Palavras de Pe. Adelson Araújo dos Santos ao apresentar "Querida Amazonía"
A primeira coisa que salta aos olhos de quem lê o documento é o seu título, com a sugestiva frase: “Querida Amazônia”, indicando que o Papa deseja dizer desde o início da sua exortação aos povos da Amazônia que eles são amados pelo ele, com todas as demais criaturas e biodiversidade ali presentes. E é esse “querer bem”, que o fez tomar iniciativas como a convocação de um sínodo especial sobre aquela região, conclamando-nos a cuidar bem desta parte vital do planeta, seguindo o exemplo de Jesus, “que primeiro cuida de nós, ensina-nos a cuidar de nossos irmãos e irmãs e do ambiente que Ele nos dá todos os dias”. Porque, quem ama, cuida.
Logo em seguida, o leitor se depara com outra surpresa preparada pelo Papa, isto é, ao invés de apresentar conclusões ou propostas de ação concretas sobre a Amazônia, ele prefere compartilhar quatro sonhos sobre a sua querida Amazônia: Social; Cultural; Ecológico e Eclesial. Podemos indagar, então, sobre o valor teológico dos mesmos no documento que estamos agora a conhecer. Ora, quando trata dos “sonhos” o Novo Dicionário de Espiritualidade explica que somente o autor do sonho pode adequada e autenticamente interpretá-lo. Portanto, qualquer esforço hermenêutico da nossa parte será sempre limitado e aproximativo daquilo que verdadeiramente significa para o seu autor, os sonhos por ele compartilhados. Por outro lado, toda a riqueza teológico-espiritual que o texto apresenta não poderá ser aqui neste breve espaço de tempo completamente exaurida, mas nos remete a ulteriores estudos e aprofundamentos.
Ressaltemos que não é a primeira vez que o Papa Francisco usa este estilo de linguagem para se comunicar com o seu rebanho. Já no seu primeiro ano de pontificado ele confessava: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação”. Em outros momentos, o Papa recorda o valor e a importância do ato de sonhar e de não ter medo de sonhar diferente, de “mostrar outros sonhos que este mundo não oferece”, ou seja, sonhos de generosidade, serviço, pureza, fortaleza, perdão, fidelidade à própria vocação, oração, luta pela justiça e o bem comum, amor aos pobres, amizade. Aliás, o Papa emérito Bento XVI usou do mesmo recurso linguístico em seu magistério, ensinando aos jovens que nenhum sonho é irrealizável quando quem os suscita e os cultiva no coração é o Espírito de Deus. E Francisco dirá ainda que Jesus pode unir todos os jovens da Igreja num único sonho, “um sonho grande, um sonho capaz de envolver a todos”. Essa linguagem, ademais, segue a tradição bíblica que sempre destacou os sonhos como instrumento privilegiado por meio dos quais Deus revela a sua vontade e os seus desígnios. Recordemos alguns textos da Sagrada Escritura que confirmam isso, como Gn 37, 2-11, no qual José, o mais novo entre seus irmãos, é avisado em sonho de que faria grandes coisas e superaria todos os seus irmãos. Ou, então, Mt 1, 18-21, quando em sonho um outro José é instruído pelo Anjo do Senhor a receber Maria como sua esposa, pois que ela haveria de ser a mãe do Salvador, por obra do Espírito Santo.
Cremos que o caminho escolhido pelo Santo Padre para escrever a sua exortação apostólica não se afasta, mas antes se mantém estreitamente ligado às fontes essenciais da Teologia: A Sagrada Escritura, a Tradição e o Magistério da Igreja. De fato, em todos os sonhos que ele apresenta há elementos soteriológicos, cristológicos, pneumatológicos e eclesiológicos, que devem ser vistos de forma articulada entre si, estando atentos à correlação existente entre eles, pois que também nos sonhos, “tudo está interligado”. E, em cada sonho compartilhado pelo Papa é possível reconhecer o chamado à conversão que padres sinodais formularam no documento final do sínodo, de modo que em seu sonho social vemos o chamado à conversão integral, em seu sonho cultural vemos o chamado a uma conversão cultural, em seu sonho ecológico somos chamados à conversão ecológica e em seu sonho eclesial estão presentes os elementos de uma conversão pastoral e sinodal.
[00195-PO.01] [Texto original: Português]