Rodolfo Lunkenbein e Simão Bororo

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rodolfo e simao

Rodolfo Lunkenbein (1939-1976), alemão de nascimento, salesiano por opção; e la vida do Lunkenbein que nasceu como filho de pequenos lavradores.

Rodolfo Lunkenbein (1939-1976), alemão de nascimento, salesiano por opção e, com a graça de Deus, mártir em terras indígenas, foi, em duas estadias em épocas diferentes no Brasil, um missionário pré e pós-conciliar. Na sua segunda vinda ao Brasil, em 1970, o missionário Rodolfo não veio mais para salvar as almas dos Bororo no interior de um projeto desenvolvimentista e assimilacionista, mas para propor o resgate de suas vidas e contribuir para a construção de uma perspectiva de esperança.

Lunkenbein nasceu como filho de pequenos lavradores no dia 1º de abril de 1939, em Döringstadt, no sul da Alemanha. Quando jovem, descobriu uma biografia de Dom Bosco e aos 14 anos de idade, em 1953, foi aceito no aspirantado salesiano. Em 1958, o inspetor salesiano do Mato Grosso trouxe de sua terra natal, a Alemanha, um grupo de jovens missionários e seminaristas ao Brasil, entre os quais Lunkenbein, que logo no ano seguinte fez seu noviciado em Pindamonhangaba (SP). Seguiram os estudos de filosofia e a formação salesiana em Campo Grande (1960/1962). Entre 1963 e 1965 foi destinado para a Missão Salesiana de Meruri/MT, onde fez seus anos práticos como professor e educador dando aulas para as crianças dos Bororo, dos fazendeiros e dos posseiros da região. Ainda encontrou tempo para mostrar suas habilidades para consertar motores e máquinas da missão, símbolos do progresso civilizatório e da missão desenvolvimentista. Ninguém falava ainda de demarcação da terra dos Bororo.

Na época, as missões religiosas não apostavam num futuro próprio dos povos indígenas. Por conseguinte, a pastoral era pastoral rural, sem traços específicos de uma pastoral indigenista. Meruri estava a caminho de se tornar uma cidade mestiça com paróquia, escola, ambulatório, oficina mecânica e centro comercial. Os Bororo de Meruri falavam português, eram escolarizados e profissionalizados.

Itinerário definitivo

Em 1965, terminado o estágio missionário de três anos em Meruri, Lunkenbein foi reenviado para a Alemanha. No ano em que o Vaticano II terminou, Rodolfo começou seus estudos teológicos no estudantado salesiano em Benediktbeuern. Concluídos os estudos, em 1969, Lunkenbein foi ordenado sacerdote. Contam seus pais que Rodolfo vibrou com a renovação conciliar. Ao voltar ao Brasil e a Meruri, em 1970, escreve o padre Ochoa, ele encontra uma outra realidade. O Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín (1968) produziram as primeiras mudanças pastorais. Em Meruri havia começado um atendimento prioritário aos Bororo, a presença de famílias não indígenas perto da aldeia fora desmontada, a saúde, subsistência e cultura indígenas foram tratadas como prioridades.

No início de 1974, Lunkenbein se tornou diretor da “Colônia Indígena de Meruri”. Os Bororo recebem com entusiasmo o novo diretor da Missão. Na Missa, um Bororo retira sua estola e troca por uma feita pelos indígenas. Em outra ocasião introduzem Rodolfo, ritualmente, na tribo com o nome Okoge Ekureu, que significa, “Peixe Dourado”.

      No ano anterior, no dia 15 de novembro de 1973, na sétima reunião do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o “Peixe Dourado” foi eleito Conselheiro do Cimi. Através de cursos, reuniões, assembleias indígenas e missionárias, o Cimi se tornou uma escola permanente de qualificação missionária. Em plena ditadura militar (1964-1985) acabou a pastoral assimiladora da chamada “integração harmoniosa” na sociedade nacional e começou a pastoral libertadora com suas lutas pela demarcação dos territórios indígenas, pela preservação histórica de suas culturas e pela autodeterminação dos povos indígenas, visando um futuro do bem viver diferenciado da sociedade nacional.

Pelo Estatuto do Índio (Lei 6001), promulgado em 19 de dezembro de 1973, o governo militar prometeu demarcar todas as terras indígenas no prazo de cinco anos. Demarcadas as terras, a defesa das culturas e o protagonismo dos povos indígenas seria mais fácil. O não-cumprimento da promessa de demarcação das terras e o projeto desenvolvimentista com as estradas que rasgavam os territórios indígenas abriram um profundo conflito entre a nova pastoral indigenista e o governo militar. Na 12ª reunião do Conselho do Cimi, no dia 24 de abril de 1975, Rodolfo e Eugênio Bororo informam uma última vez aos conselheiros sobre a invasão de gado na roça dos indígenas e agressões contra a demarcação do território bororo.

Na véspera do início da demarcação da terra dos Bororo, dia 14 de julho de 1976, Rodolfo convidou a comunidade para celebrar uma Missa em ação de graças. Na homilia deixou entender que recebeu muitas ameaças, mas que estaria disposto a fazer qualquer sacrifício e até dar a própria vida para levar essa demarcação a um final feliz para os Bororo. Na mesma noite da missa, João Mineiro juntou fazendeiros para combinar o ataque à Missão. No dia do assassinato, 15 de julho, pelas 10 horas da manhã, chega uma caravana de seis veículos com mais de 40 pessoas ao pátio da Missão, muitos deles estavam alcoolizadas, armados com revólveres e facas para impedir a demarcação. Insultavam e agrediram os padres Gonçalo Ochoa e depois Rodolfo, que às pressas foi chamado da roça onde estava trabalhando com os Bororo.

João Mineiro mostra sua cruz gritando: “Olha aí, eu sou cristão! Não seja ladrão, padre”! “Ladrão é você”, replicou Genoveva Bororo, irmã de Simão Cristino. Este, ao socorrer o padre, logo seria exterminado tendo as entranhas rasgadas por uma faca. Entre empurrões e insultos, João Mineiro puxou sua arma e deu o primeiro tiro no padre. Depois de ser atingido por cinco balas, Rodolfo caiu morto no pátio da Missão. Quando o padre já estava caído, Genoveva puxou o irmão que estava mortalmente ferido. No caminho ao hospital, Simão começou a rezar. Fez sinal da cruz e rezou o ato de contrição. À tarde faleceu. “Quando estava para morrer perguntou, se alguém tinha alguma coisa contra ele e que ele perdoava tudo”, relatam os Bororo.

A tragédia de Meruri não interrompeu o processo da demarcação da “Área Indígena Meruri”. A terra foi demarcada ainda em 1976, e onze anos mais tarde, em 11 de fevereiro de 1987, os 82 mil hectares, localizados nos Municípios General Carneiro e Barra do Garças (MT), foram definitivamente homologados por Decreto Presidencial. Em 1979, João Mineiro foi absolvido porque teria agido em legítima defesa.

Mensagem da missão cumprida

A população de Meruri, que somava em 1905 ainda 217 indivíduos, em 1967 caiu para um mínimo de 87 pessoas. Já em 1979 somaram, segundo Ochoa, 386 indivíduos, e o IBGE indica 657 Bororo para o ano 2010 na Terra Indígena de Meruri. A conversão pastoral iniciada pelo Vaticano II contribuiu para suspender o extermínio bororo. No martírio de Rodolfo e Simão se constitui uma aliança entre a Missão e os povos indígenas. Essa aliança paradigmática conseguiu transformar o binômio “conversão-civilização” em missão libertadora, encarnada e autodeterminada.

Quarenta anos depois da chacina de Meruri, a “Igreja em saída” procura atribuir ao martírio de Simão e Rodolfo um significado mais universal através dos primeiros passos em direção de sua beatificação. Por ocasião da visita do padre Pierluigi Cameroni, Postulador da Congregação Salesiana em Roma, entre os dias 25 de abril a 4 de maio de 2016, a Inspetoria Salesiana de Campo Grande, no dia 3 de maio 2016, apresentou ao Bispo de Barra do Garças, D. Protógenes Luft, a “Proposta de Abertura do Processo Diocesano de Reconhecimento do Martírio do P. Rodolfo Lunkenbein e Simão Bororo”.

 

Pe. Paulo Suess