Irmão Vicente Cañas, SJ - Kiwxi
Vicente Cañas nasceu em Alborea (Albacete) no dia 22 de outubro de 1939, entrou no noviciado São Pedro Claver (Raimat, Lleida) da Companhia de Jesus aos 21 anos, em 21 de abril de 1961. Chegou ao Brasil em 1966 e em 1968, à Prelazia de Diamantino, no Mato Grosso, recebendo o nome índio ‘Kiwxi’.
Em outubro de 1969, a pedido da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Irmão Vicente foi, junto com os padres jesuítas Antonio Iasi, Adalberto Holanda Pereira e Thomaz Lisboa, salvar os 41 Tapaiúna que sobreviveram – dos 600 contatados anteriormente e dizimados por uma epidemia de gripe.
Vicente sabia que, durante décadas, os Tapaiúna, ou “Beiço de Pau” (devido ao enorme disco de madeira que inseriam no lábio inferior da boca), sofriam a perseguição violenta das frentes de expansão no vale dos rios do Sangue e Arinos, no norte do Mato Grosso.
Entre os anos 1970-1975, ele trabalhou com os índios Paresi. Em 1971, juntamente com os padres Adalberto e Thomaz, conseguiu fazer os primeiros contatos pacíficos com os índios Mÿky, que eram apenas 23 pessoas e estavam à beira do extermínio no momento do contato. Desde 1975, o padre Tomaz e o irmão Vicente passaram a viver na aldeia Mÿky e receberam os nomes Yaúka e Kiwxi, respectivamente. Pouco a pouco, seus corações foram se “indianizando”.
De 1973-1974, eles fizeram várias expedições para contatar outro povo “isolado”, o Enawenê-nawê. Eram apenas 97 indígenas no momento do contato, em 1974. Hoje, graças em parte à vida entregue de Vicente, eles são mil. Eles estavam ameaçados de extinção pelos ambiciosos interesses dos latifundiários que queriam roubar suas terras.
Em 1975, Vicente Cañas fez seus últimos votos na aldeia indígena de Zozoiterô, da Missão de Diamantino, no Mato Grosso. E no final de 1975 ele se dedicou mais plenamente aos Enawenê-nawê. De junho de 1979 a junho de 1983, Kiwxi não saiu dessa aldeia. Entre 1979 e 1981, chegaram alguns leigos, principalmente mulheres, para auxiliá-lo.
Como missionário, foi tão longe quanto pôde no trabalho de inculturação guiado pela Igreja. Gradualmente, ele foi se tornando um deles: participava de seus rituais, da pesca, dos trabalhos de plantio, da coleta de mel, frutas e tubérculos, fez cestas, artesanato e utensílios próprios. Dedicou-se a aprender sua língua. Escreveu um diário de grande valor antropológico com mais de 3 mil páginas. Isso mostra seu cuidado com pequenas coisas e também é possível ver que ele estava ameaçado de morte.
Ele construiu uma cabana no rio Juruena, a cerca de 60 km da aldeia Enawenê-nawê (um dia de caminhada). Ali ele se escondia esporadicamente para os seus “retiros”, ouvir música clássica, organizar seus pensamentos e comunicar-se com o mundo exterior através de um rádio-amador. Ali fazia também suas quarentenas para não levar doenças para a aldeia, deixava suas roupas brancas e vestia-se-desvestia-se de índio. Dali, Kiwxi subia o rio Juruena por cerca de seis horas de barco para chegar à aldeia de seus irmãos Enawenê-nawê. De 1982 até o seu martírio, em 1987, ele ficou morando com eles.
Vicente foi encontrado morto cerca de 40 dias após o seu assassinato (de acordo com relatórios forenses). Seu corpo estava mumificado fora da barraca que ele tinha construído no rio Juruena. Os especialistas forenses, em seu relatório, dizem que o crânio foi quebrado com uma borduna (um pau grosso de madeira feito para bater), que também tinha uma perfuração de arma branca no abdômen e, possivelmente, foi castrado para que sangrasse até morrer. Milagrosamente, os animais (abutres, raposas, tigres e pumas, etc.) não devoraram o seu corpo. Ele foi enterrado ali mesmo, junto à barraca e no meio da floresta, dentro da terra indígena de seus irmãos Enawenê-nawê, que, graças ao seu sangue derramado, finalmente conseguiram sua demarcação.
Sua memória inspirou muitas instituições e iniciativas em diferentes lugares e seu sangue derramado germinou como uma semente de vida em muitos missionários que se encarregaram da causa dos povos indígenas. Dom Pedro Casaldáliga afirmava de seu amigo Vicente: “É o missionário contemporâneo que atingiu o nível mais alto de inculturação: nasceu espanhol, nacionalizou-se brasileiro e inculturou-se Enawenê-nawê”.
(fonte: CIMI)