura que atrai os jovens, pois testemunha a sua vocação à imagem de Cristo que, «sendo rico, Se fez pobre por vós» (2Cor 8,9). Nas respostas de muitas Conferências Episcopais, a relação delineada em vários parágrafos do Documento preparatório entre as experiências de serviço gratuito e o discernimento vocacional foi bem compreendida e desenvolvida. Os próprios jovens frisam que «períodos de serviço dentro dos movimentos e obras de caridade dão aos jovens a experiência de missão e espaço para o discernimento» (RP 15). Inúmeros são, no Questionário online, os testemunhos de jovens que redescobriram a vida de fé graças a experiências de serviço e em contacto com a “Igreja que serve”. Por outro lado, a Igreja poderá renovar os seus dinamismos de serviço, confrontando as necessidades dos jovens que se aproximam de um estilo transparente, desinteressado e não assistencial. Em síntese, um Dicastério Vaticano convida-nos a promover uma renovada “cultura da gratuidade”.
195. Para muitos jovens, o “voluntariado internacional” é capaz de aliar a sensibilidade à solidariedade com o sonho de viajar e de descobrir outras culturas e mundos desconhecidos: trata-se também de um lugar de encontro e de colaboração com jovens não-crentes e os distantes da Igreja. O “voluntariado missionário”, cuidado e desenvolvido em muitos países e por vários institutos de vida consagrada masculinos e femininos, é um dom precioso que a Igreja pode oferecer a todos os jovens: a preparação, o acompanhamento e a renovação de uma experiência missionária numa perspetiva vocacional são âmbitos privilegiados para o discernimento vocacional dos jovens.
Comunidade aberta e acolhedora para todos
196. A Reunião pré-sinodal contou com a participação não só de jovens católicos, mas também de jovens de outras confissões cristãs, de outras religiões e até mesmo de não-crentes. Foi um sinal de que os jovens acolheram com gratidão, pois tal facto mostrou o rosto de uma Igreja hospitaleira e inclusiva, capaz de reconhecer a riqueza e a contribuição que cada um pode trazer para o bem comum. Sabendo que a fé autêntica não pode gerar uma atitude de presunção para com os outros, os discípulos do Senhor são chamados a valorizar todos os rebentos bons presentes em cada pessoa e em cada situação. A humildade da fé ajuda a comunidade dos fiéis a deixar-se instruir também por pessoas de diferentes posições ou culturas, na lógica de um benefício recíproco em que elas dão e recebem.
197. Por exemplo, no Seminário Internacional, alguns peritos indicaram como o fenómeno migratório possa tornar-se uma oportunidade para um diálogo intercultural e para a renovação de comunidades cristãs em risco de involução. Alguns jovens LGBT, por meio das várias contribuições enviadas à Secretaria do Sínodo, desejam «beneficiar-se de uma maior proximidade» e experimentar uma atenção maior por parte da Igreja, enquanto algumas Conferências Episcopais perguntam-se sobre o que propor «aos jovens que em vez de formar casais heterossexuais decidem constituir casais homossexuais e, acima de tudo, desejam estar perto da Igreja».
O diálogo ecuménico e inter-religioso, que em alguns países assume as características de uma real prioridade para os jovens, nasce e cresce em um clima de respeito recíproco e de abertura natural de uma comunidade que se envolve «com mansidão e respeito, conservando boa consciência» (1Pe 3,16). Até mesmo o diálogo com os não-crentes e com o mundo secular como um todo é, em alguns contextos, decisivo para os jovens, especialmente nos âmbitos académico e cultural, nos quais por vezes se sentem discriminados em nome da fé que professam: iniciativas como a “Cátedra dos não-crentes” e o “Átrio dos Gentios” são de grande interesse para as jovens gerações, porque as ajudam a integrar a sua fé no mundo em que vivem e também a assumir uma modalidade de diálogo aberto e de confronto fecundo entre diferentes posições.
Animação e organização da pastoral
198. Para acompanhar os jovens no seu discernimento vocacional não servem somente pessoas competentes, mas também estruturas adequadas de animação eficientes, eficazes e, acima de tudo, atraentes e radiantes graças ao estilo relacional e às dinâmicas fraternas que promovem. Algumas Conferências Episcopais sentem a necessidade de uma “conversão institucional”. Respeitando e integrando as nossas legítimas diferenças, reconhecemos na comunhão o caminho privilegiado para a missão, sem a qual é impossível educar e evangelizar. Torna-se cada vez mais importante, portanto, verificar enquanto Igreja, não apenas “o que” estamos a fazer para com os jovens, mas também “de que modo” estamos a fazê-lo.
199. Em nome de muitos outros, um jovem, ao responder ao Questionário online, afirma: «Queremos estar envolvidos, valorizados, sentirmo-nos corresponsáveis por aquilo que está a ser feito». Enquanto batizados, também os jovens são chamados a ser “discípulos missionários”, e importantes passos têm sido dados nessa direção (cf. EG 106). No seguimento do documento conciliar Apostolicam Actuositatem, São João Paulo II afirmou que os jovens «não devem ser considerados simplesmente como o objeto da solicitude pastoral da Igreja: são de facto e devem ser encorajados a ser sujeitos ativos, protagonistas da evangelização e artífices da renovação social» (CL 46). Eis o verdadeiro ponto de qualificação da pastoral juvenil, segundo muitas Conferências Episcopais: passar corajosamente da ação pastoral “pelos jovens” para aquela “com os jovens”.
Bento XVI convidava frequentemente os jovens a serem protagonistas da missão: «Queridos jovens, vós sois os primeiros missionários no meio dos jovens da vossa idade!» (Mensagem para a XXVIII JMJ de 2013, 18 de outubro de 2012), pois «o modo melhor de evangelizar um jovem é chegar a ele por meio de outro jovem» (QoL). Será preciso identificar os ambientes propícios para o protagonismo juvenil. Algumas Conferências Episcopais denunciam a realidade do “clericalismo” como um problema por vezes insuperável: uma delas afirma que «muitos de nossos jovens acham que a Igreja seja apenas o conjunto de ministros ordenados e de consagrados que a representam». Mudar essa perspetiva continua a ser uma meta que muitas Conferências Episcopais esperam que seja alcançada com uma tomada de posição clara por parte do Sínodo.
200. Todo o povo de Deus é o sujeito da missão cristã (cf. EG 120) e isso se dá com diferentes responsabilidades e em vários níveis de animação.
O sucessor de Pedro manifesta continuamente uma predileção pelos jovens, que eles reconhecem e apreciam. Por ser o centro da unidade visível da Igreja e pelo seu impacto universal nos meios de comunicação, o jovem é colocado numa posição de liderança que reconhece e incentiva a contribuição de todos os carismas e instituições a serviço das gerações jovens.
Muitas Conferências Episcopais oferecem um serviço central de qualidade para a pastoral juvenil, mas o sujeito privilegiado ainda permanece a Igreja particular, presidida e animada pelo Bispo junto com seus colaboradores, que promovem sinergias e aprimoram as boas experiências de comunhão entre todos aqueles que trabalham para o bem dos jovens. Se várias Conferências Episcopais afirmam que há um serviço de qualidade neste âmbito da pastoral, em algumas partes do mundo há muita improvisação e pouca organização.
Do ponto de vista do território, a paróquia, a Igreja no meio das casas, é o lugar quotidiano da pastoral e sua validade foi claramente renovada no nosso tempo (cf. EG 28). Um jovem no Questionário afirma que «onde os sacerdotes estão livres das tarefas financeiras e organizativas, podem concentrar-se no trabalho pastoral e sacramental que envolve a vida das pessoas». Se algumas Conferências Episcopais apontam a vitalidade das paróquias, para outras estas já não parecem ser um espaço adequado para os jovens, os quais se dirigem a outras experiências de Igreja que melhor compreendem a sua mobilidade, seus lugares de vida e sua busca espiritual.
A contribuição da vida consagrada
201. Muitas Conferências Episcopais exprimem a sua sincera gratidão pelas numerosas e qualificadas presenças dos consagrados em seu território que sabem “educar evangelizando e evangelizar educando” em várias formas e estilos diferentes. Os consagrados estão a viver hoje uma fase delicada: se em alguns países, especialmente no Sul do mundo, há expansão e vitalidade que são promissoras, em zonas mais secularizadas há uma redução numérica consistente e até mesmo uma crise de identidade, gerada pelo facto de que hoje a sociedade parece não ter mais nenhuma necessidade dos consagrados. Algumas Conferências Episcopais notam que a vida consagrada é um lugar específico de expressão do “génio feminino”. Por vezes, contudo, há uma incapacidade eclesial de reconhecer, dar espaço e incentivar essa criatividade única e tão necessária, bem como de evitar usos instrumentais dos diferentes carismas: isso implica uma necessária e corajosa “conversão cultural” da Igreja.
202. Convencidos de que os jovens sejam o verdadeiro recurso para o “rejuvenescimento” dos dinamismos eclesiais, a União dos Superiores Gerais pergunta: «Somos realmente sensíveis aos jovens? Compreendemos suas necessidades e expectativas? Sabemos como compreender sua exigência de fazer experiências significativas? Somos capazes de superar as distâncias que nos separam de seu mundo?» Nos lugares onde aos jovens são oferecidos escuta, acolhimento e testemunho de forma criativa e dinâmica, surgem relações e simpatias que estão a gerar frutos. Para a União dos Superiores Gerais seria oportuno a criação de um “Observatório Permanente” sobre os jovens no âmbito da Igreja universal.
203. Muitos jovens vivem e redescobrem a fé por meio da pertença convicta e ativa a movimentos e associações que lhes oferecem uma intensa vida fraterna, caminhos exigentes de espiritualidade, experiências de serviço, espaços adequados para o acompanhamento e pessoas competentes para o discernimento. Por isso a sua presença geralmente é apreciada. Onde a Igreja tem dificuldades de manter uma presença visível e significativa, os movimentos mantêm um dinamismo vital e continuam a ser uma importante fortaleza; até em outros lugares estes são uma presença positiva: o estilo comunitário e o espírito de oração, a valorização da Palavra de Deus e o serviço aos mais pobres, a pertença alegre e a reavaliação da esfera corpórea e emotiva, o engajamento ativo e o incentivo ao protagonismo são alguns dos elementos de inquestionável interesse que explicam o grande sucesso deles entre os jovens. Algumas Conferências Episcopais, embora reconheça a fecundidade de tudo isso, pedem que o Sínodo reflita e ofereça diretrizes concretas para superar a tentação da autorreferencialidade de alguns movimentos e associações, pois é necessário «tornar mais estável a participação destas agregações no âmbito da pastoral de conjunto da Igreja» (EG 104). Nessa direção, seria apropriado aprimorar os critérios oferecidos pela Iuvenescit ecclesia 18.
Redes e colaborações a nível civil, social e religioso
204. A Igreja é chamada a entrar em relação de modo decisivo com todos aqueles responsáveis pela educação dos jovens na esfera civil e social. A atual sensibilidade em relação à “emergência educativa” em curso é um património comum da Igreja e da sociedade civil e requer unidade de propósitos para recriar uma aliança no mundo adulto. “Criar rede” é um dos pontos essenciais a serem desenvolvidos no terceiro milénio. Num mundo em que a Igreja se torna cada vez mais consciente de não ser o único sujeito da sociedade, mas reconhece que é uma “minoria qualificada”, torna-se necessário aprender a arte da colaboração e a capacidade de construir relações em vista de um projeto comum. Longe de pensar que dialogar com diversos organismos sociais e civis signifique a perda da própria identidade, algumas Conferências Episcopais afirmam que a capacidade de unir recursos, e projetar juntamente com outros caminhos de renovação, ajuda toda a Igreja a assumir um autêntico dinamismo “em saída”.
205. Não apenas em nível civil e social, mas também na esfera ecuménica e inter-religiosa, algumas Conferências Episcopais testemunham que alcançar objetivos partilhados em vários aspectos – por exemplo, o âmbito dos direitos humanos, a proteção da criação, a oposição a qualquer tipo de violência e de abuso infantil, o respeito pela liberdade religiosa – ajudam os diferentes sujeitos a abrirem-se, conhecerem-se, apreciarem-se e cooperarem juntos.
206. Uma reclamação transversal por parte de muitas Conferências Episcopais é a desorganização, a improvisação e a repetição. Na Reunião pré-sinodal foi dito que «é frequente, na Igreja, a dificuldade de superar a lógica do “sempre se fez assim”» (RP 1). Por vezes, destaca-se o despreparo de alguns pastores, que não se sentem à altura de enfrentar os complicados desafios do nosso tempo e, assim, correm o risco de se fecharem em visões eclesiológicas, litúrgicas e culturais já ultrapassadas. Uma Conferência Episcopal nota que «falta muitas vezes uma mentalidade para projetar caminhos» e para várias outras seria útil perguntar-se como acompanhar as Dioceses nesse campo, dado que hoje, discorre uma Conferência, «surge a exigência de maior coordenação, diálogo, planificação e também estudo, em relação à pastoral juvenil vocacional». Outra Conferências Episcopais referem uma espécie de contraposição entre planejamento operacional e discernimento espiritual. Na realidade, um bom projeto pastoral deveria ser o fruto maduro de um autêntico caminho de discernimento no Espírito, que leva todos a adentrá-lo de modo profundo. Cada membro da comunidade é chamado a crescer na capacidade de escuta, no respeito da disciplina do conjunto que valoriza a contribuição de cada um e na arte de unir esforços em vista de uma planificação que se torne para os membros da comunidade um processo de transformação.
A relação entre eventos extraordinários e vida quotidiana
207. Diversas Conferências Episcopais ofereceram reflexões sobre a relação entre alguns “grandes eventos” da pastoral juvenil – em primeiro lugar a JMJ, e também alguns encontros de jovens internacionais, continentais, nacionais e diocesanos – e a vida quotidiana de fé dos jovens e das comunidades cristãs. Há um grande apreço pela JMJ porque, como afirma uma Conferência Episcopal, «oferece ótimas oportunidades de peregrinação, intercâmbio cultural e construção de amizades em contextos locais e internacionais». Algumas Conferências Episcopais pedem, no entanto, uma reavaliação e um aprimoramento dela: algumas consideram uma experiência muito elitista e outras desejam que ela seja mais interativa, aberta e dialógica.
208. Na Reunião pré-sinodal, os jovens perguntaram-se como «preencher a lacuna entre os grandes eventos da Igreja e a paróquia» (RP 14). Se os grandes eventos desempenham um papel significativo para muitos jovens, muitas vezes é difícil inserir no quotidiano o entusiasmo que vem da participação em iniciativas semelhantes, que correm o risco de, assim, tornar-se momentos de evasão e fuga da vida de fé ordinária. Nesse sentido, uma Conferência Episcopal relata que «os eventos internacionais podem fazer parte da pastoral juvenil ordinária, e não apenas os eventos únicos, se a relação entre estes eventos se tornar mais clara e as questões a eles subjacentes forem traduzidas em reflexão e prática na vida quotidiana pessoal e comunitária». Algumas Conferências Episcopais chamam a atenção para o perigo da ilusão de que alguns eventos extraordinários resolvam o caminho de fé e a vida cristã dos jovens: neste sentido, a atenção aos processos virtuosos, aos percursos educativos e aos itinerários de fé parece decididamente necessária. Porque, como diz outra Conferência Episcopal, «o melhor modo de proclamar o Evangelho na nossa época é vivê-lo diariamente com simplicidade e sabedoria», mostrando que é sal, luz e fermento de cada dia.
209. Uma Conferência Episcopal, como tantas outras, no que diz respeito à relação entre pastoral juvenil e pastoral vocacional, afirma: «Mesmo que haja experiências significativas a propósito, há uma forte necessidade de articular estruturalmente a pastoral juvenil e a vocacional. Além disso, há a exigência de trabalhar em conjunto com a pastoral familiar, educacional, cultural e social no que se refere à construção do projeto pessoal de vida de todo batizado». Surge de várias partes uma busca sincera por maior coordenação, sinergia e integração entre os diferentes âmbitos pastorais cujo objetivo comum é ajudar todos os jovens a alcançar a «medida da estatura completa de Cristo» (Ef 4,13). Diante da multiplicação de “escritórios” que cria uma fragmentação dos projetos e ações, da dificuldade em esclarecer as diferentes competências e da dificuldade em administrar os diferentes níveis de relacionamento, a ideia de uma “pastoral integrada”, que aposte na centralidade dos destinatários, parece ser para algumas Conferências Episcopais um rumo a ser consolidado e incrementado.
210. O elemento chave a ser alcançado nesta unidade integrada é para muitos o horizonte vocacional da existência, pois «a dimensão vocacional da pastoral juvenil não é algo que se deve propor somente no final de todo o processo ou a um grupo particularmente sensível a uma chamada vocacional específica, mas deve ser proposta constantemente ao longo de todo o processo de evangelização e de educação na fé dos adolescentes e dos jovens» (Francisco, Mensagem aos participantes no Congresso Internacional sobre o tema: «Pastoral Vocacional e Vida Consagrada. Horizontes e esperanças», 25 de novembro de 2017).
Seminários e casas de formação
211. Os jovens candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada vivem nas mesmas condições que os outros jovens: partilham os recursos e a fragilidade de seus coetâneos, em função dos continentes e dos países onde moram. Por isso, é necessário oferecer indicações adequadas às diferentes situações locais. Em termos gerais, no que diz respeito ao discernimento vocacional, algumas Conferências Episcopais identificam dois grandes problemas: o narcisismo, que tende a prender a pessoa às suas próprias exigências, e a tendência a compreender a vocação na perspetiva exclusiva da autorrealização. Ambos têm uma raiz comum numa concentração potencialmente patológica em si mesmo. Dois perigos que correm também os caminhos da formação são o individualismo centrado no sujeito autónomo, que exclui o reconhecimento, a gratidão e a colaboração em relação à ação de Deus; e o intimismo, que fecha a pessoa no mundo virtual e numa falsa interioridade, na qual a necessidade de relacionar-se com os outros e com a comunidade é eliminada (cf. PD e GE 35-62). É preciso planificar percursos formativos capazes de liberar a generosidade dos jovens em formação, fazendo-os crescer numa profunda consciência de estar a serviço do povo de Deus. É necessário, ademais, garantir equipas de formação de qualidade que interajam com as necessidades concretas dos jovens de hoje e com sua necessidade de espiritualidade e radicalidade. A organização de momentos, espaços e atividades nas casas de formação deveria viabilizar uma verdadeira experiência de vida comum e fraterna.
CONCLUSÃO
A vocação universal à santidade
212. A particularidade sintética e unificadora da vida cristã é a santidade, pois o Senhor «Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição» (LG 40). A santidade inclui, do ponto de vista qualitativo e global, todas as outras dimensões da existência de crença e da comunhão eclesial, trazidas à plenitude segundo os dons e as possibilidades de cada um. É por isso que São João Paulo II a propôs no início do terceiro milénio como uma «medida alta da vida cristã ordinária» (NMI 31). A retomada do tema na Gaudete et exsultate oferece um aprofundamento sobre a santidade no mundo contemporâneo e recorda a todos que a vontade do Senhor Jesus, «quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa» (GE 1). Tudo se resume claramente à prática da vida quotidiana: «A força do testemunho dos santos consiste em viver as bem-aventuranças e a regra de comportamento do juízo final. São poucas palavras, simples, mas práticas e válidas para todos, porque o cristianismo está feito principalmente para ser praticado» (GE 109).
A juventude, um tempo para a santidade
213. Convencidos de que «a santidade é o rosto mais belo da Igreja» (GE 9), antes de propô-la aos jovens, somos todos chamados a testemunhá-la, tornando-nos assim uma comunidade “simpática”, como referem em várias ocasiões os Atos dos Apóstolos (cf. GE 93). Somente a partir desta coerência torna-se importante acompanhar os jovens nos caminhos da santidade. Se Santo Ambrósio afirmava que «todas as idades são maduras para a santidade» (De Virginitate, 40), sem dúvida o é também a juventude! Na santidade de inúmeros jovens, a Igreja reconhece a graça de Deus que impede e acompanha a história de cada pessoa, o valor educativo dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, a fecundidade dos caminhos partilhados na fé e na caridade, a função profética destes “campeões” que muitas vezes selaram com sangue a própria identidade de discípulos de Cristo e missionários do Evangelho. Se for verdade que, como afirmaram os jovens durante a Reunião pré-sinodal, o testemunho autêntico seja a linguagem mais solicitada, a vida dos jovens santos é a verdadeira palavra da Igreja e o convite para adotar uma vida santa é o apelo mais necessário para a juventude de hoje. Um autêntico dinamismo espiritual e uma fecunda pedagogia da santidade não dececionam as aspirações profundas dos jovens: a sua necessidade de vida, amor, expansão, alegria, liberdade, futuro e até mesmo misericórdia e reconciliação. Para muitas Conferências Episcopais, continua a ser um grande desafio propor a santidade como um horizonte de sentido acessível a todos os jovens e alcançável na quotidianidade da vida.
Jovens santos e juventude dos santos
214. Jesus convida cada um de seus discípulos ao dom total da vida, sem cálculos ou interesses humanos. Os santos acolhem este exigente convite e começam a seguir, com docilidade humilde, o Cristo Crucificado e Ressuscitado. A Igreja contempla no céu da santidade uma constelação cada vez mais numerosa e luminosa de crianças, adolescentes e jovens santos e beatos que, desde as primeiras comunidades cristãs, chegam até nós. Ao invocá-los como protetores, a Igreja propõe-nos aos jovens como referências para a sua existência. Muitas Conferências Episcopais pedem a valorização da santidade juvenil por meio da educação, e os próprios jovens reconhecem que são «mais recetivos diante de “uma narrativa de vida” do que diante de um abstrato sermão teológico» (RP, Parte II, Introdução). Visto que os jovens expressam que «as histórias dos santos são muito relevantes para nós» (RP 15), torna-se importante apresentá-las de maneira apropriada à sua idade e condição.
Um lugar especial está reservado para a Mãe do Senhor, que viveu como primeira discípula de seu amado Filho e é um modelo de santidade para todo fiel. Na sua capacidade de preservar e ponderar no seu coração a Palavra (cf. Lc 2, 19.51), Maria é, para toda a Igreja, mãe e mestra do discernimento.
Também vale a pena mencionar que, ao lado dos “jovens santos”, há a necessidade de apresentar aos jovens a “juventude dos Santos”. Todos os Santos, de facto, passaram pela idade juvenil e seria útil para os jovens de hoje mostrar como os Santos viveram o tempo de sua juventude. Seria possível, assim, compreender muitas situações juvenis nem simples nem fáceis, mas nas quais Deus está presente e misteriosamente ativo. Mostrar que a Sua graça entra em ação por meio de percursos tortuosos de construção paciente de uma santidade que amadurece ao longo do tempo por vários caminhos imprevistos pode ajudar todos os jovens, sem exclusão alguma, a cultivar a esperança de uma santidade sempre possível.
ORAÇÃO PELO SÍNODO
Senhor Jesus,
a tua Igreja a caminho do Sínodo
dirige o olhar a todos os jovens do mundo.
Pedimos-te que, com coragem,
assumam a própria vida,
olhem para as realidades mais bonitas e mais profundas
e conservem sempre um coração livre.
Acompanhados por guias sábios e generosos,
ajuda-os a responder à chamada
que Tu diriges a cada um deles,
para realizar o próprio projeto de vida
e alcançar a felicidade.
Mantém aberto o seu coração aos grandes sonhos
tornando-os atentos ao bem dos irmãos.
Como o Discípulo amado,
também eles permaneçam ao pé da Cruz
para acolher a tua Mãe, recebendo-a como um dom de Ti.
Sejam testemunhas da tua Ressurreição
e saibam reconhecer-te vivo ao lado deles
anunciando com alegria que Tu és o Senhor.
Amém.
(Papa Francisco)