Documento Final do Sínodo para a Amazônia

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DOCUMENTO FINAL

 

Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica

AMAZÔNIA: NOVOS CAMINHOS PARA A IGREJA E PARA UMA ECOLOGIA INTEGRAL

 

Í N D I C E

INTRODUÇÃO.

CAPÍTULO I. AMAZÔNIA: DA ESCUTA À CONVERSÃO INTEGRAL.

A voz e o canto da Amazônia como mensagem de vida

O clamor da terra e o grito dos pobres

A Igreja na Região Amazônica

Chamados à conversão integral

 

CAPÍTULO II. NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO PASTORAL.

A Igreja em saída missionária

a. Igreja samaritana, misericordiosa, solidária

b. Igreja em diálogo ecumênico, inter-religioso e cultural

Igreja missionária que serve e acompanha os povos amazônicos

a. Igreja com rosto indígena, camponês e afrodescendente

b. Igreja com rosto migrante

c. Igreja com rosto jovem

d. Igreja que percorre novos caminhos na pastoral urbana

e. Uma espiritualidade da escuta e o anúncio

Novos caminhos para a conversão pastoral

 

CAPÍTULO III. NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO CULTURAL

O rosto da Igreja nos povos amazônicos

a. Os valores culturais dos povos amazônicos  

b. Igreja presente e aliada dos povos nos seus territórios

Caminhos para uma Igreja  inculturada

a. Experiência de fé expressa na piedade popular e a catequese inculturada

b. Mistério da fé refletido em uma teologia inculturada

Caminhos para uma Igreja Intercultural

a. Respeito às culturas e aos direitos dos povos

b. Promoção do diálogo intercultural no mundo globalizado

c. Desafios à saúde, educação e comunicação

Novos caminhos para a conversão cultural

 

CAPÍTULO IV. NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO ECOLÓGICA 

Rumo a uma ecologia integral a partir da encíclica Laudato si'

a. Ameaças contra o bioma Amazônia e seus povos

b. O desafio de novos modelos de desenvolvimento justo, solidário e sustentável

Igreja que cuida da “casa comum” na Amazônia

a. Dimensão socioambiental da evangelização

b. Igreja pobre, com e para os pobres a partir das periferias vulneráveis

Novos caminhos para a promoção ecológica integral 

a. Interpelação profética e mensagem de esperança para toda a Igreja e o mundo inteiro

b. Observatório Sócio-pastoral Amazônico

 

CAPÍTULO V. NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO SINODAL.

Sinodalidade missionária na Igreja Amazônica

a. Sinodalidade missionária de todo o Povo de Deus à luz Espírito Santo

b. Espiritualidade da comunhão sinodal à luz do Espírito Santo

c. Rumo a um estilo sinodal de viver e trabalhar na região amazônica

Novos caminhos para a ministerialidade eclesial

a. Igreja Ministerial e novos ministérios

b. Vida consagrada

c. Presença e a vez da mulher

d. Diaconato Permanente

e. Itinerários de formação inculturada

f. Eucaristia: fonte e ápice da comunhão sinodal

Novos caminhos para a sinodalidade eclesial

a. Estruturas sinodais regionais na Igreja Amazônica

b. Universidades e novas estruturas sinodais amazônicas

c. Organismo eclesial regional pós-sinodal para a região amazônica

d. Rito para os povos indígenas

CONCLUSÃO

 

Siglas

AG                Decreto Ad Gentes, Concílio Vaticano II, 1965.

AL                Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, Francisco, 2016.

DAp.             Documento da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (CELAM), Aparecida, Brasil, 2007.

DP                Documento da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (CELAM), Puebla, México, 1979.

DV                Constituição dogmática Dei Verbum, Concílio Vaticano II, 1965.

EC                Constituição Apostólica Episcopalis Communio, Francisco, 2018.

EG                Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Francisco, 2013.

Fr.PM            Discurso do Santo Padre Francisco por ocasião do “Encontro com os Povos da Amazônia”. Coliseu Madre de Dios (Puerto Maldonado, Peru), 19 de janeiro de 2018.

LS                 Carta Encíclica Laudato Si’, Francisco, 2015.

PIIV              Povos indígenas em isolamento voluntário.

PIIRC            Povos indígenas isolados e de recente contato.

RM                Carta Encíclica Redemptoris Missio, João Paulo II, 1990.

SC                 Constituição Sacrosanctum Concilium, Concílio Vaticano II, 1963.

 

INTRODUÇÃO

1.                  Aquele que está sentado no trono disse: “Eis que faço novas todas as coisas”. Depois, ele me disse: “Escreve, pois estas palavras são dignas de fé e verdadeiras”. (Ap 21,5).

 

Depois de um longo caminho sinodal de escuta do Povo de Deus na Igreja da Amazônia, inaugurado pelo Papa Francisco durante sua visita à Amazônia, em 19 de janeiro de 2018, o Sínodo foi realizado em Roma, num encontro fraterno de 21 dias, em outubro de 2019. O clima foi de trocas abertas, livres e respeitosas entre bispos, pastores da Amazônia, missionários e missionárias, leigos e leigas, e representantes dos povos indígenas da Amazônia. Fomos testemunhas participantes de um evento eclesial marcado pela urgência do tema que conclama abrir novos caminhos para a Igreja no território. Se compartilhou um trabalho sério em um clima marcado pela convicção de escutar a voz presente do Espírito Santo.

O Sínodo foi realizado em clima de fraternidade e oração. Várias vezes as intervenções foram acompanhadas por aplausos, cantos e com intervalos de silêncio contemplativo. Fora da sala sinodal, houve uma presença notável de pessoas vindas do mundo amazônico que organizaram atos de apoio em diferentes atividades, procissões, como a abertura com cantos e danças acompanhando o Santo Padre, do túmulo de Pedro à sala sinodal. Destacou-se a Via Sacra dos mártires da Amazônia, assim como uma presença maciça da mídia internacional.

2.             Todos os participantes expressaram uma profunda consciência da dramática situação de destruição que afeta a Amazônia. Isso significa o desaparecimento do território e de seus habitantes, especialmente dos povos indígenas. A floresta amazônica é um “coração biológico” para a terra cada vez mais ameaçada. Se encontra em uma corrida desenfreada para a morte. Requer mudanças radicais de suma urgência e um novo direcionamento que permita salvá-la.  Está cientificamente comprovado que o desaparecimento do bioma Amazônia trará um impacto catastrófico para o planeta!

3.             O caminho sinodal do Povo de Deus na fase preparatória envolveu toda a Igreja no território, os Bispos, os missionários e missionárias, os membros das Igrejas de outras confissões cristãs, os leigos e leigas, e muitos representantes dos povos indígenas, em torno do documento de consulta que inspirou o Instrumentum Laboris. Enfatiza a importância de escutar a voz da Amazônia, movida pelo sopro maior do Espírito Santo no grito da terra ferida e de seus habitantes. Foi registrada a participação ativa de mais de 87.000 pessoas, de diferentes cidades e culturas, assim como de numerosos grupos de outros setores eclesiais e as contribuições acadêmicas e organizações da sociedade civil nos temas centrais específicos.

4.             A celebração do Sínodo conseguiu destacar a integração da voz da Amazônia com a voz e o sentimento dos pastores participantes. Foi uma nova experiência de escuta para discernir a voz do Espírito Santo que conduz a Igreja a novos caminhos de presença, evangelização e diálogo intercultural na Amazônia. A afirmação, que surgiu no processo preparatório, de que a Igreja era aliada do mundo amazônico, foi fortemente confirmada. A celebração termina com grande alegria e esperança de abraçar e praticar o novo paradigma da ecologia integral, o cuidado da “casa comum” e a defesa da Amazônia.

CAPÍTULO I

AMAZÔNIA: DA ESCUTA À CONVERSÃO INTEGRAL

 

“Ele mostrou-me um rio de água vivificante, o qual brilhava como cristal. O rio brotava do

trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22,1).

 

5.                  Cristo aponta para a Amazônia (cf. Paulo VI, Mensagem aos peregrinos de Belém do Pará, 10.10.1971). Ele liberta todos do pecado e outorga a dignidade dos Filhos de Deus. A escuta da Amazônia, no espírito próprio do discípulo e à luz da Palavra de Deus e da Tradição, nos conduz a uma profunda conversão dos nossos planos e estruturas a Cristo e ao seu Evangelho.

A voz e o canto da Amazônia como mensagem de vida

6.                  Na Amazônia, a vida está inserida, ligada e integrada ao território, que, como espaço físico vital e nutritivo, é possibilidade, sustento e limite de vida. A Amazônia, também chamada Panamazônia, é um extenso território com uma população estimada em 33.600.000 habitantes, dos quais entre 2 e 2,5 milhões são indígenas. Esta área, composta pela bacia do rio Amazonas e todos os seus afluentes, estende-se por 9 países: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Brasil, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. A região amazônica é essencial para a distribuição das chuvas nas regiões da América do Sul e contribui para os grandes movimentos de ar ao redor do planeta; atualmente é a segunda área mais vulnerável do mundo em relação às mudanças climáticas devido à ação direta do homem.

7.                  A água e a terra desta região alimentam e sustentam a natureza, a vida e as culturas de inúmeras comunidades indígenas, camponesas, afrodescendentes (quilombolas), caboclos, assentados, ribeirinhos e habitantes dos centros urbanos. A água, fonte de vida, possui um rico significado simbólico. Na região amazônica, o ciclo da água é o eixo de interligação. Interliga ecossistemas, culturas e o desenvolvimento do território.

8.                  Na região amazônica há uma realidade pluriétnica e multicultural. Os diferentes povos souberam adaptar-se ao território. Dentro de cada cultura, construíram e reconstruíram sua cosmovisão, seus símbolos e significados, e a visão de seu futuro. Nas culturas e povos indígenas, práticas antigas e explicações míticas coexistem com tecnologias e desafios modernos. Os rostos que habitam a Amazônia são muito variados. Além dos povos originários há uma grande miscigenação nascida com o encontro e o desencontro de diferentes povos.

9.                  A busca dos povos indígenas amazônicos pela vida em abundância se concretiza no que eles chamam de “bem viver”, e que se realiza plenamente nas Bem-Aventuranças. Trata-se de viver em harmonia consigo mesmo, com a natureza, com os seres humanos e com o ser supremo, pois existe uma intercomunicação entre todo o cosmos, onde não há exclusão nem excluídos, e onde podemos criar um projeto de vida plena para todos. Tal compreensão da vida é caracterizada pela interligação e harmonia das relações entre água, território e natureza, vida comunitária e cultura, Deus e as várias forças espirituais. Para eles, “bem viver” significa compreender a centralidade do caráter relacional transcendente dos seres humanos e da criação, e implica um “bem fazer”. Este modo integral se expressa em seu próprio modo de organizar-se que parte da família e da comunidade, e que abraça o uso responsável de todos os bens da criação. Os povos indígenas aspiram alcançar melhores condições de vida, especialmente na saúde e na educação, para desfrutar do desenvolvimento sustentável protagonizado e discernido por eles mesmos; mantendo a harmonia com seus modos de vida tradicionais, dialogando com a sabedoria e a tecnologia de seus antepassados e com as novas adquiridas.

O clamor da terra e o grito dos pobres

10.              Porém, a Amazônia hoje é uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os ataques à natureza têm consequências para a vida dos povos. Essa crise socioambiental única se refletiu nas escutas pré-sinodais que sinalizaram para as seguintes ameaças contra a vida: apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água; concessões florestais e a entrada de madeireiras ilegais; caça e pesca predatórias; megaprojetos insustentáveis (hidrelétricas, concessões florestais, exploração massiva de madeira, monoculturas, estradas, hidrovias, ferrovias e projetos de mineração e petróleo); a contaminação causada pela indústria extrativista e lixões urbanos; e, sobretudo, mudança climática. São ameaças reais associadas a graves conseqüências sociais: doenças derivadas da contaminação, narcotráfico, grupos armados ilegais, alcoolismo, violência contra a mulher, exploração sexual, tráfico humano, venda de órgãos, turismo sexual, perda da cultura originária e da identidade (língua, práticas espirituais e costumes), criminalização e assassinato de lideranças e defensores do território. Por trás de tudo isso estão os interesses econômicos e políticos dos setores dominantes, com a cumplicidade de alguns governantes e algumas autoridades indígenas. As vítimas são os setores mais vulneráveis, crianças, jovens, mulheres e a irmã mãe terra.

11.              A comunidade científica, por sua vez, alerta para os riscos do desmatamento, que até o momento representa quase 17% do total da floresta amazônica, e ameaça a sobrevivência de todo o ecossistema, colocando em perigo a biodiversidade e mudando o ciclo vital da água, para a sobrevivência da floresta tropical. Além disso, a Amazônia também desempenha um papel fundamental como amortecedor das mudanças climáticas e fornece sistemas de suporte de vida fundamentais e de valor inestimável relacionados ao ar, à água, aos solos, às florestas e à biomassa. Ao mesmo tempo, especialistas recordam que, utilizando a ciência e tecnologias avançadas para uma bioeconomia inovadora de florestas em pé e rios correntes, é possível ajudar a salvar a floresta tropical, proteger os ecossistemas da Amazônia e os povos indígenas e tradicionais e, ao mesmo tempo, proporcionar atividades econômicas sustentáveis.

12.              Um aspecto a abordar é a migração. Na Amazônia, há três processos migratórios simultâneos. Em primeiro lugar, os casos em que a mobilidade dos grupos indígenas em territórios de circulação tradicional, separados por fronteiras nacionais e internacionais. Em segundo lugar, o deslocamento forçado de povos indígenas, camponeses e ribeirinhos expulsos de seus territórios, e cujo destino final tende a ser as áreas mais pobres e periféricas das cidades. Em terceiro lugar, a migração inter-regional forçada e o fenômeno dos refugiados que, obrigados a deixar seus países (entre outros, Venezuela, Haiti, Cuba) devem atravessar a Amazônia como um corredor migratório.

13.              O deslocamento de grupos indígenas expulsos de seus territórios ou atraídos pelo falso brilho da cultura urbana representa uma especificidade única dos movimentos migratórios na Amazônia. Os casos em que a mobilidade destes grupos se realiza em territórios de circulação indígena tradicional, separados por fronteiras nacionais e internacionais, exigem uma pastoral transfronteiriça capaz de compreender o direito à livre circulação destes povos. A mobilidade humana na Amazônia revela o rosto de Jesus Cristo empobrecido e faminto (cf. Mt 25,35), expulso e desabrigado (cf. Mt 2,13-14), e também na feminização da migração que torna milhares de mulheres vulneráveis ao tráfico humano, uma das piores formas de violência contra as mulheres e uma das mais perversas violações dos direitos humanos. O tráfico de pessoas ligado às migrações requer um trabalho pastoral permanente em rede.

14.              A vida das comunidades amazônicas ainda não afetadas pela influência da civilização ocidental se reflete na crença e nos ritos sobre a ação dos espíritos da divindade, chamados de inúmeras formas, com e no território, com e em relação à natureza (LS 16, 91, 117, 138, 240). Reconheçamos que durante milhares de anos cuidaram da sua terra, das suas águas e das suas florestas, e conseguiram preservá-las até hoje para que a humanidade possa beneficiar do usufruto dos dons gratuitos da criação de Deus. Os novos caminhos da evangelização devem ser construídos em diálogo com estes conhecimentos fundamentais que se manifestam como sementes da Palavra.

A Igreja na Região Amazônica

15.              A Igreja, no seu processo de escuta do clamor do território e do grito dos povos, deve fazer memória dos seus passos. A evangelização na América Latina foi um dom da Providência que chama todos à salvação em Cristo. Apesar da colonização militar, política e cultural, e além da ganância e ambição dos colonizadores, houve muitos missionários que deram suas vidas para transmitir o Evangelho. O sentido da missão não só inspirou a formação de comunidades cristãs, mas também a legislação como as Leis das Índias, que protegiam a dignidade dos indígenas contra os abusos de seus povos e territórios. Tais abusos causaram feridas nas comunidades e obscureceram a mensagem da Boa Nova. Frequentemente o anúncio de Cristo se realizou em conivência com os poderes que exploravam recursos e oprimiam as populações. No momento atual, a Igreja tem a oportunidade histórica de se diferenciar das novas potências colonizadoras, escutando os povos amazônicos para poder exercer com transparência sua atividade profética. Além disso, a crise socioambiental abre novas oportunidades para apresentar Cristo em todo o seu potencial libertador e humanizador.

16.              Uma das páginas mais gloriosas da Amazônia foi escrita pelos mártires. A participação dos seguidores de Jesus em sua paixão, morte e ressurreição gloriosa acompanhou a vida da Igreja até hoje, especialmente nos momentos e lugares em que ela, por causa do Evangelho de Jesus, vive em meio a uma contradição acentuada, como acontece hoje com aqueles que lutam corajosamente por uma ecologia integral na Amazônia. Este Sínodo reconhece com admiração aqueles que lutam, com grande risco de vida, para defender a existência deste território.

Chamados à conversão integral

17.              A escuta do grito da terra e do grito dos pobres e dos povos da Amazônia com os quais caminhamos nos chama a uma verdadeira conversão integral, com uma vida simples e sóbria, toda alimentada por uma espiritualidade mística no estilo de São Francisco de Assis, exemplo de conversão integral vivida com alegria e louvor cristão (cf. LS 12). Uma leitura orante da Palavra de Deus nos ajudará a aprofundar e descobrir os gemidos do Espírito e nos encorajará em nosso compromisso de cuidar da “casa comum”.

18.              Como Igreja de discípulos missionários, suplicamos a graça da conversão que “comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus” (LS 217); uma conversão pessoal e comunitária que nos compromete a nos relacionar harmoniosamente com a obra criadora de Deus, que é a “casa comum”; uma conversão que promove a criação de estruturas em harmonia com o cuidado da criação; uma conversão pastoral baseada na sinodalidade, que reconheça a interação de tudo o que foi criado. Conversão que nos leve a ser uma Igreja em saída que entre no coração de todos os povos amazônicos.

19.              Assim, a única conversão ao Evangelho vivo, que é Jesus Cristo, poderá se desenvolver em dimensões interligadas para motivar a saída para as periferias existenciais, sociais e geográficas da Amazônia. Estas dimensões são: a pastoral, a cultural, a ecológica e a sinodal, que se desenvolvem nos próximos quatro capítulos.

CAPÍTULO II

NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO PASTORAL

Se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5).

 

20.              Uma Igreja missionária em saída exige de nós uma conversão pastoral. Para a Amazônia esse caminhar significa também “navegar”, através de nossos rios, nossos lagos, entre nosso povo. Na Amazônia, a água nos une, não nos separa. Nossa conversão pastoral será samaritana, em diálogo, acompanhando pessoas com rostos concretos de indígenas, de camponeses, de afrodescendentes (quilombolas), de migrantes, de jovens e de habitantes das cidades. Tudo isso envolverá uma espiritualidade de escuta e de anúncio. É assim que caminharemos e navegaremos neste capítulo.

A Igreja em saída missionária

21.              A Igreja, por natureza, é missionária e tem a sua origem no “amor fontal de Deus” (AG 2). O dinamismo missionário que brota do amor de Deus se irradia, expande, transborda e se espalha em todo universo. Somos inseridos pelo batismo na dinâmica do amor através do encontro com Jesus, que dá um novo horizonte à vida (cf. DAp 12). Este transbordamento impele a Igreja à conversão pastoral e nos transforma em comunidades vivas, trabalhando em equipes e redes a serviço da evangelização. A missão assim entendida não é algo opcional, uma atividade da Igreja entre outras, mas sua própria natureza. A Igreja é missão! “A atividade missionária «ainda hoje representa o máximo desafio para a Igreja” (EG 15). Ser um discípulo missionário é mais do que apenas cumprir tarefas ou fazer coisas. Está situada na ordem do ser. “Jesus nos indicou, a nós seus discípulos, que a nossa missão no mundo não pode ser estática, mas é itinerante. O cristão é um itinerante” (Francisco, Angelus, 30.06.2019).

a. Igreja samaritana, misericordiosa, solidária

22.              Queremos ser uma Igreja amazônica, samaritana, encarnada no modo como o Filho de Deus se encarnou: “assumiu as nossas dores e carregou as nossas enfermidades” (Mt 8, 17b). Aquele que se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9), por meio do seu Espírito, exorta os discípulos missionários de hoje a saírem ao encontro de todos, especialmente dos povos originários, dos pobres, dos excluídos da sociedade e dos outros. Desejamos também uma Igreja madalena, que se sinta amada e reconciliada, que anuncie com alegria e convicção Cristo crucificado e ressuscitado. Uma Igreja mariana que gera filhos para a fé e os educa com afeto e paciência, aprendendo também com as riquezas dos povos. Queremos ser uma Igreja servidora, kerigmática, educadora, inculturada, no meio dos povos que servimos.

b. A Igreja em diálogo ecumênico, inter-religioso e cultural

23.              A realidade pluriétnica, pluricultural e plurirreligiosa da Amazônia exige uma atitude de diálogo aberto, reconhecendo também a multiplicidade de interlocutores: os povos indígenas, ribeirinhos, camponeses e afrodescendentes (quilombolas), as demais Igrejas cristãs e confissões religiosas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais populares, o Estado, enfim todas as pessoas de boa vontade que buscam a defesa da vida, a integridade da criação, a paz e o bem comum.

24.              Na Amazônia, “as relações entre católicos e pentecostais, carismáticos e evangélicos não são fáceis. O aparecimento repentino de novas comunidades, ligadas à personalidade de alguns pregadores, contrasta fortemente com os princípios e a experiência eclesiológicos das Igrejas históricas, e pode ocultar a insídia de se deixar transportar pelas ondas emocionais do momento ou de encerrar a experiência de fé em ambientes protegidos e tranquilizadores. O facto de que bastantes fiéis católicos se sentem atraídos por estas comunidades é motivo de atrito, mas pode tornar-se, da nossa parte, motivo de exame pessoal e de renovação pastoral” (Papa Francisco, Discurso aos participantes na plenária do Pontifício Conselho para
a Promoção da Unidade dos Cristãos,
28.09.2018). O diálogo ecumênico, inter-religioso e intercultural deve ser assumido como o caminho indispensável da evangelização na Amazônia (cf. DAp 227). A Amazônia é uma amálgama de crenças, a maioria cristãs. Diante desta realidade, abrem-se verdadeiros caminhos de comunhão para nós: “Não são suficientes as manifestações de bons sentimentos. São necessários gestos concretos que entrem nos corações e despertem as consciências, enternecendo cada um àquela conversão interior que é o pressuposto de qualquer progresso pelo caminho do ecumenismo” (Bento XVI, “Santa Missa pela Igreja universal”, Primeira mensagem de Sua Santidade Bento XVI no final da concelebração eucarística com os cardeais eleitores na Capela Sistina, 20.04.2005). A centralidade da Palavra de Deus na vida de nossas comunidades é fator de união e diálogo. Em torno da Palavra podem ocorrer muitas ações comuns: traduções da Bíblia para as línguas locais, edições em conjunto, difusão e distribuição da Bíblia e encontros entre teólogos e de teólogos e teólogas católicos e de diferentes confissões.

25.             Na Amazônia, o diálogo inter-religioso ocorre especialmente com as religiões indígenas e os cultos afrodescendentes. Essas tradições merecem ser conhecidas, compreendidas em suas próprias expressões e em sua relação com a floresta e a mãe terra. Juntamente com eles, os cristãos, com base na sua fé na Palavra de Deus, colocam-se em diálogo, partilhando suas vidas, suas preocupações, suas lutas, suas experiências de Deus, para aprofundar mutuamente sua fé e atuar juntos em defesa da “casa comum”. Para isso, as Igrejas da Amazônia precisam desenvolver iniciativas de encontro, estudo e diálogo com os seguidores dessas religiões. O diálogo sincero e respeitoso é a ponte para a construção do “bem viver”. Na troca de dons, o Espírito Santo conduz cada vez mais à verdade e ao bem (cf. EG 250).

Igreja Missionária que serve e acompanha os povos amazônicos

26.              Este Sínodo quer ser um forte apelo para que todos os batizados da Amazônia sejam discípulos missionários. O envio à missão é inerente ao batismo e é para todos os batizados. Por Ele todos nós recebemos a mesma dignidade de filhos e filhas de Deus, e ninguém pode ser excluído da missão de Jesus aos seus discípulos. “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova a toda criatura!” (Mc 16,15). Por isso acreditamos que é necessário gerar um maior impulso missionário entre as vocações nativas; a Amazônia também deve ser evangelizada pelos amazônidas.

a. Igreja com rosto indígena, camponês e afrodescendente

27.              É urgente dar à pastoral indígena o seu lugar específico na Igreja. Partimos de realidades plurais e culturas diversas para definir, elaborar e adotar ações pastorais que nos permitam desenvolver uma proposta evangelizadora em meio às comunidades indígenas, situando-nos no marco de uma pastoral indígena e da terra. A pastoral dos povos indígenas tem a sua própria especificidade. As colonizações motivadas pela atividade extrativa ao longo da história, com as diferentes correntes migratórias, colocaram-nas numa situação de grande vulnerabilidade. Neste contexto, como Igreja, segue sendo necessário criar ou manter uma opção preferencial pelos povos indígenas, em virtude da qual as organizações pastorais indígenas diocesanas devem ser estabelecidas e consolidadas com renovada ação missionária, que escuta, dialoga, está encarnada e com uma presença permanente. A opção preferencial pelos povos indígenas, com as suas culturas, identidades e histórias, nos exige aspirar uma Igreja indígena com os seus próprios sacerdotes e ministros sempre unidos e em plena comunhão com a Igreja Católica.

28.              Reconhecendo a importância da atenção que a Igreja é chamada a dar na Amazônia ao fenômeno da urbanização e aos problemas e perspectivas a ela relacionados, é necessário referir-se ao mundo rural como um todo e à pastoral rural em particular. Do ponto de vista pastoral, a Igreja deve responder ao fenômeno do despovoamento do campo, com todas as consequências que dele derivam (perda de identidade, secularismo dominante, exploração do trabalho rural, desintegração familiar, etc.).

b. Igreja com rosto migrante

 

29.              Dado seu aumento e volume, o fenômeno da migração tornou-se um desafio político, social e eclesial sem precedentes (cf. DAp, 517, a). Diante disso, muitas comunidades eclesiais têm recebido os migrantes com grande generosidade, lembrando que: “Eu era forasteiro, e me recebestes em casa” (Mt 25,35). O deslocamento forçado de famílias indígenas, camponesas, afrodescendentes e ribeirinhas, expulsas de seus territórios por pressão e asfixia por falta de oportunidades, exige uma pastoral conjunta na periferia dos centros urbanos. Para isso, será necessário criar equipes missionárias para acompanhá-los, coordenando com as paróquias e outras instituições eclesiais e extraeclesiais as condições de acolhida, oferecendo liturgias inculturadas e nas línguas dos migrantes; promovendo espaços de intercâmbio cultural, favorecendo a integração na comunidade e na cidade e motivando-os neste trabalho a serem protagonistas.

c. Igreja com rosto jovem

30.              Entre os diversos rostos da realidade pan-amazônica, destaca-se o dos jovens presentes em todo o território. São jovens com rostos e identidades indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos, extrativistas, migrantes, refugiados, entre outros. Jovens moradores de áreas rurais e urbanas, que diariamente sonham e buscam melhores condições de vida, com o profundo desejo de ter uma vida plena. Jovens estudantes, trabalhadores e com forte presença e participação em diversos espaços sociais e eclesiais. Entre os jovens amazônicos, são apresentadas tristes realidades como pobreza, violência, doença, abuso infantil, exploração sexual, uso e tráfico de drogas, gravidez precoce, desemprego, depressão, tráfico de pessoas, novas formas de escravidão, tráfico de órgãos, dificuldades de acesso à educação, saúde e assistência social. Infelizmente, nos últimos anos, tem havido um aumento significativo do suicídio entre os jovens, bem como um aumento da população prisional juvenil e de crimes entre e contra os jovens, especialmente afrodescendentes e periféricos. Vivendo no grande território da Amazônia, eles têm os mesmos sonhos e desejos de outros jovens deste mundo: serem considerados, respeitados, terem oportunidades para estudar, trabalhar, um futuro de esperança. Mas eles estão vivendo uma intensa crise de valores, ou uma transição para outros modos de concepção da realidade, onde os elementos éticos estão mudando, iclusive para a juventude indígena. A tarefa da Igreja é acompanhá-los para enfrentar qualquer situação que destrua a sua identidade ou prejudique a sua auto-estima.

31.              Os jovens também estão intensamente presentes nos contextos migratórios do território. A realidade dos jovens nos centros urbanos merece especial atenção. Cada vez mais as cidades estão recebendo todos os grupos étnicos, povos e problemas da Amazônia. A Amazônia rural está se despovoando; as cidades enfrentam enormes problemas de delinquência juvenil, falta de trabalho, lutas étnicas e injustiças sociais. Aqui, em particular, a Igreja é chamada a ser uma presença profética entre os jovens, oferecendo-lhes um acompanhamento adequado e uma educação apropriada.

32.              Em comunhão com a realidade juvenil amazônica, a Igreja anuncia a Boa Nova de Jesus aos jovens, o discernimento e o acompanhamento vocacional, o lugar de valorização da cultura e da identidade locais, a liderança juvenil, a promoção dos direitos dos jovens, o fortalecimento de espaços criativos, inovadores e diferenciados de evangelização através de uma renovada e audaciosa pastoral juvenil. Uma pastoral sempre em processo, centrada em Jesus Cristo e em seu projeto, dialogante e integral, comprometida com todas as realidades juvenis existentes no território. Os jovens indígenas têm enorme potencial e participam ativamente de suas comunidades e organizações, contribuindo como líderes e animadores, em defesa dos direitos, especialmente no território, saúde e educação. Por outro lado, são as principais vítimas da insegurança das terras indígenas e da ausência de políticas públicas específicas e de qualidade. A disseminação do álcool e das drogas chega muitas vezes às comunidades indígenas, prejudicando seriamente os jovens e impedindo-os de viver livremente para construir seus sonhos e participar ativamente da comunidade.

33.              O protagonismo dos jovens aparece claramente no Documento final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre os jovens (cf. n. 46, 160), na Exortação Apostólica pós-sinodal Christus Vivit (cf. 170) e na Encíclica Laudato Sì (cf. 209). Os jovens querem ser protagonistas e a Igreja amazônica quer reconhecer seu espaço; quer ser companheira de escuta, reconhecendo os jovens como lugar teológico, como “profetas da esperança”, comprometidos com o diálogo, ecologicamente sensíveis e atentos à “casa comum”; uma Igreja que acolhe e caminha com os jovens, especialmente nas periferias. Diante disso, surgem três urgências: promover novas formas de evangelização através das redes sociais (Francisco, Christus Vivit 86); ajudar os jovens indígenas a alcançar uma sadia interculturalidade; ajudá-los a enfrentar a crise de anti-valores que destrói sua auto-estima e os faz perder sua identidade.

d. Igreja que percorre novos caminhos na pastoral urbana

34.              A forte tendência da humanidade de se concentrar nas cidades, migrando das pequenas para as grandes, também ocorre na Amazônia. O crescimento acelerado das metrópoles amazônicas é acompanhado pela geração de periferias urbanas. Ao mesmo tempo, estilos de vida, formas de convivência, linguagens e valores moldados pelas metrópoles estão sendo transmitidos e cada vez mais implantados tanto nas comunidades indígenas quanto no resto do mundo rural. A família na cidade é um lugar de síntese entre a cultura tradicional e a moderna. No entanto, as famílias sofrem frequentemente pela pobreza, habitação precária, falta de trabalho, aumento do consumo de drogas e álcool, discriminação e suicídio infantil. Além disso, na vida familiar há falta de diálogo entre as gerações e as tradições e a língua se perdem. As famílias também enfrentam novos problemas de saúde, que exigem uma educação adequada para a maternidade. As rápidas mudanças de hoje afetam a família amazônica. Assim, encontramos novos formatos familiares: famílias monoparentais sob a responsabilidade das mulheres, aumento das famílias separadas, uniões consensuais e famílias reunidas, diminuição dos casamentos institucionais. A cidade é uma explosão de vida, porque “Deus vive na cidade” (DAp 514). Nela há ansiedades e buscas de sentido da vida, conflitos, mas também solidariedade, fraternidade, desejo de bondade, verdade e justiça” (cf. EG 71-75). Evangelizar a cidade ou a cultura urbana significa “chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação” (EN 19).

35.              É necessário defender o direito de todas as pessoas à cidade. O direito reivindicado à cidade é definido como o gozo equitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade, democracia e justiça social. Não obstante, também será necessário incidir nas políticas públicas e promover iniciativas que melhorem a qualidade de vida nas áreas rurais, evitando seu deslocamento descontrolado.

36.              As comunidades eclesiais de base foram e são um dom de Deus às Igrejas locais da Amazônia. No entanto, é necessário reconhecer que, com o tempo, algumas comunidades eclesiais se acomodaram, enfraqueceram ou até desapareceram. Mas, a grande maioria permanece perseverante e é o fundamento pastoral de muitas paróquias. Hoje, os grandes perigos das comunidades eclesiais provêm principalmente do secularismo, do individualismo, da falta de dimensão social e da ausência de atividade missionária. Portanto, é necessário que os pastores encorajem todos e cada um dos fiéis ao discipulado missionário. A comunidade eclesial deve estar presente nos espaços de participação nas políticas públicas onde se articulam ações para revitalizar a cultura, a convivência, o lazer e a festa. Devemos lutar para que as “favelas” e as “villas miseria” tenham os direitos fundamentais básicos garantidos; água, energia, moradia e promoção de uma cidadania ecológica integral. Instituir o ministério de acolhida nas comunidades urbanas da Amazônia para a solidariedade fraterna com migrantes, refugiados, desabrigados e pessoas que deixaram as áreas rurais.

37.              A realidade dos povos indígenas nos centros urbanos merece especial atenção, pois são os mais expostos aos enormes problemas da delinquência juvenil, falta de trabalho, lutas étnicas e injustiças sociais. É um dos maiores desafios da atualidade: cada vez mais cidades são destinos de todas as etnias e povos da Amazônia. Será necessário articular uma pastoral indígena da cidade que atenda a esta realidade específica.

e. Uma espiritualidade da escuta e do anúncio

38.              A ação pastoral se sustenta em uma espiritualidade baseada na escuta da Palavra de Deus e no grito do seu povo, para poder anunciar a Boa Nova com espírito profético. Reconhecemos que a Igreja que escuta o grito do Espírito no grito da Amazônia pode apropriar-se das alegrias e esperanças, da tristeza e da angústia de todos, mas sobretudo dos mais pobres (cf. GS 1), que são os filhos e filhas amados de Deus. Descobrimos que as poderosas águas do Espírito, semelhantes às do rio Amazonas, que transbordam periodicamente, nos levam a essa vida em abundância que Deus nos oferece para partilhar no anúncio.

Novos caminhos de conversão pastoral

39.              As equipes missionárias itinerantes na Amazônia, tecendo e construindo comunidades ao longo do caminho, ajudam a fortalecer a sinodalidade eclesial. Elas podem reunir vários carismas, instituições e congregações, leigos, leigas, religiosos e religiosas, sacerdotes. Somar para chegar juntos onde não podemos fazê-lo sozinhos. As itinerâncias dos missionários que deixam sua sede e passam algum tempo visitando comunidade por comunidade e celebrando sacramentos dão origem ao que é chamado de “pastoral da visita”. É um tipo de método pastoral que responde às condições e possibilidades atuais de nossas Igrejas. Graças a estes métodos e à ação do Espírito Santo, estas comunidades desenvolveram também uma rica ministerialidade que é motivo de ação de graças.

40.              Propomos uma rede itinerante que reúna os diversos esforços das equipes que acompanham e dinamizam a vida e a fé das comunidades da Amazônia. Os caminhos de incidência política para a transformação da realidade devem ser discernidos com pastores e leigos. Com o objetivo de passar das visitas pastorais a uma presença mais permanente, as congregações e/ou províncias de religiosos/as do mundo, que ainda não estão envolvidos em missões, são convidadas a estabelecer pelo menos uma frente missionária em qualquer dos países amazônicos.

CAPÍTULO III

NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO CULTURAL

 

E a Palavra se fez carne e veio morar en­tre nós” (Jo 1,14).

 

41.              A América Latina possui uma imensa biodiversidade e uma grande diversidade cultural. Nela, a Amazônia é uma terra de florestas e águas, de pântanos e várzeas, savanas e serras, mas sobretudo uma terra de inúmeros povos, muitos deles milenares, habitantes ancestrais do território, povos de antigos perfumes que continuam a perfumar o continente contra todo desespero. A nossa conversão deve ser também cultural, fazer-se o outro, aprender do outro. Estar presentes, respeitar e reconhecer seus valores, viver e praticar a inculturação e a interculturalidade no anúncio da Boa Nova. Expressar e viver a fé na Amazônia é um desafio contínuo. Ela se encarna não só no trabalho pastoral, mas em ações concretas para com o outro, nos cuidados de saúde, na educação, na solidariedade e no apoio aos mais vulneráveis. Gostaríamos de partilhar tudo isto nesta seção.

O rosto da Igreja nos povos amazônicos

42.              Nos territórios da Amazônia há uma realidade pluricultural que exige ter um olhar que inclua a todos, usando expressões que permitam identificar e vincular todos os grupos e refletir identidades que são reconhecidas, respeitadas e promovidas tanto na Igreja quanto na sociedade, que devem encontrar nos povos amazônicos um interlocutor válido para o diálogo e o encontro. Puebla fala dos rostos que habitam a América Latina e observa que, nos povos indígenas, há uma mestiçagem que cresceu e continua crescendo com o encontro e os desencontros entre as diferentes culturas que fazem parte do continente. Este rosto, também da Igreja na Amazônia, é um rosto encarnado em seu território, que evangeliza e abre caminhos para que os povos se sintam acompanhados em diferentes processos de vida evangélica. Também está presente um renovado sentido missionário por parte dos habitantes dos mesmos povos, realizando a missão profética e samaritana da Igreja, que deve ser reforçada pela abertura ao diálogo com as outras culturas. Só uma Igreja missionária inserida e inculturada fará emergir Igrejas particulares autóctones, com rosto e coração amazônicos, enraizadas nas culturas e tradições próprias dos povos, unidas na mesma fé em Cristo e diferentes em seu modo de vivê-la, expressá-la e celebrá-la.

a. Os valores culturais dos povos amazônicos

43.              Nos povos da Amazônia encontramos ensinamentos para a vida. Os povos originários e aqueles que chegaram mais tarde e forjaram sua identidade na convivência, trazem valores culturais nos quais descobrimos as sementes do Verbo. Na floresta, não só a vegetação se entrelaça apoiando uma espécie à outra, mas também os povos se interrelacionam entre si em uma rede de alianças que beneficiam a todos. A floresta vive de inter-relações e interdependências e isso acontece em todas as áreas da vida. Graças a isso, o frágil equilíbrio da Amazônia foi mantido durante séculos.

44.              O pensamento dos povos indígenas oferece uma visão integradora da realidade, capaz de compreender as múltiplas conexões existentes entre tudo o que foi criado. Isto contrasta com a corrente dominante do pensamento ocidental que tende a fragmentar-se para compreender a realidade, mas não consegue articular novamente o conjunto de relações entre os vários campos do conhecimento. O manejo tradicional do que a natureza lhes oferece tem sido feito da forma que hoje chamamos de manejo sustentável. Também encontramos outros valores nos povos indígenas como a reciprocidade, a solidariedade, o sentido de comunidade, a igualdade, a família, sua organização social e o sentido de serviço.

b. Igreja presente e aliada dos povos nos seus territórios

45.              A ganância pela terra está na raiz dos conflitos que levam ao etnocídio, ao assassinato e à criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças. Demarcar e proteger a terra é obrigação dos Estados nacionais e de seus respectivos governos. No entanto, boa parte dos territórios indígenas está desprotegida e os já demarcados estão sendo invadidos por frentes extrativistas como mineração e extração florestal, por grandes projetos de infraestrutura, por cultivos ilícitos e por grandes propriedades que promovem a monocultura e a pecuária extensiva.

46.              Desta forma, a Igreja se compromete a ser aliada dos povos amazônicos para denunciar os ataques contra a vida das comunidades indígenas, os projetos que afetam o meio ambiente, a falta de demarcação de seus territórios, bem como o modelo econômico de desenvolvimento predatório e ecocida. A presença da Igreja entre as comunidades indígenas e tradicionais exige a consciência de que a defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida.

47.              A vida dos povos indígenas, mestiços, ribeirinhos, camponeses, quilombolas e/ou afrodescendentes e comunidades tradicionais está ameaçada pela destruição, pela exploração ambiental e pela violação sistemática de seus direitos territoriais. Os direitos à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta prévia, livre e informada devem ser respeitados. Esses povos têm condições sociais, culturais e econômicas que os distinguem de outros setores da comunidade nacional e que são regidos total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial (Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), art. 1º, 1.a). Para a Igreja, a defesa da vida, da comunidade, da terra e dos direitos dos povos indígenas é um princípio evangélico, em defesa da dignidade humana: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10, 10b).

48.              A Igreja promove a salvação integral da pessoa humana, valorizando a cultura dos povos indígenas, falando de suas necessidades vitais, acompanhando os Movimentos em suas lutas por seus direitos. O nosso serviço pastoral constitui um serviço à vida plena dos povos indígenas, que nos leva a anunciar a Boa Nova do Reino de Deus e a denunciar situações de pecado, estruturas de morte, violência e injustiça, promovendo o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico (cf. DAp 95).

49.              Um capítulo específico destaca os Povos Indígenas em Isolamento Voluntário (PIAV) ou Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial (PIACI). Na Amazônia existem cerca de 130 aldeias ou segmentos de aldeias que não mantêm contatos sistemáticos ou permanentes com a sociedade do entorno. Os abusos e as violações sistemáticos do passado provocaram a sua migração para lugares mais inacessíveis, procurando proteger e preservar a sua autonomia e optando por limitar ou evitar as suas relações com terceiros. Hoje eles continuam tendo suas vidas ameaçadas pela invasão de seus territórios a partir de diferentes frentes e por sua baixa demografia, deixando-os expostos à limpeza étnica e ao desaparecimento. Em seu encontro de janeiro de 2018 com os povos indígenas em Puerto Maldonado, o Papa Francisco nos recorda que eles “são os mais vulneráveis dos vulneráveis (...) Continuai a defender estes irmãos mais vulneráveis. A sua presença recorda-nos que não podemos dispor dos bens comuns ao ritmo da avidez e do consumo”. (Francesco, Encontro com os povos da Amazônia, Puerto Maldonado, 19.01.2018). Uma opção pela defesa da PIAV/PIACI não isenta as Igrejas locais da responsabilidade pastoral por elas.

50.              Esta responsabilidade deve se manifestar em ações específicas de defesa de seus direitos, em ações de incidência para que os Estados assumam a defesa de seus direitos através da garantia legal e inviolável dos territórios que tradicionalmente ocupam, incluindo a adoção de medidas cautelares em regiões onde há apenas sinais de sua presença, não se confirmando oficialmente e estabelecendo mecanismos de cooperação bilateral entre Estados, quando esses grupos ocupam espaços transfronteiriços. O respeito pela sua autodeterminação e pela sua livre escolha sobre o tipo de relações que querem estabelecer com outros grupos deve ser sempre garantido. Isso exigirá que todo o povo de Deus, e especialmente as populações vizinhas aos territórios do PIAV/PIACI, sejam conscientizadas do respeito a esses povos e da importância da inviolabilidade de seus territórios. Como disse São João Paulo II em Cuiabá, em 1991 “a Igreja, queridos irmãos índios, tem estado e continuará a estar sempre a seu lado, para defender a dignidade de seres humanos, para defender o direito a ter uma vida própria e tranquila, no respeito aos valores positivos das suas tradições, costumes e culturas”.

Caminhos para uma Igreja inculturada

51.              Cristo, com a Encarnação, não considerou um privilégio ser Deus; se fez homem numa cultura concreta para se identificar com toda a humanidade. A inculturação é a encarnação do Evangelho nas culturas autóctonas (“o que não é assumido não é redimido”, Santo Irineu, cf. Puebla 400) e, ao mesmo tempo, a introdução destas culturas na vida da Igreja. Neste processo os povos são protagonistas e acompanhados por seus agentes e pastores.

a. Experiência de fé expressa na piedade popular e na catequese inculturada

52.              A piedade popular é um meio importante que vincula muitos povos da Amazônia com suas vivências espirituais, suas raízes culturais e sua integração comunitária. São manifestações com as quais o povo expressa a sua fé, através de imagens, símbolos, tradições, ritos e outros sacramentais. As peregrinações, procissões e celebrações patronais devem ser apreciadas, acompanhadas, promovidas e algumas vezes purificadas, porque são momentos privilegiados de evangelização que devem conduzir ao encontro com Cristo. As devoções marianas estão profundamente enraizadas na Amazônia e em toda a América Latina.

53.              É característica a não clericalização das irmandades, confrarias e grupos ligados à piedade popular. Os leigos assumem um papel de protagonismo difícil de alcançar em outras esferas eclesiais, com a participação de irmãos e irmãs que exercem serviços e dirigem orações, bênçãos e cantos sagrados tradicionais; animam novenas, organizam procissões, promovem festas patronais, etc. É necessário “dar uma catequese apropriada e acompanhar a fé já presente na religiosidade popular. Um caminho concreto poderia ser oferecer um processo de iniciação cristã” (DAp 300), que nos leve a nos tornarmos cada vez mais semelhantes a Jesus Cristo, provocando a progressiva apropriação de suas atitudes” (cf. idem).

b. Mistério da fé refletido em uma teologia inculturada

54.              A teologia índia, a teologia do rosto amazônico e a piedade popular já são riquezas do mundo indígena, de sua cultura e espiritualidade. Quando o missionário e agente pastoral leva a palavra do Evangelho de Jesus, ele se identifica com a cultura e concretiza o encontro do qual nasce o testemunho, o serviço, o anúncio e a aprendizagem das línguas. O mundo indígena com seus mitos, narrativas, ritos, cantos, danças e expressões espirituais enriquece o encontro intercultural. Puebla já reconhece que “as culturas não são terreno vazio, desprovido de valores autênticos”. A evangelização da Igreja não é um processo de destruição, mas de consolidação e fortalecimento desses valores; uma contribuição para o crescimento das “sementes do Verbo” (DP 401, cf. GS 57) presentes nas culturas.

Caminhos para uma Igreja Intercultural

a. Respeito às culturas e aos direitos dos povos

55.              Todos nós somos convidados a nos aproximarmos dos povos amazônicos de igual para igual, respeitando sua história, suas culturas, seu estilo de “bem viver” (PF, Abertura dos trabalhos da Assembleia especial, 07.10.2019). O colonialismo é a imposição de certos modos de vida de alguns povos sobre outros, seja economicamente, culturalmente ou religiosamente. Rejeitamos uma evangelização ao estilo colonial. Anunciar a Boa Nova de Jesus implica reconhecer as sementes do Verbo já presentes nas culturas. A evangelização que hoje propomos para a Amazônia é o anúncio inculturado que gera processos de interculturalidade, que promovem a vida da Igreja com identidade e rosto amazônicos.

b. Promoção do diálogo intercultural no mundo globalizado

56.              Na tarefa evangelizadora da Igreja, que não deve ser confundida com o proselitismo, devemos incluir processos claros de inculturação de nossos métodos e esquemas missionários. Especificamente, propõe-se que os centros de pesquisa e pastoral da Igreja, em aliança com os povos indígenas, estudem, compilem e sistematizem as tradições das etnias amazônicas para favorecer uma obra educativa que parta de sua identidade e cultura, ajude na promoção e defesa de seus direitos, preserve e dissemine seu valor no cenário cultural latino-americano.

57.              As ações educativas são hoje desafiadas pela necessidade de inculturação. É um desafio buscar metodologias e conteúdos adequados aos povos nos quais queremos exercer o ministério do ensino. Para isso, é importante o conhecimento de suas línguas, suas crenças e aspirações, suas necessidades e esperanças, bem como a construção coletiva de processos educativos que tenham, tanto na forma quanto no conteúdo, a identidade cultural das comunidades amazônicas, insistindo na formação de uma ecologia integral como eixo transversal.

c. Desafios à saúde, educação e comunicação

58.              A Igreja assume como uma importante tarefa a promoção da educação sanitária preventiva e a oferta de cuidados de saúde nos lugares onde a assistência do Estado não chega. É necessário favorecer iniciativas de integração que beneficiem a saúde das populações amazônicas. Também é importante promover a socialização do conhecimento ancestral no campo da medicina tradicional específica de cada cultura.

59.              Dentre as complexidades do território amazônico, destacamos a fragilidade da educação, especialmente entre os povos indígenas. Embora a educação seja um direito humano, a qualidade da educação é deficiente e os abandonos são muito frequentes, especialmente entre as meninas. A educação evangeliza, promove a transformação social, capacitando as pessoas com um senso crítico saudável. “Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes que podem produzir efeitos durante toda a vida” (LS 213). É nossa tarefa promover uma educação para a solidariedade que nasce da consciência de uma origem comum e de um futuro partilhado por todos (cf. LS 202). Deve-se exigir dos governos a implementação de uma educação pública, intercultural e bilingue.

60.              O mundo cada vez mais globalizado e complexo desenvolveu uma rede de informação sem precedentes. Entretanto, tal fluxo instantâneo da informação não leva à melhor comunicação ou conexão entre povos. Na Amazônia, queremos promover uma cultura comunicativa que favoreça o diálogo, a cultura do encontro e o cuidado da “casa comum”. Motivados por uma ecologia integral, queremos fortalecer os espaços de comunicação já existentes na região, a fim de promover urgentemente uma conversão ecológica integral. Para isso, é necessário colaborar com a formação de agentes de comunicação autóctones, especialmente indígenas. Eles não só são interlocutores privilegiados para a evangelização e a promoção humana no território, mas também nos ajudam a difundir a cultura do “bem viver” e do cuidado da criação.

61.              Para desenvolver as diversas conexões com toda a Amazônia e melhorar a sua comunicação, a Igreja quer criar uma rede de comunicação eclesial pan-amazônica, que inclua os vários meios utilizados pelas Igrejas particulares e outros organismos eclesiais. A sua contribuição pode ter ressonância e ajuda na conversão ecológica da Igreja e do planeta. A REPAM pode colaborar na assessoria e apoio aos processos de capacitação, monitoramento e fortalecimento da comunicação na região panamazônica.

Novos caminhos para a conversão cultural

62.              Nesse sentido, propomos a criação de uma rede de escolas de educação bilíngue para a Amazônia (semelhante a Fé e Alegria) que articule propostas educativas que respondam às necessidades das comunidades, respeitando, valorizando e integrando a identidade cultural e linguística.

63.              Queremos sustentar, apoiar e favorecer as experiências educativas de educação intercultural bilíngue já existentes nas jurisdições eclesiásticas da Amazônia e envolver as universidades católicas no trabalho em rede.

64.              Buscaremos novas formas de educação convencional e não convencional, como a educação à distância, de acordo com as necessidades dos lugares, dos tempos e das pessoas.

CAPÍTULO IV

NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO ECOLÓGICA

 

Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

 

65.              Nosso planeta é um dom de Deus, porém sabemos da urgência de agir diante de uma crise socioambiental sem precedentes. Necessitamos uma conversão ecológica para responder adequadamente. Portanto, como Igreja Amazônica, diante da agressão cada vez maior contra nosso bioma ameaçado de desaparecer, com tremendas consequências para nosso planeta, nos colocamos em caminho inspirados pela proposta da ecologia integral. Reconhecemos as feridas causadas pelo ser humano em nosso território, queremos aprender de nossos irmãos e irmãs dos povos originários, num diálogo de saberes, o desafio de dar novas respostas buscando, modelos de desenvolvimento justo e solidário. Queremos cuidar nossa “casa comum” na Amazônia e, para tal, propomos novos caminhos.

Rumo a uma ecologia integral a partir da encíclica Laudato si'

a. Ameaças contra o bioma amazônico e seus povos

66.              Deus nos deu a terra como um dom e como tarefa, para cuidá-la e responder por ela; nós não somos seus donos. A ecologia integral tem seu fundamento no fato de que “tudo está estreitamente interligado” (LS 16). Por isso, a ecologia e a justiça social estão intimamente relacionadas (cf. LS 137). Com a ecologia integral surge um novo paradigma de justiça, uma vez que “uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS 49). A ecologia integral, assim, conecta o exercício do cuidado da natureza com o da justiça pelos mais empobrecidos e desfavorecidos da terra, que são a opção preferida de Deus na história revelada.

67.              É urgente enfrentar a exploração ilimitada da “casa comum” e dos seus habitantes. Uma das principais causas de destruição na Amazônia é a atividade extrativa predatória, que responde à lógica da ganância, típica do paradigma tecnocrático dominante (LS 101). Diante da situação premente do planeta e da Amazônia, a ecologia integral não é mais um caminho que a Igreja pode eleger para o futuro neste território, é o único caminho possível, pois não há outra estrada viável para salvar a região. A depredação do território vem junto do derramamento de sangue inocente e da criminalização dos defensores da Amazônia.

68.              A Igreja é parte de uma solidariedade internacional que deve favorecer e reconhecer o papel central do bioma amazônico para o equilíbrio do clima do planeta; anima a comunidade internacional a dispor de novos recursos econômicos para sua proteção e a promoção de um modelo de desenvolvimento justo e solidário, com o protagonismo e a participação direta das comunidades locais e dos povos originários em todas as fases, desde o planejamento até a implementação, fortalecendo também as ferramentas já desenvolvidas pela Convenção Marco das Nações Unidas sobre mudança climática.

69.              É escandaloso que se criminalize as lideranças e até mesmo comunidades, pelo simples fato de reclamarem seus próprios direitos. Em todos os países amazônicos há leis que reconhecem os direitos humanos, especialmente dos povos indígenas. Nos últimos anos, a região (amazônica) passou por transformações complexas, onde os direitos humanos das comunidades têm sido impactados por normas, políticas públicas e práticas voltadas principalmente para a ampliação das fronteiras extrativistas de recursos naturais e ao desenvolvimento de megaprojetos de infraestrutura que exercem pressão sobre os territórios ancestrais indígenas. Isso é acompanhado, segundo o mesmo relatório, por uma grave situação de impunidade na região em relação a violações de direitos humanos e de obstáculos na obtenção de justiça (cf. Relatório Comissão Interamericana de Direitos Humanos/OEA, Povos Indígenas e Tribais da Pan-Amazônia. 5 e 188. Set. 2019).

70.              Para os cristãos, o interesse e a preocupação com a promoção e o respeito dos direitos humanos, tanto individuais como coletivos, não é algo opcional. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus Criador e sua dignidade é inviolável. Por isso, a defesa e a promoção dos direitos humanos não é apenas um dever político ou uma tarefa social, mas também, e sobretudo, uma exigência de fé. Talvez não possamos modificar imediatamente o modelo de um desenvolvimento destrutivo e extrativista imperante, mas é necesario saber e deixar claro: Onde nos situamos? Ao lado de quem estamos? Que perspectiva assumimos? Como transmitimos a dimensão política e ética de nossa palavra de fé e vida? Por esta razão: a) denunciamos a violação dos direitos humanos e a destruição do extrativismo predatório; b) assumimos e apoiamos as campanhas de desinvestimento de empresas extrativistas relacionadas com danos socioecológicos na Amazônia, começando pelas próprias instituições eclesiais e também em aliança com outras Igrejas; c) conclamamos a uma transição energética radical e à busca de alternativas: “A civilização requer energia, mas o uso da energia não deve destruir a civilização!” (Papa Francisco, Discurso aos participantes no encontro para dirigentes de empresas ligadas ao setor de energia, 09.06.2018). Propomo-nos desenvolver programas de capacitação sobre o cuidado da “casa comum”, destinados à agentes de pastoral e demais fiéis, abertos a toda a comunidade, num “esforço de formação das consciências da população” (LS 214).

b. O desafio de novos modelos de desenvolvimento justo, solidário e sustentável

71.              Constatamos que a intervenção do ser humano perdeu seu caráter “amigável”, para assumir uma atitude voraz e predatória que tende a espremer a realidade até o esgotamento de todos os recursos naturais disponíveis. “O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política” (LS 109). Para se opor a isso, que prejudica gravemente a vida, é necessário buscar modelos econômicos alternativos, mais sustentáveis, amigáveis com a natureza, com um sólido “sustento espiritual”. Por isso, junto com os povos amazônicos, pedimos que os Estados deixem de considerar a Amazônia como uma reserva inesgotável (cf. Fr. PM). Gostaríamos que desenvolvessem políticas de investimento que tenham, como condição para toda intervenção, o cumprimento de altos padrões sociais e ambientais e o princípio fundamental da preservação da Amazônia. Para isso, é necessário que levem em conta a participação dos Povos Indígenas organizados, de outras comunidades amazônicas e das diferentes instituições científicas que já estão propondo modelos de aproveitamento da floresta em pé. O novo paradigma do desenvolvimento sustentável deve ser socialmente inclusivo, combinando conhecimentos científicos e tradicionais para empoderar as comunidades tradicionais e indígenas, em sua maioria mulheres, fazendo com que estas tecnologias sirvam ao bem-estar e à proteção das florestas.

72.              Trata-se então de discutir o valor real que qualquer atividade econômica ou extrativa possui, ou seja, o valor que contribui e devolve à terra e à sociedade, considerando a riqueza que delas extrai e as suas consequências sócio-ecológicas. Muitas atividades extrativas, como a mineração em larga escala, particularmente a mineração ilegal, diminuem substancialmente o valor da vida na Amazônia. Com efeito, atentam contra a vida dos povos e os bens comuns da terra, concentrando o poder econômico e político nas mãos de poucos. Pior ainda, muitos desses projetos destrutivos são realizados em nome do progresso, e são apoiados - ou permitidos - por governos locais, nacionais e estrangeiros.

73.              Junto aos povos amazônicos (cf. LS 183) e ao seu horizonte do “bem viver”, chamamos a uma conversão ecológica individual e comunitária que salvaguarde uma ecologia integral e um modelo de desenvolvimento em que os critérios comerciais não estejam acima do meio ambiente e dos direitos humanos. Queremos apoiar uma cultura de paz e respeito - não de violência e ultraje - e uma economia centrada na pessoa que também cuide da natureza. Por isso, propomos gerar alternativas de desenvolvimento ecológico integral a partir das cosmovisões construídas com as comunidades, resgatando a sabedoria ancestral. Apoiamos projetos que proponham uma economia solidária e sustentável, circular e ecológica, tanto a nível local como internacional, no âmbito da pesquisa e no campo de ação, nos setores formal e informal. Nesse sentido, seria útil sustentar e promover experiências de cooperativas de bio-produção, de reservas florestais e de consumo sustentável. O futuro da Amazônia está nas mãos de todos nós, mas depende principalmente de abandonarmos imediatamente o modelo atual que destrói a floresta, não traz bem-estar e põe em perigo este imenso tesouro natural e seus guardiões.

Igreja que cuida da “casa comum” na Amazônia

a. Dimensão socioambiental da evangelização

74.              Cabe a todos nós sermos guardiões da obra de Deus. Os protagonistas do cuidado, proteção e defesa dos direitos dos povos e dos direitos da natureza nesta região são as próprias comunidades amazônicas. São eles os agentes de seu próprio destino e de sua própria missão. Neste cenário, o papel da Igreja é de aliada. Eles expressaram claramente que querem que a Igreja os acompanhe, que caminhe com eles e que não lhes imponha um modo particular de ser, um modo específico de desenvolvimento que pouco tem a ver com as suas culturas, tradições e espiritualidades. Eles sabem como cuidar da Amazônia, como amá-la e protegê-la; o que eles precisam é que a Igreja os apoie.

75.              O papel da Igreja é fortalecer essa capacidade de apoio e participação. Deste modo, promovemos uma formação que leve em conta a qualidade ética e espiritual da vida das pessoas a partir de uma visão integral. A Igreja deve dar atenção primária às comunidades afetadas por danos socioambientais. Continuando com a tradição eclesial latino-americana, onde figuras como São José de Anchieta, Bartolomeu de las Casas, os mártires paraguaios mortos no Rio Grande do Sul (Brasil), Roque González, São Alfonso Rodríguez e São Juan del Castillo, entre outros, nos ensinaram que a defesa dos povos originários deste continente está intrinsecamente ligada à fé em Jesus Cristo e em sua boa nova. Hoje devemos formar agentes de pastoral e ministros ordenados com sensibilidade sócio-ambiental. Queremos uma Igreja que navegue rio adentro e faça seu camino pela Amazônia promovendo um estilo de vida em harmonia com o território e, ao mesmo tempo, com o “bem viver” dos que ali habitam.

76.              A Igreja reconhece a sabedoria dos povos amazônicos sobre a biodiversidade, uma sabedoria tradicional que é um processo vivo e sempre em andamento. O roubo desse conhecimento é a biopirataria, uma forma de violência contra essas populações. A Igreja deve ajudar a preservar e manter estes conhecimentos e as inovações e práticas das populações, respeitando a soberania dos países e suas leis que regulam o acesso aos recursos genéticos e o conhecimento tradicional associado. Na medida do possível, deve ajudar estas populações a garantir que os benefícios da utilização destes conhecimentos, inovações e práticas sejam partilhados num modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo.

77.              Há uma necessidade urgente de desenvolver políticas energéticas que reduzam drasticamente a emissão de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases relacionados com a mudança climática. As novas energias limpas ajudarão a promover a saúde. Todas as empresas devem estabelecer sistemas de monitoramento da cadeia de suprimento para garantir que aquilo que compram, geram ou vendem seja produzido de forma social e ambientalmente sustentável. Além disso, “o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos” (LS 30). Este direito é reconhecido pelas Nações Unidas (2010). Precisamos trabalhar em conjunto para que o direito fundamental de acesso à água potável seja respeitado no território.

78.              A Igreja opta pela defesa da vida, da terra e das culturas originárias da Amazônia. Isso implicaría acompanhar os povos amazônicos no registro, sistematização e difusão de dados e informações sobre seus territórios e a situação jurídica dos mesmos. Queremos priorizar a incidência e o acompanhamento para obter a demarcação de terras, especialmente as do PIIRC ou PIIV. Incentivamos os Estados a cumprirem as suas obrigações constitucionais sobre estas questões, incluindo o direito de acesso à água.

79.              A Doutrina Social da Igreja, que há muito tempo vem tratando da questão ecológica, é hoje enriquecida com uma visão mais de conjunto que abarca a relação entre os povos amazônicos e seus territórios, sempre em diálogo com seus conhecimentos e sabedorias ancestrais. Por exemplo, reconhecer o modo como os povos indígenas se relacionam e protegem os seus territórios como referência indispensável para a nossa conversão a uma ecologia integral. A esta luz, queremos criar ministérios para o cuidado da “casa comum” na Amazônia, que tenham como função cuidar do território e das águas junto com as comunidades indígenas, e um ministério de acolhida para aqueles que são deslocados de seus territórios em direção às cidades.

b. Igreja pobre, com e para os pobres a partir das periferias vulneráveis

80.              Reafirmamos o nosso compromisso na defesa da vida em sua integralidade, desde a concepção até seu ocaso e a dignidade de todas as pessoas. A Igreja esteve e está ao lado das comunidades indígenas para salvaguardar o direito de terem uma vida própria e em paz, respeitando os valores de suas tradições, costumes e culturas, a preservação dos rios e florestas, que são espaços sagrados, fonte de vida e sabedoria. Apoiamos os esforços de tantos que corajosamente defendem a vida em todas suas formas e etapas. Nosso serviço pastoral constitui um serviço à vida plena dos povos indígenas que nos obriga a proclamar Jesus Cristo e a Boa Nova do Reino de Deus, para freiar as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas e a promover o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico.

Novos caminhos para a promoção ecológica integral

a. Interpelação profética e mensagem de esperança para toda a Igreja e o mundo inteiro

81.              A defesa da vida da Amazônia e de seus povos requer uma profunda conversão pessoal, social e estrutural. A Igreja está incluída neste apelo a desaprender, aprender e reaprender, e superar assim qualquer tendência a modelos colonizadores que causaram tantos danos no passado. Nesse sentido, é importante que sejamos conscientes da força do neocolonialismo que está presente em nossas decisões cotidianas e no modelo de desenvolvimento predominante, expresso no crescente modelo agrícola de monocultura, em nossos modos de transporte e no imaginário do bem-estar a partir do consumo que vivemos na sociedade, que tem implicações diretas e indiretas na Amazônia. Diante deste horizonte global, escutando as vozes das Igrejas irmãs, queremos abraçar uma espiritualidade da ecologia integral, para promover o cuidado da criação. Para isso, devemos ser uma comunidade de discípulos missionários muito mais participativa e inclusiva.

82.              Promomos definir o pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o meio ambiente. É um pecado contra as gerações futuras e se manifesta em atos e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do ambiente, em transgressões contra os princípios da interdependência e na ruptura das redes de solidariedade entre as criaturas (cf. Catecismo da Igreja Católica, 340-344) e contra a virtude da justiça. Propomos também criar ministérios especiais para o cuidado da “casa comum” e a promoção da ecologia integral em nível paroquial e em cada jurisdição eclesiástica, que tenham como funções, entre outras, o cuidado do território e das águas, bem como a promoção da encíclica Laudato si'. Assumir o programa pastoral, educativo e de incidencia da Encíclica Laudato si' nos Capítulos V e VI em todos os níveis e estruturas da Igreja.

83.              Como forma de reparar a dívida ecológica que os países têm com a Amazônia, propomos a criação de um fundo mundial para cobrir parte dos orçamentos das comunidades presentes na Amazônia que promovem seu desenvolvimento integral e autossustentável e assim também protegê-las da avidez predatória de querer extrair seus recursos naturais através de empresas nacionais e multinacionais.

84.              Adotar hábitos responsáveis que respeitem e valorizem os povos da Amazônia, suas tradições e sabedoria, protegendo a terra e mudando nossa cultura de consumo excessivo, a produção de resíduos sólidos, estimulando o reaporveitamento e a reciclagem. Precismo reduzir a nossa dependência dos combustíveis fósseis e uso de plásticos, alterando os nossos hábitos alimentares (consumo excessivo de carne e peixe/mariscos) com estilos de vida mais sóbrios. Comprometer-se ativamente no plantio de árvores, buscando alternativas sustentáveis na agricultura, energia e mobilidade que respeitem os direitos da natureza e os povos. Promover a educação para ecologia integral em todos os níveis, implementando novos modelos econômicos e iniciativas que promovam uma qualidade de vida sustentável.

b. Observatório Socio-Pastoral da Amazônia

85.              Criar um observatório sócio-ambiental pastoral, fortalecendo a luta em defesa da vida. Realizar um diagnóstico do território e de seus conflitos socioambientais em cada Igreja local e regional, para poder assumir uma posição, tomar decisões e defender os direitos dos mais vulneráveis. O Observatório trabalharia em aliança com o CELAM, a CLAR, Caritas, a REPAM, os Episcopados nacionais, as Igrejas locais, as Universidades Católicas, a CIDH, outros atores não eclesiais do continente e representantes dos povos indígenas. Pedimos também que no Dicastério para o Serviço Integral de Desenvolvimento Humano seja criado um escritório amazônico que esteja em relação com este Observatório e as demais instituições amazônicas locais.

CAPÍTULO V

NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO SINODAL

 

“Eu neles, e tu em mim, para que sejam perfeitamente unidos” (Jo 17,23).

 

86.              Para caminhar juntos, a Igreja precisa de uma conversão Sinodal, sinodalidade do Povo de Deus sob a guia do Espírito na Amazônia. Com este horizonte de comunhão e participação, buscamos novos caminhos eclesiais, especialmente na ministerialidade e na sacramentalidade da Igreja com rosto amazônico. A vida consagrada, os leigos e entre eles as mulheres, são os protagonistas antigos e sempre novos que nos chamam a esta conversão.

A sinodalidade missionária na Igreja Amazônica

a. A sinodalidade missionária de todo o Povo de Deus à luz do Espírito Santo

87.              “Sínodo” é uma antiga palavra venerada pela Tradição; indica o caminho que os membros do povo de Deus percorrem juntos; refere-se ao Senhor Jesus, que se apresenta como “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6), e ao fato de que os cristãos, seus seguidores, foram chamados “adeptos do Caminho” (At 9, 2); ser sinodais é seguir juntos “o caminho do Senhor” (At 18, 25). A sinodalidade é o modo de ser da Igreja primitiva (cf. Act 15) e deve ser o nosso. “ Como o corpo é um, embora tenha muitos­ membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só cor­po, assim também acontece com Cristo” (1Cor 12,12). A sinodalidade também caracteriza a Igreja do Vaticano II, entendida como povo de Deus, na igualdade e na dignidade comum diante da diversidade de ministérios, carismas e serviços. Ela indica “o modo específico de viver e agir (modus vivendi et operandi) da Igreja do Povo de Deus, que manifesta e realiza de maneira concreta seu ser “comunhão”, no caminhar juntos, no reunir-se em assembleia e na participação ativa de todos os seus membros em sua ação evangelizadora” (...), isto é, na “corresponsabilidade e participação de todo o povo de Deus na vida e missão da Igreja” (CTI, A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, n. 6-7).

88.              Para caminhar juntos, a Igreja precisa hoje de uma conversão à experiência sinodal. É necessário fortalecer uma cultura de diálogo, de escuta recíproca, de discernimento espiritual, de consenso e comunhão para encontrar espaços e caminhos de decisão conjunta e responder aos desafios pastorais. Assim, se fomentará a corresponsabilidade na vida da Igreja num espírito de serviço. Urge caminhar, propor e assumir as responsabilidades para superar o clericalismo e as imposições arbitrárias. A sinodalidade é uma dimensão constitutiva da Igreja. Não se pode ser Igreja sem reconhecer um efetivo exercício do sensus fidei de todo o Povo de Deus.

b. Espiritualidade da comunhão sinodal sob a guia do Espírito Santo

89.              A Igreja vive em comunhão com o Corpo de Cristo pelo dom do Espírito Santo. O chamado “Concílio Apostólico de Jerusalém” (cf. Act 15; Gal 2, 1-10) é um acontecimento sinodal no qual a Igreja Apostólica, num momento decisivo do seu caminho, vive a sua vocação à luz da presença do Senhor ressuscitado em vista da missão. Este acontecimento tornou-se a figura paradigmática dos Sínodos da Igreja e de sua vocação sinodal. A decisão tomada pelos Apóstolos, com a companhia de toda a comunidade de Jerusalém, foi obra da ação do Espírito Santo que guia o caminho da Igreja, assegurando-lhe a fidelidade ao Evangelho de Jesus: “Pois decidimos, o Espírito Santo e nós” (At 15,28). Toda a assembléia recebeu a decisão e a fez sua (cf. Atos 15,22); depois a comunidade de Antioquia fez o mesmo (cf. Atos 15,30-31). Ser verdadeiramente “sinodal” é avançar em harmonia sob o impulso do Espírito vivificador.

90.              A Igreja na Amazônia está chamada a caminhar no exercício do discernimento, que é o centro dos processos e eventos sinodais. Trata-se de determinar e percorrer como Igreja, através da interpretação teologal dos sinais dos tempos, sob a guia do Espírito Santo, o caminho a seguir no serviço do plano de Deus. O discernimento comunitário permite descobrir um chamado que Deus faz ouvir em cada situação histórica particular. Esta Assembléia é um momento de graça para exercitar a escuta recíproca, o diálogo sincero e o discernimento comunitário para o bem comum do Povo de Deus na Região Amazônica, e depois, na etapa de implementação das decisões, continuar caminhando sob o impulso do Espírito Santo nas pequenas comunidades, paróquias, dioceses, vicariatos, prelazias e em toda a região.

c. Rumo a um estilo sinodal de viver e trabalhar na região amazônica

91.              Com ousadia evangélica, queremos implementar novos caminhos para a vida da Igreja e seu serviço por uma ecologia integral na Amazônia. A sinodalidade marca um estilo de viver a comunhão e a participação nas Igrejas locais que se caracteriza pelo respeito à dignidade e igualdade de todos os batizados e batizadas, pelo complemento de carismas e ministérios, pela alegria de reunir-se em assembléias para discernir juntos a voz do Espírito. Este Sínodo nos dá a oportunidade de refletir sobre a forma de estruturar as Igrejas locais em cada região e país, e de avançar em uma conversão sinodal que aponte caminhos comuns na evangelização. A lógica da encarnação ensina que Deus, em Cristo, se vincula aos seres humanos que vivem nas “culturas próprias dos povos” (AG 9) e que a Igreja, Povo de Deus inserido entre os povos, tem a beleza de um rosto pluriforme porque enraizado em muitas culturas diferentes (cf. EG 116). Isso se realiza na vida e na missão das Igrejas locais presentes em cada “cada grande espaço socio-cultural” (AG 22).

92.              Uma Igreja com rosto amazônico precisa que suas comunidades estejam impregnadas de um espírito sinodal, sustentadas por estruturas organizativas segundo esta dinâmica, como autênticos organismos de “comunhão”. As formas de exercício da sinodalidade são variadas, devem ser descentralizadas em seus diversos níveis (diocesano, regional, nacional, universal), respeitosas e atentas aos processos locais, sem enfraquecer o vínculo com as outras Igrejas irmãs e com a Igreja universal. Estabelecem uma sincronia entre a comunhão e a participação, entre a corresponsabilidade e a ministerialidade de todos, dando especial atenção à participação efetiva dos leigos no discernimento e na tomada de decisões, potencializando a participação das mulheres.

Novos caminhos para a ministerialidade eclesial

a. Igreja ministerial e novos ministérios

93.              A renovação do Concílio Vaticano II situa os leigos no seio do Povo de Deus, em uma Igreja toda ela ministerial, que tem no sacramento do batismo o fundamento da identidade e da missão de todo cristão. Os leigos são fiéis que, pelo batismo, foram incorporados a Cristo, constituídos no Povo de Deus e, a seu modo, tornados participantes do munus sacerdotal, profético e régio de Cristo, exercendo assim o seu papel na missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo (cf. LG 31). Desta tríplice relação, com Cristo, com a Igreja e com o mundo, nascem a vocação e a missão do laicato. A Igreja na Amazônia, em vista de uma sociedade justa e solidária no cuidado da “casa comum”, quer fazer dos leigos atores privilegiados. Sua atuação tem sido e é vital, tanto na coordenação das comunidades eclesiais, no exercício dos ministérios, como em seu compromisso profético em um mundo inclusivo para todos, que tem em seus mártires um testemunho que nos interpela.

94.              Como expressão da corresponsabilidade de todos os batizados na Igreja e do exercício do sensus fidei de todo o Povo de Deus, surgiram as assembléias e os conselhos pastorais em todas os âmbitos eclesiais, assim como as equipes de coordenação dos diversos serviços pastorais e os ministérios confiados aos leigos. Reconhecemos a necessidade de fortalecer e ampliar os espaços de participação do laicato, tanto na consulta como na tomada de decisões, na vida e na missão da Igreja.

95.              Embora a missão no mundo seja tarefa de todo batizado, o Concílio Vaticano II sublinhou a missão dos leigos: “expectativa da nova terra não deve, porém, enfraquecer, mas antes ativar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra” (GS 39). É urgente que se promovam e se confiram ministérios para homens e mulheres de maneira equitativa para a Igreja na Amazônia. O tecido da Igreja local, também na Amazônia, é garantido pelas pequenas comunidades eclesiais missionárias que cultivam a fé, escutam a Palavra e celebram juntas a vida do povo. É a Igreja de homens e mulheres batizados que devemos consolidar, promovendo a ministerialidade e, sobretudo, a consciência da dignidade batismal.

96.              Além disso, que o Bispo possa confiar, por um mandato por tempo determinado, diante da ausência de presbíteros nas comunidades, o exercício do cuidado pastoral da mesma a uma pessoa não revestida de caráter sacerdotal, membro da comunidade. Os personalismos devem ser evitados e, portanto, será um serviço rotativo. O Bispo poderá constituir este ministério em nome da comunidade cristã com um mandato oficial através de um ato ritual para que a pessoa responsável pela comunidade seja também reconhecida a nível cívil e local. O sacerdote, com poder e faculdade de pároco, permanecerá sempre como responsável da comunidade.

b. Vida consagrada

97.              O texto evangélico - “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres” (Lc 4,18) - expressa uma convicção que anima a missão da vida consagrada na Amazônia, enviada a proclamar a Boa Nova no acompanhamento junto aos povos indígenas, aos mais vulneráveis e aos mais distantes, a partir de um diálogo e anúncio que possibilitem um conhecimento profundo da espiritualidade. Uma vida consagrada com experiências intercongregacionais e interinstitucionais pode permanecer em comunidades onde ninguém quer estar e com quem ninguém quer estar, aprendendo e respeitando a cultura e as línguas indígenas para chegar ao coração dos povos.

98.              A missão, ao mesmo tempo que contribui para edificar e consolidar a Igreja, fortalece e renova a vida consagrada e a chama mais fortemente a assumir a mais pura de sua inspiração original. Deste modo, o seu testemunho será profético e fonte de novas vocações religiosas. Propomos apostar numa vida consagrada com identidade amazônica, fortalecendo as vocações autótocnes. Apoiamos a inserção e a itinerância dos consagrados e consagradas, junto aos empobrecidos e excluídos. Os processos formativos devem enfocar a interculturalidade, a inculturação e os diálogos entre espiritualidades e cosmovisões amazônicas.

c. Presença e a vez da mulher

99.              A Igreja na Amazônia quer “ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja” (EG 103). “Não reduzamos o empenho das mulheres na Igreja; antes, pelo contrário, promovamos o seu papel ativo na comunidade eclesial. Se a Igreja perde as mulheres, na sua dimensão global e real, ela corre o risco da esterilidade” (Papa Francisco, Encontro com o Episcopado Brasileiro, Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013).

100.          O Magistério da Igreja desde o Concílio Vaticano II destacou o lugar central que a mulher ocupa dentro dela: “Mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influência, um alcance, um poder jamais alcançados até agora. É por isso que, neste momento em que a humanidade sofre uma tão profunda transformação, as mulheres impregnadas do espírito do Evangelho podem tanto para ajudar a humanidade a não decair” (Paulo VI, Mensagem na conclusão do Concílio Vaticano II às Mulheres, 8 de Dezembro de 1965).

101.          A sabedoria dos povos ancestrais afirma que a mãe terra tem rosto feminino. No mundo indígena e ocidental, as mulheres são aquelas que trabalham em múltiplas facetas, na instrução dos filhos, na transmissão da fé e do Evangelho, são testemunhas e presença responsável na promoção humana, por isso se pede que a voz das mulheres seja ouvida, que elas sejam consultadas e participem das decisões e, assim, possam contribuir com sua sensibilidade à sinodalidade eclesial. Valorizamos “a função da mulher, reconhecendo seu papel fundamental na formação e continuidade das culturas, na espiritualidade, nas comunidades e nas famílias”. É necessário que a Igreja assuma em seu seio com maior força a liderança das mulheres, e que as reconheça e promova, fortalecendo sua participação nos conselhos pastorais das paróquias e dioceses, inclusive nas instâncias de governo.

102.          Diante da realidade sofrida pelas mulheres vítimas de violência física, moral e religiosa, incluindo o feminicídio, a Igreja se posiciona em defesa de seus direitos e as reconhece como protagonistas e guardiãs da criação e da “casa comum”. Reconhecemos a ministerialidade que Jesus reservou para as mulheres. É necessário promover a formação da mulher em teologia bíblica, teologia sistemática, direito canônico, valorizando sua presença em organizações e sua liderança dentro e fora do âmbito eclesial. Queremos fortalecer os laços familiares, especialmente para as mulheres migrantes. Asseguramos o seu lugar em espaços de liderança e formação. Pedimos revisar o Motu Propio de São Paulo VI, Ministeria quaedam, para que também mulheres adequadamente formadas e preparadas possam receber os ministérios do Leitorado e do Acolitado, entre outros a serem criados. Nos novos contextos da evangelização e pastoral na Amazônia, onde a maioria das comunidades católicas é liderada por mulheres, pedimos que seja criado o ministério instituído da “mulher dirigente da comunidade” e que este seja reconhecido a serviço das novas exigências da evangelização e do cuidado das comunidades.

103.          Nas muitas consultas realizadas na Amazônia, o papel fundamental da mulher religiosa e leiga na Igreja da Amazônia e em suas comunidades foi reconhecido e enfatizado, devido aos múltiplos serviços prestados. Num grande número destas consultas, foi solicitado o diaconato permanente para as mulheres. Por isso, o tema também esteve muito presente no Sínodo. Já em 2016, o Papa Francisco havia criado uma “Comissão de Estudo sobre o Diaconato das Mulheres” que, como Comissão, chegou a um resultado parcial sobre como era a realidade do diaconato das mulheres nos primeiros séculos da Igreja e suas implicações hoje. Gostaríamos, pois, de partilhar as nossas experiências e reflexões com a Comissão e aguardar os seus resultados.

d. Diaconato Permanente

104.          Para a Igreja Amazônica é urgente a promoção, formação e apoio aos diáconos permanentes por causa da importância deste ministério na comunidade, de modo particular, pelo serviço eclesial que muitas comunidades, especialmente os povos indígenas, requerem. As necessidades pastorais específicas das comunidades cristãs amazônicas nos levam a uma compreensão mais ampla do diaconato, serviço que existe desde o início da Igreja e que foi restaurado como grau autônomo e permanente pelo Concílio Vaticano II (cf. LG 29, AG 16, OE 17). O diaconato de hoje deve também promover a ecologia integral, o desenvolvimento humano, a pastoral social, o serviço dos que se encontram em situação de vulnerabilidade e pobreza, configurando-o ao Cristo Servo, tornando-se uma Igreja misericordiosa, samaritana, solidária e diaconal.

105.          Os presbíteros devem ter presente que o diácono está ao serviço da comunidade por nomeação e sob a autoridade do bispo, e que têm a obrigação de apoiar os diáconos permanentes e de agir em comunhão com eles. A manutenção dos diáconos permanentes deve ser levada em conta. Isto inclui o processo vocacional de acordo com os critérios de admissão. As motivações do candidato devem apontar ao serviço e à missão do diaconato permanente na Igreja e no mundo de hoje. O projeto formativo se articula entre o estudo acadêmico e a prática pastoral, acompanhado de uma equipe formativa e da comunidade paroquial, com conteúdos e itinerários adaptados a cada realidade local. É desejável que a esposa e os filhos participem do processo de formação.

106.          O currículo para a formação do diaconato permanente, além das disciplinas obrigatórias, deve incluir temas que promovam o diálogo ecumênico, inter-religioso e intercultural, a história da Igreja na Amazônia, o afeto e a sexualidade, a cosmovisão indígena, a ecologia integral e outros temas transversais típicos do ministério diaconal. A equipe de formadores consistirá de ministros ordenados e leigos competentes que estejam de acordo com o directório do diaconato permanente aprovado em cada país. Queremos encorajar, apoiar e acompanhar pessoalmente o processo vocacional e a formação dos futuros diáconos permanentes nas comunidades ribeirinhas e indígenas, com a participação de párocos, religiosos e religiosas. Finalmente, que haja um programa de acompanhamento da formação contínua (espiritualidade, formação teológica, pastoral, atualização dos documentos da Igreja, etc.), sob a orientação do bispo.

e. Itinerários de formação inculturada

107.          “Dar-vos-ei pastores de acordo com o meu projeto” (Jr 3,15). Essa promessa, sendo divina, é válida para todos os tempos e contextos; portanto, é válida também para a Amazônia. Destinada a configurar o presbítero a Cristo, a formação para o ministério ordenado deve ser uma escola comunitária de fraternidade, experiencial, espiritual, pastoral e doutrinal, em contato com a realidade das pessoas, em harmonia com a cultura e a religiosidade locais, próxima aos pobres. Precisamos preparar bons pastores que vivam a Boa Nova do Reino, conheçam as leis canônicas, sejam compassivos, tão semelhantes a Jesus quanto possível, cuja prática seja fazer a vontade do Pai, alimentados pela Eucaristia e pela Sagrada Escritura. Ou seja, uma formação mais bíblica no sentido da assimilação a Jesus, como demonstrado nos Evangelhos: que sejam próximos das pessoas, capazes de escutar, de curar, de consolar, pacientemente; não procurando pedir, mas manifestando a ternura do coração do Pai.

108.          Para oferecer aos futuros presbíteros das Igrejas da Amazônia uma formação de rosto amazônico, inserida e adaptada à realidade, contextualizada e capaz de responder aos numerosos desafios pastorais e missionários, propomos um plano de formação que responda aos desafios das Igrejas locais e a realidade amazônica. Deve-se incluir nos conteúdos acadêmicos disciplinas que abordem a ecologia integral, a ecologia, a teologia da criação, as teologias indígenas, a espiritualidade ecológica, a história da Igreja na Amazônia, antropologia cultural amazônica, e assim por diante. Os centros de formação para a vida presbiteral  e consagrada devem ser inseridos, preferencialmente, na realidade amazônica, com vistas a favorecer o contato do jovem amazônico em formação com sua realidade enquanto se prepara para sua futura missão, garantindo assim que o processo de formação não se afaste do contexto vital das pessoas e de sua cultura, além de oferecer a outros jovens não amazônicos a oportunidade de participar de sua formação na Amazônia, fomentando assim vocações missionárias.

f. Eucaristia: fonte e ápice da comunhão sinodal

109.          Segundo o Concílio Vaticano II, a participação na Eucaristia é a fonte e o cume de toda a vida cristã; é o símbolo da unidade do Corpo Místico; é o centro e o cume de toda a vida da comunidade cristã. A Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja; é fonte e culminação de toda a evangelização. Façamos eco da frase de São João Paulo II: “A Igreja vive da Eucaristia” (Ecclesia de Eucharistia, 1). A Instrução da Congregação para o Culto Divino Redemptoris sacramentum (2004) insiste em que os fiéis gozem do direito de ter a celebração eucarística tal como estabelecido nos livros e normas litúrgicas. Mas parece estranho falar do direito de celebrar uma Eucaristia segundo o que é prescrito e não mencionar o direito mais fundamental de acesso à Eucaristia para todos: “Na Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico” (LS 236).

110.          Há um direito da comunidade à celebração que deriva da essência da Eucaristia e do seu lugar na economia da salvação. A vida sacramental é a integração das várias dimensões da vida humana no Mistério Pascal, que nos fortalece. É por isso que as comunidades vivas clamam verdadeiramente pela celebração da Eucaristia. Ela é, sem dúvida, o ponto de chegada (culminação e consumação) da comunidade; mas é, ao mesmo tempo, o ponto de partida: do encontro, da reconciliação, da aprendizagem e da catequese, do crescimento comunitário.

111.          Muitas das comunidades eclesiais do território amazônico têm enormes dificuldades de acesso à Eucaristia. Às vezes, passam não apenas meses, mas vários anos para que um sacerdote possa regressar a uma comunidade para celebrar a Eucaristia, oferecer o sacramento da reconciliação ou ungir os doentes na comunidade. Apreciamos o celibato como dom de Deus (Sacerdotalis Caelibatus, 1) na medida em que este dom permite ao discípulo missionário, ordenado ao presbiterato, dedicar-se plenamente ao serviço do Povo Santo de Deus. Estimula a caridade pastoral e rezamos para que haja muitas vocações que vivam o sacerdócio celibatário. Sabemos que essa disciplina “não é exigida pela própria natureza do sacerdócio” (PO 16), embora tenha muitas razões de conveniência. Na sua encíclica sobre o celibato sacerdotal, São Paulo VI manteve esta lei e expôs as motivações teológicas, espirituais e pastorais que a sustentam. Em 1992, a exortação pós-sinodal de São João Paulo II sobre a formação sacerdotal confirmou esta tradição na Igreja latina (PDV 29). Considerando que a legítima diversidade não prejudica a comunhão e a unidade da Igreja, mas a manifesta e serve (LG 13; OE 6) o que atesta a pluralidade dos ritos e disciplinas existentes, propomos estabelecer critérios e disposições por parte da autoridade competente, no âmbito da Lumen Gentium 26, para ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterato, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã mediante a pregação da Palavra e a celebração dos Sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica. A este respeito, alguns manifestaram-se a favor de uma abordagem universal da questão.

Novos caminhos para a sinodalidade eclesial

a. Estruturas sinodais regionais na Igreja Amazônica

112.          A maioria das Dioceses, Prelazias e Vicariatos da Amazônia tem extensos territórios, poucos ministros ordenados e escassos recursos financeiros, experimentando dificuldades para sustentar a missão. O “custo amazônico” repercute seriamente na evangelização. Diante desta realidade, é necessário repensar a organização das Igrejas locais, repensar as estruturas de comunhão nos níveis provinciais, regionais e nacionais, e também a partir da Pan-amazônia. Portanto, é necessário articular espaços sinodais e gerar redes de apoio solidário. É urgente superar as fronteiras que a geografia impõe e construir pontes que unam. O documento de Aparecida já insistia que as Igrejas locais gerem formas de associação interdiocesana em cada nação ou entre países de uma região e que fomentem maior cooperação entre igrejas irmãs (cf. DAp 182). Em vista de uma Igreja presente, solidária e samaritana, propomos: redimensionar as extensas áreas geográficas das dioceses, vicariatos e prelazias; criar um fundo amazônico de apoio à evangelização; sensibilizar e encorajar as agências de cooperação católica internacional para apoiar as atividades de evangelização além dos projetos sociais.

113.          Em 2015, ao comemorar o 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos por São Paulo VI, o Papa Francisco nos convidou a renovar a comunhão sinodal nos vários níveis de vida da Igreja: local, regional e universal. A Igreja está desenvolvendo uma compreensão renovada da sinodalidade em escala regional. Apoiada pela tradição, a Comissão Teológica Internacional expressa: “O nível regional no exercício da sinodalidade é aquele que ocorre nos reagrupamentos de Igrejas particulares presentes na mesma região: uma Província - como aconteceu especialmente nos primeiros séculos da Igreja - ou um País, um Continente ou parte dele” (Documento “Sinodalidade na vida e missão da Igreja”, CTI, 2018, 85). O exercício da sinodalidade neste nível reforça os laços espirituais e institucionais, favorece o intercâmbio de dons e ajuda a projetar critérios pastorais comuns. A pastoral social conjunta das dioceses situadas nas fronteiras dos países deve ser reforçada para enfrentar problemas comuns que ultrapassam o âmbito local, como a exploração de pessoas e territórios, o tráfico de drogas, a corrupção, o tráfico de pessoas, etc. O problema da migração deve ser abordado de forma coordenada pelas Igrejas fronteiriças.

 b. Universidades e novas estruturas sinodais amazônicas

114.          Propomos a criação de uma Universidade Católica Amazônica que tenha como base pesquisas interdisciplinares (incluindo estudos de campo), inculturação e diálogo intercultural; que a teologia inculturada inclua formação conjunta para ministérios leigos e formação de sacerdotes, baseada principalmente na Sagrada Escritura. As atividades de pesquisa, educação e extensão devem incluir programas de estudos ambientais (conhecimento teórico baseado na sabedoria dos povos que vivem na região amazônica) e estudos étnicos (descrição das diferentes línguas, etc.). A formação de professores, o ensino e a produção de materiais didáticos inculturados devem respeitar os costumes e as tradições dos povos indígenas, e realizando atividades de extensão em diferentes países e regiões. Pedimos às universidades católicas da América Latina que ajudem na criação da Universidade Católica Amazônica e acompanhem seu desenvolvimento.

c. Organismo eclesial regional pós-sinodal para a região amazônica

115.          Propomomos criar um organismo episcopal que promova a sinodalidade entre as Igrejas da região, que ajude a delinear o rosto amazônica desta Igreja e que continue a tarefa de encontrar novos caminhos para a missão evangelizadora, incorporando especialmente a proposta da ecologia integral, fortalecendo assim a fisionomia da Igreja Amazônica. Trata-se de um organismo episcopal permanente e representativo que promova a sinodalidade na região amazônica, articulado com o CELAM, com estrutura própria, em uma organização simples e também articulada com a REPAM. Deste modo, pode ser o canal eficaz para assumir, a partir do território da Igreja latino-americana e caribenha, muitas das propostas que surgiram neste Sínodo. Seria o nexo que articula redes e iniciativas eclesiais e socioambientais em nível continental e internacional.

d. Rito para os povos indígenas

116.          O Concílio Vaticano II abriu espaços ao pluralismo litúrgico “para variações e legítimas adaptações a diversos grupos e povos” (cf. SC 38). Neste sentido, a liturgia deve responder à cultura para que seja fonte e ápice da vida cristã (cf. SC 10) e para que se sinta ligada aos sofrimentos e às alegrias do povo. Devemos dar uma resposta autenticamente católica ao pedido das comunidades amazônicas de adaptar a liturgia valorizando a cosmovisão, as tradições, os símbolos e os ritos originais, incluindo dimensões transcendentes, comunitárias e ecológicas.

117.          Na Igreja Católica existem 23 Ritos diferentes, sinal claro de uma tradição que desde os primeiros séculos procurou inculturar os conteúdos da fé e a sua celebração através de uma linguagem tão coerente quanto possível com o mistério que deve ser expresso. Todas essas tradições têm a sua origem em função da missão da Igreja: “ As Igrejas de uma mesma área geográfica e cultural acabaram celebrando o mistério de Cristo com expressões particulares tipificadas culturalmente: na tradição do “depósito da fé”, no simbolismo litúrgico, na organização da comunhão fraterna, na compreensão teológica dos mistérios e nos tipos de santidade” (CIC 1202; cf. também CIC 1200-1206).

118.          É necessário que a Igreja, na sua incansável obra evangelizadora, trabalhe para que o processo de inculturação da fé se exprima nas formas mais coerentes, para que seja também celebrado e vivido segundo as linguagens próprias dos povos amazônicos. É urgente formar comissões para a tradução e redação de textos bíblicos e litúrgicos nas línguas dos diversos lugares, com os recursos necessários, preservando a matéria dos sacramentos e adaptando-os à forma, sem perder de vista o essencial. Neste sentido, é necessário estimular a música e o canto aceitos e incentivados pela liturgia.

119.          O novo organismo da Igreja na Amazônia deve constituir uma comissão competente para estudar e dialogar, segundo os usos e costumes dos povos ancestrais, a elaboração de um rito amazônico que exprima o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual da Amazônia, com especial referência ao que a Lumen Gentium afirma para as Igrejas Orientais (cf. LG 23). Ele se somaria aos ritos já presentes na Igreja, enriquecendo a obra de evangelização, a capacidade de exprimir a fé numa cultura própria e o sentido de descentralização e colegialidade que a catolicidade da Igreja pode exprimir; poderia também se estudar e propor como enriquecer os ritos eclesiais com o modo como estes povos cuidam do seu território e se relacionam com suas águas.

CONCLUSÃO

120.          Concluímos sob a proteção de Maria, Mãe da Amazônia, venerada com vários títulos em toda a região. Por sua intercessão, pedimos que este Sínodo seja expressão concreta da sinodalidade, para que a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo (cf. Jo 10,10) chegue a todos, especialmente aos pobres, e contribua para o cuidado da “casa comum”. Maria, Mãe da Amazônia, acompanhe nosso caminho; a São José, fiel guardião de Maria e de seu filho Jesus, consagremos nossa presença eclesial na Amazônia, uma Igreja de rosto amazônico e em saída missionária.

 

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Votação do documento final do Sínodo para a Amazônia